Let the Right One In (2008) – Um conto de horror e ternura na neve
Direção: Tomas Alfredson
Roteiro: John Ajvide Lindqvist (baseado em seu próprio romance)
Elenco: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar
País: Suécia
Gênero: Terror / Drama / Coming-of-age
Duração: 114 min
Título brasileiro: Deixe Ela Entrar
📖 Sinopse
Oskar, um garoto de 12 anos, solitário e vítima constante de bullying, vive em um conjunto habitacional nos arredores de Estocolmo. Sua vida muda quando conhece Eli, uma estranha garota que se muda para o apartamento ao lado. Aos poucos, Oskar descobre que Eli é, na verdade, uma vampira. Apesar disso, uma amizade — e talvez algo mais — floresce entre eles, desafiando as noções convencionais de inocência, violência e dependência.
🔍 Análise crítica
1. O vampirismo como metáfora do abandono e da solidão
Muito além dos clichês do gênero, Let the Right One In usa o vampiro como símbolo da marginalidade, da exclusão e da sobrevivência emocional. Oskar é um garoto deslocado, negligenciado pelos pais, e sua amizade com Eli nasce dessa solidão compartilhada. Não se trata apenas de uma história de terror — mas de uma história de dois seres quebrados que se reconhecem no outro.
2. Ambiguidade moral e emocional
Eli, apesar de parecer frágil e angelical, é uma criatura predadora. Sua relação com Oskar é ao mesmo tempo terna e inquietante: ela o protege e acolhe, mas há indícios de uma relação de manipulação, como aquela que tinha com seu cuidador anterior. O espectador é desafiado a sentir empatia por personagens que vivem no limiar entre amor e violência.
3. Estética do frio e do silêncio
A direção de Alfredson é minimalista, silenciosa, meticulosa. A neve que cobre tudo, os ambientes gélidos e silenciosos e a câmera estática evocam um clima de suspensão — como se o tempo estivesse congelado, reforçando a ideia de Eli como uma figura anacrônica, presa no corpo de uma criança. O horror é muitas vezes implícito, pontuado por momentos breves e impactantes de violência.
4. Quebra dos códigos clássicos do terror
Ao contrário dos filmes de vampiro convencionais, Alfredson humaniza o monstro e monstruifica o humano. Os agressores de Oskar, por exemplo, são crianças “normais”, enquanto a figura sobrenatural oferece acolhimento. O horror aqui não vem só do sangue, mas da crueldade cotidiana, da negligência familiar, do vazio existencial.
5. Poética do grotesco
A presença de horror corporal — como a combustão espontânea de um personagem ao entrar na luz do sol ou a maneira como Eli se alimenta — não é gratuita. Ela é tratada com lirismo, quase como se fosse parte de um balé trágico. A dor e o afeto coexistem em uma simbiose quase impossível.
🎯 Temas centrais
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Solidão e exclusão social
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Puberdade, descoberta da sexualidade e identidade
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Amor não convencional
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Ciclos de violência
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A infância como território de horror
📚 Curiosidades
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O título vem de uma canção de Morrissey, “Let the Right One Slip In”, mas também alude à tradição do folclore vampírico de que o vampiro só pode entrar em uma casa se for convidado.
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O filme ganhou diversos prêmios internacionais e é amplamente considerado um dos melhores filmes de vampiro já feitos.
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Em 2010, foi feita uma refilmagem americana (Let Me In, dirigida por Matt Reeves), competente, mas sem a mesma sutileza e lirismo do original sueco.
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A atriz Lina Leandersson teve sua voz dublada por outra atriz, para dar a Eli uma sonoridade mais andrógina e ambígua.
🩶 Conclusão
Let the Right One In é uma joia rara do cinema de horror contemporâneo: delicado, perturbador, existencial e poético. Ao mesmo tempo um coming-of-age, um conto de fadas sombrio e uma reflexão sobre o afeto em tempos de indiferença, o filme de Tomas Alfredson se destaca por fazer o horror emergir não de monstros externos, mas das zonas obscuras da experiência humana. Uma obra-prima que ressignifica o terror com lirismo escandinavo e brutal honestidade emocional.
Se eu não fosse uma garota… você gostaria de mim mesmo assim?





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