A coluna “Gol de Placa – Dez Recados”, assinada por Roberto Porto, foi publicada no jornal O Globo, na edição de segunda-feira, 26 de junho de 1989
⚽ CONTEXTO HISTÓRICO: A FINAL DE 1989
Em 21 de junho de 1989, o Botafogo venceu o Flamengo por 1 a 0 no Maracanã e conquistou o Campeonato Carioca.
Esse título teve um peso imenso por um motivo:
O Botafogo encerrou um jejum de 21 anos sem títulos.
O gol do título foi marcado por Maurício, após um cruzamento preciso de Mazolinha. Esse jogo se tornou símbolo de renascimento para a torcida botafoguense e um trauma (esportivo) para os rubro-negros, que tinham um time fortíssimo e eram favoritos.
🖋️ SOBRE A COLUNA “DEZ RECADOS” – HUMOR COM ALMA DE CRÔNICA
Roberto Porto, com seu estilo sarcástico e cheio de referências internas ao jornalismo esportivo carioca, escreve “recados” fictícios (ou semi-fictícios) a colegas, amigos e figuras do futebol. Ele faz isso para:
Tirar sarro dos jornalistas flamenguistas,
Enaltecer poeticamente o Botafogo,
Satirizar o drama rubro-negro após a derrota.
🔟 ALGUNS DESTAQUES ENTRE OS RECADOS:
1. Renato Maurício Prado – O Porto cria uma história tragicômica sobre o personagem “Baga”, flamenguista fanático, tentando se matar com gasolina após a derrota. É um exagero teatral típico do humor carioca — e uma crítica à arrogância flamenguista.
2. Josef Berenstein – Matemático e estatístico do esporte, é ironizado por não prever a derrota do Flamengo, mostrando como até a lógica foi derrotada pelo imprevisível Botafogo.
3. Carlos Eduardo Dolabella – Criticado por seu pessimismo e por menosprezar o Botafogo, é lembrado de que até Nilton Santos, lenda viva, apareceu para abençoar o título.
6. Francis Hime – O compositor é citado por ter feito uma música ao Botafogo. Porto ironiza dizendo que agora ele precisa fazer outra, já que o time voltou a vencer.
10. Zico – A última mensagem é a mais respeitosa, mas não sem ironia. Ele reconhece o talento de Zico, mas deixa claro que nem ele foi capaz de salvar o Flamengo naquele dia. “Quem disse que o Botafogo era clube pequeno?”, pergunta.
🧠 INTERPRETAÇÃO CRÍTICA
A coluna é um documento precioso do jornalismo esportivo carioca, por vários motivos:
Híbrido entre crônica, sátira e homenagem, ela se vale de personagens reais e fictícios para dramatizar o contraste entre hegemonia e resistência;
Mistura de futebol com literatura, usando referências filosóficas, históricas e poéticas — típica da pena de Roberto Porto, influenciado por cronistas como Armando Nogueira;
O olhar do “vencido que vence”: Porto celebra o Botafogo como símbolo de luta, sofrimento e dignidade — um time que, mesmo desacreditado, subverteu a lógica (e os favoritos).
GOL de PLACA — Roberto Porto
Dez recados
1. Renato Maurício Prado
Você pode até não acreditar, Renato, mas fiquei entristecido com a notícia da tentativa de suicídio do escarecido torcedor rubro-negro Baga (tomou um litro de gasolina na madrugada da última quinta-feira). O guardador de automóveis não se refazia do desamparo após a derrota do imbatível escrete rubro-negro, integrado por jogadores como Zico, Bebeto, Jorginho, Leonardo, Zé Carlos e Zinho, para um destes entes, responsáveis por tantas glórias do futebol brasileiro. De qualquer maneira, analisando os últimos fatos, até que o gesto tresloucado de que se infundiu no pedestal da risibilidade os torcedores jornalísticos do Flamengo, o doce Baga jamais poderia admitir ser derrotado justamente pelo Botafogo numa final de campeonato. Sua rendição diante do rubro-negro, você sabe, sempre se caracterizou pelo equilíbrio e humildade, desde os tempos de Berico, o quase-finado Baga não poderia imaginar que o imbatível esquadrão da Gávea pudesse tombar de maneira tão humilhante diante do fragilizado Botafogo. Fico aqui torcendo para que ele supere o trauma e volte como personagem de sua coluna. Até porque, meu confrade, os grandes filósofos Evandro Carlos de Andrade e Luiz Gervásio não se sentiram frustrados. Eu, como você sinceramente, vou ficar chateado. Diria, até, que teria um desgosto profundo se o Baga largasse mão do mundo. Saudações alvinegras in abarco.
2. Josef Berenstein
Você pode até achar que é brincadeira, Josef, mas uma nova calculadora para aprimorar seu trabalho à frente do setor de aritmética do Clube de Regatas do Flamengo. Todo esse inusitado fracasso rubro-negro exige novos cálculos a respeito dos jogos entre o Flamengo, seleção brasileira transvestida de rubro-negro, e o juracissímio Botafogo. Pegue o número de vitórias do Flamengo em jogos decisivos com o Botafogo e o resultado não lhe dará o menor consolo nem alívio técnico. O campeonato já está acabado e o Flamengo nunca foi tão derrotado por Botafogo com única e escassa vez, e pelo contrário: perdeu justamente a decisão. Como estou convencido de que você é um sujeito que realmente entende de futebol e foi traído por uma armadilha eletrônica, decidi presenteá-lo. Saudações alvinegras e lembranças ao Jorge Henrique Arêas.
3. Carlos Eduardo Dolabella
Como vai o meu comentarista-esportivo preferido? Fiquei sabendo que você ficou aborrecido com a vitória do Flamengo e de pretas mais sincera e irrestrita solidariedade. Você, Dolabella, sempre esteve certo: o Botafogo só seria campeão se voltasse o Carlinhos Rocha e o Biriba ressuscitasse ou se o Garrincha reaparecesse no Maracanã. O seu azar (puro azar, um daquelas do que isso) foi que Nilton Santos veio de Brasília, a convite do JORNAL DOS SPORTS, ver a decisão. E velho, você sabe, sempre se emocionou e ficou comovido quando o Glorioso ameaçava chutar profissionalmente desde a decisão de 1948. E olha que o Botafogo jogava com uma camisa horrorosa. Você, como comentarista, não poderia contar com isso. Assim como o matemático Josef foi traído pela calculadora, seu problema foi a emoção do imortal Nilton Santos. Não fosse o pequeno detalhe e as abalizadas comentaristas previsíveis teriam acertado na mosca. E aí estaria duro campeonato, com o esquadrão rubro-negro seria campeão. O Botafogo, convenhamos, neste, é uma droga. Tudo indica que o campeonato foi ganho em circunstâncias tão curiosas, que em opossidismos futuros (como a tabela d’Álgebra ou da nova tabela de Newton) que se constatará a presença de evidências habituais, das papeletas-amarelas. Quem sabe se um suborninho aqui, um dinheirinho ali, uma conversinha ao pé do ouvido mais adiante não teria resolvido o assunto? Pelo que sei, o Botafogo, coitado, mandou um repórter (o Emil — sempre foi um sujeito durango-kid da vida) e uns trocados não deixariam de cair bem lá em Marechal Hermes. Quem sabe a rapaziada no almoceríamos um pouco? Como o Flamengo sempre fez? E suas gazetas de aula? Ele trançou sua omissão justamente nesta decisão. Se o Botafogo é o medo e besta? E um clube de gênero incorruptível? E um grupo de cabofriense, que teve a audácia de arrumar um ponto do Maracanã? Como não sou muito bom em matéria, fico por aqui. E continuo torcendo pelo seu crescimento. Afinal, toda vez que você está triste é no dia que o Botafogo foi campeão. Saudações alvinegras (em falta de ideia melhor) e um grande abraço também emocionadíssimo, como de habitual nesse caso.
4. George Helal
Como meu vice-presidente de clube preferido, gostaria de saber se está bem. Mas, creia, a derrota do Flamengo não tem a ver com injustiças: Maurício saiu de impedido, correu uma falta grosseira em Leonardo. O Botafogo, Helal, foi campeão de forma limpa. A crer nas más bocas de muitos e de algumas boas, a ficha caiu: a famosa tabela d’Álgebra ou a Nova Tábua de Newton, de novo, cometeu um erro grosseiro e a equipe foi campeã sem a devida ajuda de vetores matemáticos e dos próprios subornos. Que sabe se um suborninho...
5. Maurício Azêdo
Meu vereador preferido: como sempre acertei em decisões com o Flamengo, devo-lhe dizer que tremi de medo. Só isso.
6. Francis Hime
Como vai o grande compositor da música popular brasileira? Depois de quarta-feira, admito, ando precisando de uma saudade. O que você fará com aquela música encomendada ao Botafogo? Aquela que você se dizia encantado para os alvinegros usarem nos seus dias de glória? Estou no aguardo. E, se quiser, mando logo a gravação do gol do Botafogo, com narração do Boticário com o seu sucesso. Fiquei sinceramente chateado. O Botafogo, Francis, é um clube injusto. Nunca que a música de um compositor do seu talento poderia ser usada para louvar um time tão simplório. Saudações alvinegras, um lubrificante.
7. Celso Unibêri
Meu bom amigo e companheiro, como você está? Foi uma grande noite. Realmente o Botafogo venceu e isso me causa grande contentamento. Botafogo é futebol e é sangue. Cheguei a chorar. Meus filhos vieram ao meu encontro e a minha mulher, emocionada, me abraçou.
8. Fábio Grechi
Meu bom aluno de jornalismo: não caia nas besteiras do Renato Prado e não se meta mais a ver o Flamengo como um exemplo. Você é jovem e deve parar com a tecnologia. A sua paixão não tem para quê. E até uma questão de ternura com a torcida do Flamengo.
9. Eurico Miranda
Olá, meu diretor de futebol, tudo, tudo? Infelizmente, o Botafogo foi campeão invicto. Mas você ainda acha que eu não sou de lá? Saudações alvinegras.
10. Zico
Antes de mais nada, sem gozações, sempre respeitei você como grande jogador de futebol. Não fosse apenas pela liderança que sempre exerceu (espetacularmente concentrada pelo amigo Roberto Porto, então colunista da Revista da CBF), da qual sou o chefe de redação, vou admitir que você jogou bola. Não fosse sua dedicação ao Botafogo (unicamente vista por J.O. Batista e por você, para a TV-Rio). O Botafogo, Zico, não ganhou. Ganhou sim o time do Botafogo, com Paulinho Criciúma, Maurício, Didi, Garrinchinha, Nilton Santos e você, que se emocionou com a decisão. Quem disse que o Botafogo era clube pequeno? E daí? Saudações alvinegras.
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