NOS ACOMPANHE TAMBÉM :

sexta-feira, junho 20, 2025

Cartas de Elizabeth Bishop no Brasil

 



Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1952
"Lota vendeu uma de suas propriedades para um famoso zoólogo polonês, e você só precisa caminhar por dois minutos na montanha para avistar um jaguar negro, um camelo e os pássaros mais lindos do mundo. Penso em você a todo instante.

*O zoólogo me deu um tucano de aniversário. Ele (ou ela) é manso e travesso — joga moedas pelo quarto, voa carregando minha torrada do café da manhã. É preto, com olhos azul-elétrico, bico azul e amarelo, garras azuis e penas vermelhas sob a cauda, como um pôr-do-sol quando dorme. Nunca recebi presente mais belo."*

☐ ☐ ☐

Samambaia, Petrópolis — 13 de março de 1952
"O correio de Petrópolis para o Rio (30 ou 40 milhas) muitas vezes leva duas semanas. Não reclamo: é parte da sublime imprecisão do Brasil... onde agora uma nuvem adentra meu quarto."

☐ ☐ ☐

26 de julho de 1952
*"Enquanto estávamos fora, a cozinheira descobriu a pintura — prova de que a arte floresce no ócio — e tornou-se uma primitiva maravilhosa. Lota pediu que limpasse as latas de lixo (ela é quase selvagem, mas excelente cozinheira), e dez minutos depois as encontrou pintadas de vermelho e rosa violentos. Temos potes que Portinari fez para Lota, mas até as latas da cozinheira são melhores."*

☐ ☐ ☐

22 de outubro de 1964
"O parque (Aterro) está ficando cada vez mais louco. Lota está tão rica que até vendedores de seguros a reconhecem. Ela teve a ideia genial de construir salas de arte para crianças nos playgrounds — há uma escassez delas aqui."

☐ ☐ ☐

15 de março de 1966
"Lota teve uma crise nervosa e física — anos de trabalho excessivo e preocupação. Recusei o convite para Seattle na época, mas era o melhor a fazer. Seu parque... que adianta trabalhar para qualquer governo?"

☐ ☐ ☐

4 de janeiro de 1968
"Deixei o Brasil com o coração pesado e espero nunca mais ver o Rio. Os últimos anos foram horríveis e exaustivos. Mas acredite: nos amamos como nunca houve ou haverá igual. Sinto sua falta eternamente."


Comentário:
As cartas da poeta Elizabeth Bishop revelam seu amor ambivalente pelo Brasil (1951-1966), onde viveu com a arquiteta Lota de Macedo Soares. Os trechos alternam encantamento com a natureza ("tucano de bico azul"), ironia sobre a burocracia ("sublime imprecisão do Brasil") e dor pelo declínio de Lota (crise nervosa, desilusão política). A prosa de Bishop transforma o cotidiano — uma cozinheira que vira artista, latas de lixo coloridas — em poesia, enquanto expõe as tensões sob o idílio: o Brasil é ao mesmo tempo um paraíso e um lugar de desgaste irreparável. A última carta, escrita após a morte de Lota (1967), é um epitáfio para um amor e um país que a marcariam para sempre.

(Nota: Ortografia e pontuação preservadas conforme o original, com ajustes mínimos para clareza.)

Nenhum comentário :