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sexta-feira, junho 13, 2025

As confissões da eterna miss - Martha Rocha

 

Texto publicado no Jornal do Brasil 13/06/1993



Mágico como só o primeiro amor consegue ser: "Lembra Martha". A paixão pelo primeiro marido, Álvaro Piano, é um momento sentido em Martha Rocha — Uma biografia, sonho interrompido por sua morte prematura num acidente de avião. Martha tinha ido esperar Álvaro no aeroporto e foi aconselhada a voltar para casa porque o avião teve problemas no pouso e foi obrigado a retornar à Buenos Aires. Mais tarde, ela ligou para a companhia para saber se o aparelho tinha conseguido pousar em Mar Del Plata. A ligação caiu com: "Aqui não é da Áustral — responderam — é o número de uma residência... mas a senhora não sabe? O avião caiu no mar e morreu todo mundo".

Tão trágico quanto foi o casamento "catastrófico" com o milionário Ronaldo Xavier de Lima. "Nosso casamento prometia, mas na verdade eu logo me daria conta de que aquilo não inaugurava uma fase feliz na minha vida", lembra ela no livro. Rapidamente Martha percebeu que Ronaldo era um homem "ameaçador". E impossível ficar indiferente a uma das cenas finais do casamento: "Foi abrir a porta do apartamento e encontrar o Ronaldo. Ele não morava mais lá, mas estava à minha espera. Fui direto para o quarto, mas Ronaldo me seguiu como um louco pela casa. Finalmente me agarrou e começou a bater em mim. Dava tapas e socos, apertava o pescoço, batia. Eu gritava desesperada. Deu um pontapé no meu umbigo e bateu minha cabeça na porta. Eu tinha medo de morrer. Aos berros, ele batia e ameaçava: 'Vou desfigurar seu rosto, celebre rosto de Martha Rocha'".

Por fim, só o distanciamento dos filhos Álvaro, Luís Carlos e Alberto, que preferiram a companhia de Ronaldo. Segundo Martha, foram seduzidos pela "liberalidade" do ex-marido. Sua vida teve momentos felizes, que neutralizaram os muitos momentos infelizes. Mas só o tempo dirá se valeu a pena. Ainda que longe do brilho das passarelas, a ex-miss ainda conserva (mesmo com muitos arranhões) o poder da jovenzinha baiana que olhava para o futuro com otimismo absurdo. "Ainda acredito que vou encontrar um novo homem. Mas hoje não seria capaz de abrir tudo de mim por nada, nem por ninguém. Estou comigo, e isso me satisfaz como nunca — eu me sinto plena".

Martha Rocha
Relembra o momento do casamento tumultuado com Ronaldo e lembra: "Perdi o título de miss por duas polegadas".


ELIZABETH ORSINI
Camille Paglia que perdoe, mas toda mulher tem uma vida dentro de si. Quem duvida da afirmação deve ter como leitura obrigatória Martha Rocha — Uma biografia (Ed. Objetiva, R$ 580.000), um depoimento sincero da baiana de olhos azuis-turquesa que, em julho de 1954, perdeu por duas polegadas a mais o título de Miss Universo diante de uma multidão de americanos decepcionados que gritavam em coro "Brazil, Brazil". Nas 197 páginas do livro, que será lançado dia 23, no Copacabana Palace, o que se vê é uma mulher frágil e solitária tentando realizar o sonho de Cinderela que, ironicamente, encarnou para todo o país.

Os depoimentos de Martha, colhidos pela jornalista Jaa Pressa, são sinceros e corajosos. Talvez aí esteja um dos maiores motivos para ler Martha Rocha — Uma biografia, um trabalho que registra também o clima e o ritmo do Rio de Janeiro nos anos 50, com seus Cadillacs, as festas de Dídia Souza Campos, os jantares na casa dos Moreira Salles, os vestidos Bangu, o piano do Sachs e "aquele Rio que multiplicava nossas fantasias, despontava para o mundo e concentrava o poder", se pergunta Martha.

Em torno desse cenário, a ex-miss vive as emoções mais intensas de sua vida — emoções que duplicaram durante os três meses em que morou nos Estados Unidos após o concurso Miss Universo. O primeiro beijo no Bosque, o namoro rápido com Tony Mayrink Veiga; a paquera do cantor de boleros Gregório Barrios; a fuga para o Rio, aos 17 anos, com três aviadores da FAB ("O escândalo na volta foi ainda maior do que pensamos"); a faixa de Miss Brasil colocada pelo poeta Manuel Bandeira; o assédio do Tenente Bandeira — aquele mesmo, do famoso crime da Sacopã —; Heitor, o primeiro homem de sua vida ("Mas aquele foi um encontro absolutamente especial").


TRECHOS

  • "Voltamos ao cenário, e dessa vez o anúncio foi rápido: Miss Brasil! Eu tinha ficado com o segundo lugar. Era ela, Miss Universo era a Miss Estados Unidos. Foram alguns segundos de uma decepção absurda."

  • "A paixão na cama era tão grande que ficávamos o dia todo trancados no quarto. Um empregado chegou a bater assustado na porta, pedindo por favor que abríssemos. Ronaldo foi ver o que era, e o homem tinha até chamado uma ambulância, pensando que alguém estivesse passando mal."

  • "Só me lembro de meu pai ter me posto no colo uma vez. Deu um beijo e pronto. O único contato de pele mais íntimo que tive com ele. De resto, sempre foi silencioso e fechado."

  • "Os encontros ficavam cada vez mais íntimos e perdíamos o controle. Não é assim quando a gente ama? As carícias enlouquecem, o cheiro do outro é um bruto de bálsamo — como dizia aquela música — são cometas percorrendo o céu da boca. Falling in love. Heitor me envolvia, e eu não queria parar."

  • "Já disseram até que eu tive um romance com Juscelino Kubitschek. Imagine. Daquela época, falava-se tudo, inventando qualquer coisa."

  • "Sempre fui muito sexual. Tinha medo, porque todo mundo tinha... Mas também era muito curiosa, queria saber como era. Por que não ter este direito? A virgindade ameaçava todos, tinha uma importância gigantesca, era o maior trunfo de uma mulher. E isso sempre me pareceu uma grande injustiça contra as mulheres, já que os homens podiam fazer, desde sempre, tudo."

  • "Soube pelo meu próprio analista, o Dr. Leila Caberrille, que ele invadiu o consultório logo depois de uma das sessões. Ameaçou o Dr. Caberrille dizendo: 'O senhor está proibido de fazer a análise com a minha mulher'."


ELES POR ELA

  • Álvaro Piano: "Álvaro foi muito delicado, gentil, mago. E desde a nossa primeira vez, me senti muito amada, me senti feliz. Nem por um momento, Álvaro demonstrou qualquer desaprovação pelo fato de eu não ser mais virgem — um fantasma que podia assaltar homens mais conservadores em década tão machista quanto a de 50."

  • Tony Mayrink Veiga: "Tony era simples, mas talvez voltado excessivamente para a casa de alguém no passado."

  • Francisco Carlos: "Chico também mudou meu ritmo de viver. Nosso namoro tinha a leveza de uma tarde de sol na Bahia, e eu redescobria o prazer de me relacionar com um homem — sem medo, sem hierarquias trágicas."

  • Carlos Arthur Nuzman: "Havia, sem dúvida, um grande companheirismo entre nós. Ele era educado, gentil, carinhoso. Estava sempre disposto a fazer os programas que eu sugeria, mesmo que fosse simplesmente ir para a casa de alguém jogar cartas. Mas aquela relação decidiu melhor sobre si mesma antes que fosse quase impossível voltar atrás."

  • Gregório Barrios: "Aquela ansiedade de fã acabou, e vi que o grande cantor de boleros era simplesmente um homem."

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