NOS ACOMPANHE TAMBÉM :

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domingo, janeiro 31, 2021

Paulo Leminski

“Ai daqueles
ai daqueles 
que se amaram sem nenhuma briga 
aqueles que deixaram 
que a mágoa nova 
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram 
sem saber que amar é pão feito em casa 
e que a pedra só não voa 
porque não quer 
não porque não tem asa.”

- Paulo Leminski

quinta-feira, janeiro 28, 2021

sobre o Big Brother

Um texto que fiz para O Diário do Norte do Paraná, em 2002, sobre o primeiro Big Brother, é agora comentado no portal Educar Brasil. Não sabia que uma matéria teria o mesmo peso dez anos depois... 
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Quanto mais próximo da verdade, tudo mentira. Ratinho não precisa mais recrutar indivíduos em bairros pobres da Grande São Paulo para gravar cenas de falso flagrante em troca de cachê. Vivemos hoje o sucesso dos reality-shows, ou “a vida como ela é”. E não é.

Programas como Casa dos Artistas e Big Brother Brasil estão sendo analisados com atenção por psicólogos e cientistas sociais. Em recente palestra no auditório Hélio Moreira, a psicóloga clínica Ângela Maria Pires Caniato – junto com uma platéia de alunos da área – dissecou todo o conteúdo ideológico embutido nesses reality-shows.

Não foram tratados como meros programas de entretenimento, mas ferramentas que reforçam a manutenção das castas sociais, anulam a solidariedade sem deixar chances para a verdadeira realização do indivíduo: o direito à felicidade.

Para compreender o Big Brother e programas do gênero, é necessário entender como é a relação mídia-indivíduo. Hoje, a angústia do homem contemporâneo está justamente nessa incapacidade de discernimento diante da bateria de informações despejadas diariamente pela mídia. Esse excesso estrangula a capacidade de reflexão, de reação, do senso crítico.

O bombardeio de informação cria uma nova censura pois todas as questões apresentadas ficam no nível da superficialidade. Não há tempo hábil para raciocinar. Freud chamaria isso de regressão primitivas do pensar humano. “É o pensamento irracional tal como a tevê veicula. O excesso impede o raciocínio”, sintetiza Caniato.

SEM VALORES

Portanto, pode-se observar essa anulação do indivíduo proposta pelos reality-shows, considerados como fábricas de forjar a felicidade. Caniato entende os programas como uma distorção da busca do ser humano que tanto lutou pela vida plena, pela realização afetiva e sexual. Nos programas, esses valores são abandonados. Fatores íntimos como desejo e gozo são agora encenados, são farsas.

Ainda assim, o telespec-tador tem a ilusão de interação. Mas ele não possui contato com o outro lado, o mundo da tevê. A interação é abstrata, ilusória. “É um telespectador na sua solidão, na tentativa louca de buscar um companheiro que não conhece ele, personagens que estão representando ou aparentando espontaneidade, como é o caso do Big Brother”, analisa.

COMPETIÇÃO

Em outro programa semelhante, No Limite, também é explicitada a banalização do mundo competitivo da sociedade atual. Essa competi-tividade é apresentada pela mídia como se fosse algo inerente à natureza humana. Dá a idéia de que é normal viver em uma sociedade em que só haverá um vencedor, sem lugar para todos.

E quem será esse vencedor do Big Brother, o herói que vai sair do programa com 500 mil reais? Será, obviamente, aquele disposto a realizar todas as tarefas, o que for mais hábil em todas as áreas, sem limites humanos. Aqui o culto do herói seria também o culto do sofrimento. Mais uma vez a mídia quer mostrar que a exclusão é um processo natural, não um fenômeno de uma sociedade excludente. Valoriza-se a exclusão e não a inclusão.

Um dos fatores que levaria essas pessoas a se exporem diante de milhões de telespec-tadores é o desejo de mostrar algo que elas não tem. Caso contrário, não precisariam dos holofotes do SBT ou da Globo. Aspas para Caniato: “esse é o narcisismo patológico da atualidade. Se há ânsia de querer mostrar, é porque não tem. É o vazio que se transformou a vida das pessoas e a intimidade de cada um”.

“PAREDÃO”

Em suma, a sociedade quer todos em palco comum, escravos de padrões estéticos e ideológicos e não como indivíduos diferentes dos demais. Nesse ínterim, surge a figura do dedo-duro oficializado, representado pelo participante do programa com direito a escolher quem será o próximo adversário a ser julgado pelos telespectadores. É hora do “paredão”.

Ou seja, o dedo-duro entrega para a sociedade todo o processo de exclusão, mas que na verdade já foi feito anteriormente pelo grupo. É como se o dedo-duro denunciasse para a sociedade a “incompetência” do colega. Aqui ocorre mais uma banalização, desta vez, a cultura da exclusão. E ninguém tem vergonha de ser humilhado. Caso tivesse, reagiria.

Sob o ponto de vista afetivo, os reality-shows mostram o trágico do vazio. São homens e mulheres sem compromisso, sem vínculos afetivos. Ninguém se une. A solidariedade é uma falácia e todos passam a aceitar a idéia vendida pelo Big Brother.

Se mudar de canal, percebe-se que o SBT busca a audiência apelando para o sexo. A vulgaridade torna o programa quase um filme pornográfico, descaracterizando o vínculo homem - mulher do prazer amoroso, sensual. Não há espaço para o afago, a sensualidade e os rituais. A sexualidade, também banalizada, é agora algo trivial para ser mostrado publicamente.

Caniato, por fim, explica que vivemos numa sociedade que de fato estimula a competição para separar e depois dominar. Exige a conformação da infelicidade pelo indivíduo. Ele não pode mais se indignar, reagir, pensar. Resta o sofrimento na frente e atrás das câmeras.

SOLIDÃO

Fabio Vianna Ribeiro, professor do Departamento de Ciências Sociais da UEM e doutorando pela PUC (SP), analisa sociologicamente o fenômeno dos reality-shows mostrando que a tevê sempre buscou - desde os anos 50 - ter a aparência da realidade, apesar de tudo ser um “faz de conta”. É como um filme que imita a realidade com a diferença de que o herói nunca morre.

Nos reality-shows, mistura-se a grande farsa com altas doses de cinismo. É um jogo. Perverso. Ribeiro vê a Casa dos Artistas como uma oportunidade para os participantes alavancarem suas carreiras. No Big Brother a crueldade é mais explícita: é tudo ou nada. É melhor enfrentar a humilhação de ser julgado nacionalmente na frente de milhares de telespectadores do que ser apenas um anônimo, um cidadão comum.

Ribeiro faz uma análise da geração que cresceu nos últimos 40 anos junto com a televisão. Chegou um momento em que as as pessoas não se aproximam mais. É o mundo da incomunicabilidade. Não é fácil a aproximação. Daí o sucesso desses programas, um arremedo do que seria a vida real: ter amigos. As salas de bate-papo da internet são uma prova disso.

O sociólogo, porém, não acredita que meios de comunicação de massa tenham o poder de controlar totalmente a vida das pessoas. “Há espaço de negociação entre as pessoas e os meios de comunicação’’, atenua. Mas de todos os ângulos,

a televisão encontrou o meio de enganar mostrando a verdade. Até nos telejornais. Basta tremer a câmera para dar o impacto necessário do flagrante jornalístico. Ou criar “mise-en-scène” em reportagens tratadas como documentais. Se quiser mostrar a verdade, invente uma linguagem. E junto com a linguagem, as pessoas. Já não há mais tempo para pensar. (Marcelo Bulgarelli O Diário - 2002)

segunda-feira, janeiro 25, 2021

Eduardo Galeano

22 de Janeiro - A mudança de um reino

Neste dia de janeiro de 1808, chegaram à costa do Brasil, sem pão e sem água, os extenuados navios que dois meses antes haviam partido de Lisboa. Napoleão pisoteava o mapa da Europa, e já estava atravessando a fronteira de Portugal quando se desatou a correria: a corte portuguesa, obrigada a mudar de domicílio, marchava rumo ao trópico.
A rainha Maria encabeçou a mudança. E atrás dela foram o príncipe e os duques, condes, viscondes, marqueses e barões, com as perucas e as roupas faustosas que mais tarde foram herdadas pelo carnaval do Rio de Janeiro. E atrás, amontoados no desespero, vinham sacerdotes e chefes militares, cortesãs, costureiras, médicos, juízes, tabeliães, barbeiros, escrivães,  sapateiros, jardineiros...
A rainha Maria não andava lá muito boa da cabeça, para não dizer que estava louca de pedra, mas foi ela que pronunciou a única frase lúcida que se ouviu no meio daquele manicômio:
– Não corram tanto, que vai parecer que estamos fugindo!

Eduardo Galeano  - Os Filhos dos Dias

Eduardo Galeano

25 de Janeiro  - O direito à picardia

O povo da Nicarágua celebra o Güegüence, e ri junto com ele. Nesses dias, dias da sua festa, as ruas se transformam em palcos onde esse pícaro conta, canta e dança, e por sua obra e graça todos se transformam em
contadores, cantadores e bailadores. O Güegüence é o pai do teatro de rua na América Latina.
Desde o princípio dos tempos coloniais, ele vem ensinando as artes de mestre enrolador:
– Quando você não conseguir ganhar, empate. E quando não conseguir empatar, enrole.
E desde aquele então, de século em século, o Güegüence não parou de se fazer de bobo, inventador de palavras que não significam nada, mestre de diabruras que o próprio Diabo inveja, desumilhador de humilhados, brincalhão, brincante, brincadeiro.

Eduardo Galeano  - Os Filhos dos Dias

quinta-feira, janeiro 21, 2021

Filmes favoritos

 Comédia - Amarcord - Federico Fellini (1973)


Drama - a fraternidade é vermelha -Krzysztof Kieślowski (1994)


Terror - Violência Gratuita -Michael Haneke - (1997)


Suspense - A Janela Indiscreta - Alfred Hitchcock (1954)


Romance - Desencanto -  David Lean (1945)


Musical - Godspell - A Esperança (1973)


Guerra - Apocalypse Now - Francis Ford Coppola  (1979)


Documentário - Edifício Master -Eduardo Coutinho (2002)

 

Animação - A Viagem de Chihiro -Hayao Miyazaki (2003)


Aventura -  King Kong - Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack - (1933)


Ficção Científica -A Laranja Mecânica - Stanley Kubrick - (1972)


Western  -Era uma Vez no Oeste -Sergio Leone (1968)


Policial - O Poderoso Chefão - Francis Ford Coppola (1972)

segunda-feira, janeiro 18, 2021

Ecos from SUSPIRIA (1977) dir. Dario Argento

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SUSPIRIA (1977) dir. Dario Argento

pena de morte

12 OUTUBRO 2006

Pena de morte
F. Ponce de León

Nesta sala, onde a pena de morte vive,
ouço as batidas compassadas do teu coração
pulsante e inocente.

Vejo a espuma branca e espessa
que escorre pelo canto da tua boca retorcida.
E penso nas brincadeiras de quando éramos crianças...

Usando saliva para fazer bolinhos
de terra ou limpar os joelhos ralados.
(Será que ainda pensas nisso?)

E nos dias de bicicleta na chuva.
De ruas escorregadias e janelas fechadas.
Dias compridos e agora tão distantes.

Tudo isso (e muito mais)
deve zunir e borbulhar em tua cabeça.

Enquanto teus olhos cinzentos
arregalam-se em derradeira despedida
dessas paredes mofadas.

Paredes que testemunharão
o fim dos teus sonhos,
depois que te assarem o cérebro.

De um jeito bem parecido
ao que nos acostumamos a fazer com os ovos.

sexta-feira, janeiro 15, 2021

Museo Marítimo y del Presidio de Ushuaia

 Museo Marítimo y del Presidio de Ushuaia (Ushuaia, Tierra del Fuego) . Ali ficaram os mais perigosos criminosos argentinos.   Hoje tá liberado pra visitas.  Vale a pena. 





A Arte de Stefan Koidl

 O ilustrador austriaco Stefan Koidl ]mergulha nas profundezas do medo através de figuras e situações que parecem ter saído de um pesadelo.












Um navio em Petrópolis

 Você sabia que na década de 1940 foi construído o “Navio do Bingen”? O local ficava na altura da Werner, em frente à Rua Afrânio Peixoto, no bairro Bingen, em Petrópolis RJ.


De acordo com o jornal Bauernzeitung, o navio foi construído pelo senhor Vasco Lima, que morava nas redondezas. Durante muitos anos abrigou um armazém (COMAP) e mais tarde se transformou em uma casa de shows.

Segundo informações do blog Petrópolis no século XX, do professor de história Oazinguito Ferreira, “muitos alegam que a mesma possui origens na concessão de um oficial de marinha que para seu prazer e de sua amada, outros contam que o navio foi construído para ser uma boate cuja presença no cenário petropolitano foi mitológica para os jovens dos anos 50. Nesta boate se reuniam muitos cariocas, com lendas como a da presença constante de ‘Luz del Fuego’ ou Doris Vivaqua, bailarina, naturista e feminista, que segundo contam frequentava o local. Ela possuía uma ilha que foi sensação, a ilha do Sol, onde praticava o nudismo. Luz del Fuego faleceu em 1967. A boate foi derrubada, pois muitos acusavam que sua presença prejudicava a vazão do rio durante o período de chuvas intensas sobre a cidade, outros justificavam que esta fora construída sem autorização da marinha (depoimentos de moradores)."

Crédito: reprodução jornal Bauernzeitung / boletim da Colônia Alemã de Petrópolis, edição 19 - abril de 1998



Galeano

12 de Janeiro - A urgência de chegar

Nesta manhã do ano de 2007, um violinista deu um concerto numa estação de metrô da cidade de Washington.
Apoiado na parede, perto de um cesto de lixo, o músico, que mais parecia um rapaz do bairro, tocou obras de Schubert e outros clássicos, durante três quartos de hora.
Mil e cem pessoas passaram sem deter seu passo apressado. Sete pararam durante pouco mais que um instante. Ninguém aplaudiu. Houve umas crianças que quiseram ficar, mas foram arrastadas pela mãe.
Ninguém sabia que ele era Joshua Bell, um dos virtuosos mais cotados e admirados do mundo.
O jornal The Washington Post havia organizado aquele concerto. Foi sua maneira de perguntar:
– Você tem tempo para a beleza?

Eduardo Galeano - Os Filhos dos Dias

Maiakovski

NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

Eduardo Alves da Costa , Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século', organizado por José Nêumanne Pinto, pag. 218.

quinta-feira, janeiro 14, 2021

máscaras

seja a igreja

da revista O Cruzeiro

No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.

joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.

No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.

Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.

Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.

O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.

Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.

Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.

Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.

Prosseguiu a luta.

Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.

joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.

Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.

Respirou descompassado.

— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.

joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.

— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.

O coração parava.

— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.

A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.

— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?

Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.

Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.

Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.

Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.

Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.

O corpo era um monte de rugas sorridentes.

Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:

— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.

O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:

— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.

O chefe não compreendeu:

— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?

A emoção impediu qualquer resposta.

joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.

João transformou-se num arquivo de metal.

-
Victor Giudice, "O Arquivo" (1972, revista O Cruzeiro)

segunda-feira, janeiro 11, 2021

Recados da sabedoria








 

Alexandre Beck - Armandinho e a Utopia










 

O Cão Frentista

 Na mesma época em que o Brasil assinava o atestado de azar, ao ser goleado por 7 x 1 pela Alemanha na Copa de 2014, a sorte invadia a vida de Fred, um cão sem raça definida que chegou com muita sede e quase desmaiado de fome a um posto de combustíveis no Pari, capital paulista, onde foi acolhido. Pouco tempo após sua chegada, foi atropelado dentro do posto, levado ao veterinário e cuidado por funcionários. Depois disso, Fred virou prata da casa e, pela excelência no atendimento ao cliente, efetivado como frentista com direito a crachá. Cada vez que chega um carro para abastecer, ele dá as boas-vindas. Brinca, pula, se entrega aos carinhos e posa para fotos sempre que solicitado. 

Fonte:  folha.com/bompracachorro (@bompracachorroblog)



terça-feira, janeiro 05, 2021

RIP Barbara Shelley

A atriz Barbara Shelley, conhecida por participar do filme Drácula: Príncipe das Trevas (1966) ao lado de Christopher Lee, morreu aos 88 anos, vítima de Covid-19, nesta segunda, 4, segundo informações do The Hollywood Reporter reproduzidas pelo Uol

A morte foi confirmada pelo agente de BarbaraThomas Bowington, que também revelou que a atriz estava internada e enfrentava complicações do coronavírus. 


Nascida em 1932, em Londres, Barbara Shelley atuava como modelo antes de se tornar atriz, segundo a BBC News. Nos anos 1950 e 1960, Barbara ficou conhecida como “Rainha da Hammer” por estrelar diversas obras da Hammer Film Productions. 

Especialista em filmes de terror, Barbara também conquistou o título de “Rainha do Grito” ao participar dos filmes A Górgona(1962), Rasputin: O Monge Louco (1964) e Uma Sepultura na Eternidade (1967) - todos da produtora Hammer. 












 

"Diva" -Artista Juliana Notar

Via Folha Ilustrada: " Espanto com escultura de vagina gigante tem 50 tons de misoginia.

Artista Juliana Notari sofreu ataques que mostram o quanto estamos dispostos a permanecer falocratas."