NOS ACOMPANHE TAMBÉM :

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A tragédia do Joelma - Arquivo do Bar do Bulga

Me lembro bem das imagens na TV. A famosa escada Magirus, usada pelo Corpo de Bombeiros de São Paulo, passou a fazer parte do vocabulário da turminha da rua. Todos ficaram experts em combate a incêndios. Na verdade foram duas tragédias. A primeira ocorreu meses antes no Edificio Andraus. Depois veio a do Joelma que acabou inspirando o filme norte americano Inferno na Torre. Também lembro de um outro fato trágico naquele periodo. Um prédio em Petrópolis, o Edificio Esperanto, tambem foi tomado pelas chamas em 14 de agosto de 1973. A causa teria sido um incendio que teve inicio numa loja de tintas localizada no térreo. "Os bombeiros de Petrópolis não tinham escada Magirus", eu repetia - no dia seguinte -  para os meu colegas de rua . Foi necessária a ajuda do Rio de Janeiro e da cidade de Caxias. Eu estava no apartamento da minha vó Noêmia. Ela e minha irmã Angela me levaram para o meio da multidão de curiosos. Teve vitimas fatais.
Revista Manchete - fevereiro de 1974 - Edificio Joelma, São Paulo
Posted by Picasa



Do arquivo do Bar do Bulga, descobrimos esse texto:
Um dia triste O dia mais triste do início da carreira do jornalista Aureliano Biancarelli foi uma sexta-feira, dia 1º de fevereiro de 1974. “Lembro que, apesar do estarmos no verão, a manhã estava encoberta, meio chuvosa, cinzenta e triste. E ficaria muito mais triste nas horas que se seguiriam”, começa a contar.
“Me recordo que estava saindo do banho, depois do café da manhã, quando o barulho das sirenes me chamou a atenção. Eu morava com colegas no sétimo andar de um prédio da Rua Dona Antonia de Queiroz, bem perto da Consolação. Sirene ali era um ruído cotidiano, mas naquele dia o barulho era tanto que alguma coisa muito grave deveria estar acontecendo.”
Já passava das 9h, e a Consolação começava a parar, tomada por carros da polícia, bombeiros e ambulâncias. Ele desceu a rua a pé, seguindo os helicópteros. Pelo caminho, as pessoas falavam de um grande incêndio no Joelma, um edifício até então desconhecido.
Conseguiu se aproximar descendo a escadaria que liga a Avenida Xavier de Toledo ao Vale do Anhangabaú, onde hoje fica a entrada do metrô. Passou pelos cordões de policiais, que impediam a aproximação das pessoas, até ter a primeira visão do prédio: “Mesmo ainda da escadaria, foi aterradora. O fogo já consumia a maior parte dos 25 andares, e dezenas de pessoas se amontoavam no telhado. Foi então que vi a primeira pessoa se jogar, cena que se repetiria seguidamente, a cada vez que o vento deslocava as grandes labaredas de um lado para o outro do prédio”, afirma.
A contagem feita dias depois vaticinou: dos 188 mortos, 18 tinham se jogado do edifício.
“Eu tinha acompanhado o incêndio do Andraus, dois anos antes. As pessoas correram para o teto, que permitia o pouso de helicóptero, e foram salvas. Dessa vez, as pessoas se lembraram daquelas notícias, mas lá em cima encontraram uma armadilha. O telhado era de madeira e as telhas de amianto. Para respirar, retiravam as telhas e ficavam sobre o madeiramento, arrancando as roupas e cobrindo os rostos para evitar a fumaça.”
E continua: “Em torno do prédio que queimava, milhares de pessoas se apertavam na passarela da Praça das Bandeiras e no Viaduto do Chá, chorando e esticando faixas, pedindo calma. Por volta do meio-dia, subi no teto de um prédio onde havia uma dessas lunetas usadas por turistas para observar a cidade. Foi a cena mais chocante: as pessoas estavam ali, ao alcance da minha mão, se contorcendo, se abraçando, morrendo, algumas já caídas, sem roupa. Um helicóptero tentava se aproximar, mas eram tantas as mãos tentando agarrá-lo que ele era obrigado a se afastar. Apenas jogava toalhas molhadas”.
Biancarelli conta que depois um sargento conseguiu se jogar de uma altura de quatro metros, de um helicóptero sobre o telhado, quebrando as telhas de amianto e o tornozelo. Augusto Carlos Cassaniga era o nome desse sargento, que fixou uma corda no telhado e lançou-a até o prédio vizinho, por onde atravessaria o capitão Hélio Caldas, que já tinha sido herói no Andraus.
“O capitão Caldas contou 64 corpos no telhado. Foi a último a sair. Ele diz que, ao tirar o uniforme em casa, encontrou vários bilhetes enfiados em seus bolsos. Eram rabiscos de pessoas se despedindo das famílias. Ele disse que não teve coragem de ler o que estava escrito.”
 “Foi certamente a edição mais sofrida e conturbada que já vivi. Eu tinha 23 anos na época e estava havia um ano na redação de ‘Veja’. Como era sexta-feira, tínhamos que fechar a edição naquela mesma noite. As mesas da redação foram cobertas por centenas de fotos. Mino Carta comandava o trabalho. A cada retranca que íamos escrever, faltavam detalhes. Os repórteres estavam esgotados. A edição foi fechada ao longo do sábado, e o número exato de mortos só foi definido na semana seguinte”, completa.
Foi um dia triste. Muito triste. Foi uma tragédia. Que poderia ter sido evitada. (15/06/2002)
Quando você é o seu Super-Homem... Na época em que eu andava de moto, meu tio - que também era motoqueiro - sempre dizia: "Quando você achar que está pilotando muito, deixe sua moto na garagem por uma semana, se não, você vai tomar um tombo daqueles". O que ele queria dizer é que o excesso de confiança tem conseqüências gravíssimas.
Analisando essa linha de raciocínio, chego à conclusão de que ele tem razão. Acidentes sempre ocorrem quando a gente acha que "isso acontece com os outros, não comigo!". Não preciso dizer que é adotando esse tipo de pensamento que mulheres ficam grávidas contra a vontade, pessoas adquirem doenças sexualmente transmissíveis ou sofrem acidentes automobilísticos.
Esse "excesso de confiança" estende-se para decisões tomadas por pessoas responsáveis por várias outras, como um governante ou um empresário. Talvez esta atitude inconseqüente tenha matado 188 pessoas e ferido 345 em um dos maiores incêndios que a cidade de São Paulo já viu, há 25 anos, no edifício Joelma.
Era 24 de fevereiro de 1974 e faltava um mês para a instalação de uma escada de incêndio no edifício, que não possuía saídas de emergência. Por volta das 09h, um suposto curto-circuito no sistema de ar condicionado iniciou o fogo.
Muita gente não teve como escapar. Talvez se a escada estivesse lá, como deveria estar, os números não tivessem sido tão alarmantes e nem a situação tivesse chegado ao ponto de as pessoas se atirarem das janelas. Mas no projeto do edifício, os responsáveis devem ter pensado. "Incêndio? Imagine, isso não vai acontecer com o meu prédio!" (05/03/2001)
Coragem sob fogo "How can I help you?" Foi com essa pergunta e um enorme sorriso que Lu Carvalho, 73 anos, me recebeu na sala de sua casa, no alto de Pinheiros, se desculpando pelo atraso em me atender. "Estava acabando de almoçar", disse com seu delicioso sotaque piauiense.
Reparei na prateleira cheia de porta-retratos com recordações de viagens, amigos e artistas como Roberto Carlos e Regina Duarte. "Essa do Roberto foi tirada durante um show beneficente que ele fez na creche onde trabalho. Esta outra tirei quando fui a Paris. Já viajei muito, visitei a Bélgica, Alemanha, Inglaterra. Estava na França durante a Copa de 98."
Lu estava maquiada e arrumada. Depois da entrevista, ia visitar sua irmã, que fica em uma casa de repouso perto dali. "Tenho uma vida bastante agitada. Além da creche, sou tesoureira do meu grupo de oração e trabalho no departamento de documentação do Colégio Santa Cruz, que providencia documentos para pessoas carentes." Lu faz natação e hidroginástica duas vezes por semana e caminha sempre que pode. Está participando de cursos de culinária francesa e italiana. Nos finais de semana, normalmente vai para casas de amigos no Guarujá, em Campos do Jordão ou no Rio de Janeiro. É ocupando seu tempo com essas atividades e tendo "muita fé em Jesus" que Lu preenche o vazio deixado pelas tragédias que pontuaram sua vida. Perdeu o pai aos 7 anos e a mãe aos 17. Seu casamento fracassou. Mas as passagens que deixaram marcas mais profundas foram sua presença no incêndio do Edifício Andraus, em 1972, e a morte do único filho, em 1987.
"No dia 23 de fevereiro de 72, eu estava de férias da Petrobras - cujo escritório era no Edifício Andraus (Rua Pedro Américo, 32, próximo à Praça da República) - e meu chefe me chamou para taquigrafar laudos, já que a pessoa que estava me substituindo não sabia realizar esse tipo de trabalho." Lu ficou na empresa até tarde naquele dia, mas não conseguiu terminar a tarefa.
No dia seguinte, estava novamente em seu escritório no 12º andar quando um colega entrou esbaforido e gritou que o prédio estava pegando fogo. Ela se lançou ao corredor e, pela janela de outra sala, pôde ver os rolos de fumaça refletidos no edifício vizinho.
"Ia entrar no elevador quando alguém me puxou dizendo que não poderia embarcar. Por meio de alto-falantes, os bombeiros davam ordens para a gente ir para o heliponto, no 29º andar. Encontrei uma colega e um engenheiro alemão e tentamos subir. Quando atingimos o 15º, umas pessoas estavam descendo aflitas, dizendo que o heliponto havia sido interditado, pois o piche do chão estava derretendo, tamanho era o calor."
Lu e os dois colegas voltaram para o 12o, esperando por um milagre. "Estava passando mal com a fumaça e o engenheiro tirou minha blusa, molhou com a água que os bombeiros jogavam e que entrava pela janela e colocou a blusa no meu rosto para eu conseguir respirar." No desespero, muitas pessoas tentavam pular para o terraço de um dos edifícios vizinhos, que era mais baixo do que aquele andar do Andraus, mas acabavam estateladas na calçada. Lu chegou a considerar a possibilidade de fazer o mesmo, mas foi desencorajada por seus colegas.
"Parecia uma guerra. O fogo, as explosões dos botijões das copas. Cheguei a pensar que morrer arrebentada seria melhor do que morrer queimada. Mas me lembrava de meu filho, que tinha só 3 anos, e pedia a Deus que me deixasse viver para que eu pudesse cuidar dele. Então, eu, minha colega e o engenheiro começamos a rezar o Pai-Nosso", conta Lu, que àquelas alturas tinha uma hemorragia, estava com a clavícula quebrada e com queimaduras pelo corpo causadas ao encostar nas paredes quentes.
Finalmente a escada Magirus chegou àquele andar. "Já estava muito fraca e, cada vez que tentava pegar a escada, alguém mais forte me empurrava e se salvava. Naquele momento era cada um por si." Amparada pelo engenheiro, conseguiu ser resgatada e foi para o Hospital das Clínicas. O terror não acabava ali. Lu carregou os traumas durante alguns meses. Passou a ter pavor de fogo, sirenes e tudo o que a lembrasse daquele dia. Ficou três meses em sonoterapia em uma clínica e depois freqüentou os cultos da filosofia oriental Seicho-No-Ie, o que a ajudou a superar seus traumas.
Em 1987, com a vida refeita e separada do marido, Lu Carvalho vivia com o filho Wilton - com quem se dava muito bem - e uma empregada. Wilton acabara de sair do Colégio Santa Cruz e ingressara no curso de engenharia da Universidade Mauá. "Era um menino inteligente, dedicado. Praticava rugby, capoeira, surf. Era um líder entre seus amigos, todos gostavam dele. Eu fazia de tudo para dar a ele um padrão de vida bom", lembra Lu, com os olhos embotados em lágrimas.
Numa madrugada daquele ano, Wilton voltava de uma festa no carro de um amigo. Garoava e o carro derrapou no cimento úmido, batendo no muro de um viaduto. Com a força da pancada, Wilton foi atirado para fora do carro, bateu a cabeça na calçada e morreu. "Na manhã seguinte, quando acordei e não o vi em casa, achei que tinha ido dormir na casa de um amigo. Ligaram para mim dizendo apenas que ele tinha sofrido um acidente. Quando cheguei ao hospital e soube a verdade, desmaiei."
Alguns dias depois, Lu foi levada a um grupo de oração e afirma ter visto Jesus com as mãos impostas sobre os ombros de Wilton dizendo "aqui está seu filho". A certeza de que ele ainda está vivo em outro lugar deu-lhe forças para continuar lutando. Até hoje, os amigos de Wilton reúnem-se de vez em quando na casa de Lu para jantar. O prato preferido da moçada é a lasanha que ela prepara. "Deus me poupou do sofrimento de ter um filho preso em uma cadeira de rodas, por exemplo, mas não me poupou da saudade. Hoje, eu vivo de fé."
O dia em que o Centro parou
No dia 1º fevereiro de 1974, a Câmara Municipal de São Paulo retomava suas atividades depois do recesso de fim de ano. Orlando Augusto Pinto, que então estava completando quatro meses trabalhando lá, conta que “os militares queriam ver a política parada o máximo que pudessem. Por isso os recessos eram grandes".
Naquele dia, ouvindo rádio antes de ir para o trabalho, soube que havia um incêndio no Centro da cidade. “Mas não prestei atenção, não sabia direito onde era. E o Joelma é vizinho da Câmara.” Ele morava na Avenida Rangel Pestana, no Centro, e ia a pé para o trabalho. “À medida em que me aproximava do local, a confusão aumentava nas ruas e nas calçadas.”
O incêndio havia começado às 8h30, no 12º andar, por causa de um curto-circuito no sistema de ar-condicionado. Por volta das 11h, horário em que Orlando começava seu expediente, o trânsito estava caótico e os bombeiros haviam interditado a entrada da Câmara, pois o heliponto do prédio estava sendo utilizado como pronto-socorro improvisado para as pessoas resgatadas pelos helicópteros. De lá, elas eram levadas pelos elevadores até o subsolo onde se encontravam as ambulâncias.
“No meio da confusão encontrei com a minha chefe. Era uma senhora tão caxias que gostava que todo mundo chegasse mais cedo.” Orlando conta que mesmo em meio ao caos ela parecia ignorar a gravidade da situação e queria entrar no edifício para trabalhar. “Como o prédio estava interditado, ela teve que se conformar e ir para casa.” Ele diz ainda que o zelador da Câmara teve o bom senso de mandar abrir todas as janelas do edifício. “Se ele não tivesse feito isso, os vidros teriam estourado com a pressão do ar.”
Ao contrário da multidão que se aglomerava em frente ao Joelma e nas imediações, Orlando não quis ficar para assistir ao desfecho do desastre. “Tem gente que gosta de ficar vendo esse tipo de coisa. Eu não gosto. Fui para casa.”
A Câmara ficou fechada por mais uma semana. “Houve uma paranóia com segurança na época, por causa do Joelma e do Andraus, que havia pegado fogo dois anos antes. Na própria Câmara, foi promovida uma semana de prevenção a incêndios, com palestras sobre o que fazer caso aconteça um acidente assim”, recorda.
Hoje, Orlando continua trabalhando na Câmara. É assessor técnico administrativo da comissão de educação, cultura e esporte. Vai de carro trabalhar e deixa-o no Joelma (hoje Edifício Praça da Bandeira), onde há estacionamento nos primeiros andares. “Com o passar do tempo, parece que os cuidados a serem tomados para se evitar incêndios foram sendo esquecidos. Quantos prédios existem por aí sem as mínimas condições de segurança?” Ele cita a própria Câmara como exemplo do descaso. “Se você for ao 13º andar vai ver um emaranhado de fios expostos”, diz, referindo-se aos fios que saem pelo vão das lajes de gesso que caíram. “Aqui é o local onde as leis da cidade são feitas, deveria ser o primeiro local a respeitá-las."
"Não somos heróis" No dia 24 de fevereiro de 1972, Edson Faroro, então bombeiro do Batalhão da Praça Clóvis (Centro), foi designado para ir até o Banespa para trocar a lâmpada vígia (a luz vermelha que os prédios têm no topo como sinalização para aeronaves). “Como os bombeiros estão familiarizados com altura, eles são muitas vezes requisitado para esse tipo de serviço”, conta.
De lá de cima ele avistou um foco de incêndio. Avisou o batalhão pelo rádio e foi para o local. Era o Andraus - conhecido também como “prédio da Pirani” por ser ocupado em boa parte pela loja de departamentos Casas Pirani - que pegava fogo. O acidente começou supostamente com um foco nos cartazes publicitários da loja.
“Por causa do vento forte houve uma propagação muito rápida”, diz, explicando que com a pressão do ar quente, os vidros se quebram e o fogo passa para o andar superior, normalmente pelas cortinas. É o que os bombeiros chamam de “propagação vertical”.
Chegaram os reforços requisitados por ele, que logo entrou no prédio. Com a mangueira em forma de chuveiro, formava uma cortina d’água para resfriar as escadas e liberá-las. Enquanto isso, outros bombeiros combatiam o fogo jogando água por fora e os helicópteros resgatavam as pessoas que estavam no heliponto. “Tivemos o apoio da aeronáutica e de particulares, que ajudaram enviando helicópteros”, relata Faroro. A operação exigiu o esforço de quase todos os bombeiros da cidade e alguns de Santo André.
Durante o salvamento, o bombeiro entrou e saiu do prédio diversas vezes. “Vi coisas horríveis. Uma mulher foi tentar pular para o terraço do prédio vizinho – que era mais baixo que o andar onde ela estava – imitando algumas pessoas que pularam antes dela e alcançaram o local. Mas ela bateu no parapeito do prédio e caiu. Um outro homem tentou descer pelo cabo do pára-raios, que era embutido e não chegava até o chão. Ele também caiu.”
No final do dia, Faroro estava com as orelhas cheias de bolhas e as pontas dos dedos queimadas, ferimentos causados pelo calor. Dezesseis pessoas morreram, uma, vítima de problemas no coração, sete queimadas e oito que caíram ou se lançaram de cima do Edifício. “Mas ninguém morreu nos elevadores, como foi relatado na época. Eu mesmo fui verificá-los e os desliguei.”
Depois do incidente, os bombeiros exigiram melhorias nos equipamentos. Alguns novos materiais foram comprados, mas não era o suficiente para atender à demanda de um incêndio como o do Andraus. Em 1o de fevereiro de 1974, ou seja, dois anos mais tarde, outro incidente aconteceria, com conseqüências muito mais graves.
O Edifício Joelma, localizado próximo à Câmara Municipal, teve uma suposta sobrecarga elétrica no sistema de ar-condicionado, o que causou um curto-circuito que teria sido a causa do incêndio. O problema da propagação vertical foi ainda maior porque a fachada do edifício era toda envidraçada. “Havia muitos botijões de gás nas copas das empresas, que explodiam e lançavam blocos de paredes para baixo”, diz Faroro.
Os 80 metros do prédio dificultavam o resgate das pessoas dos andares mais altos, pois a escada Magirus (escada de resgate dos bombeiros) só alcançava 44 metros. “Algumas pessoas que estavam mais próximas dos andares onde a escada chegava se jogavam na tentativa de agarrá-las. Algumas conseguiram, outras caíram. Até hoje ouço o som retumbante das pessoas se chocando contra a laje dos primeiros andares.”
Muita gente lembrou-se que no caso do Andraus a salvação de vários sobreviventes veio com os helicópteros. Ao invés de descer, elas subiram para o terraço. Mas no topo, o Joelma era coberto por uma telha de amianto, o que tornava a descida dos helicópteros impossível e ainda aumentava o calor. Faroro conta que o comandante da operação Hélio Caldas passou de um prédio vizinho para a laje do Joelma por uma corda. “Ele disse que conversava com as pessoas, tentando dar o apoio necessário. Quando uma pessoa parecia sob controle – até alargava o colarinho ou acendia um cigarro - o comandante ia socorrer outra. De repente, o primeiro se jogava.” Sessenta pessoas (“eu mesmo contei”) acabaram literalmente cozidas embaixo das telhas.
 “O calor era tanto no interior do prédio que o latão do registro do hidrante derreteu. Cheguei a encontrar pedaços de alumínio e vidro fundidos, sendo que o ponto de fusão do alumínio é 600o e o do vidro, um pouco mais alto.”
Apesar da tragédia, ele se recorda também de histórias bem sucedidas e até interessantes, como a de um homem que desceu pulando de um parapeito para o outro. Até que ele chegou a um andar onde uma mulher aguardava socorro. “Em uma demonstração de cavalheirismo, ele ficou com ela até os dois serem resgatados.”
O bombeiro atribui uma parcela do que aconteceu à falta de informação da época em casos como esses. “Sempre digo que quanto mais se corre do fogo, mais ele aumenta. Se alguém tivesse combatido os primeiros focos de incêndio, talvez o fogo não tivesse causado tantos estragos e perdas. Também vi gente pegando o elevador, coisa que é extremamente perigoso.” Ele diz que hoje em dia há mais conhecimento sobre o que fazer em caso de incêndio. “Nos próprios andares, há uma plaquinha ao lado do elevador dizendo ‘Em caso de incêndio não utilize o elevador’.”
Quanto às causas dos dois acidentes, ele afirma que é difícil saber quais foram com exatidão. “Em matéria de perícia de incêndios nós engatinhamos até hoje.”
Nos dois episódios, a opinião pública e a imprensa declararam os bombeiros como heróis. “Herói é quem faz algo para o que não foi treinado. Se uma pessoa salva outra sem ter recebido treinamento para aquilo, essa pessoa é um herói. Bombeiros não são heróis, são homens comuns que fazem um trabalho para o qual foram treinados”, finaliza Faroro, que hoje tem 54 anos, é coronel da reserva e tem uma consultoria em segurança de incêndio

Joelma folha de são paulo


São Paulo, sexta-feira, 1º de fevereiro de 1974  

  De novo, e muito pior

  Até 17h: 70 mortos  
 
Todo o drama que a cidade viveu no dia 24 de fevereiro de 1972, na tragedia do Edificio Andraus, repetiu-se hoje - em escala maior - no incêndio que destruiu o Edificio Joelma, de 26 andares, localizado no nº 225 da avenida Nove de Julho (Praça da Bandeira), cujos fundos dão para a rua Santo Antonio, 184, no centro da cidade.

Não fosse a maior gravidade da catástrofe - até as 17 horas tinham sido contados cerca de 70 cadaveres no Instituto Medico Legal e 83 feridos eram atendidos em postos de emergencia e hospitais diversos - ter-se-ia ontem um autentico video-tape da tragedia do Andraus: as grossas labaredas que irrompiam do enorme edificio, dezenas de pessoas em pânico no terraço, bombeiros tentando alcançar os andares mais altos com suas "magirus", atos heroicos de salvamento aqui e ali, a multidão postada nas adjacências acompanhando os lances mais dramaticos - e todo o centro da cidade praticamente paralisado.

Acima de tudo - em sentido literal - pairavam, novamente, as grandes vedetes do incendio: os helicopteros que conseguiram, mais uma vez, salvar dezenas de pessoas que, em desespero ou muito feridas, postavam-se no terraço do Joelma ou eram levadas para o posto de emergencia montado, com rapidez e dedicação, na Camara.

No edificio da Camara Municipal, em cujo teto há um heliporto, montou-se o dispositivo inicial para socorro às vitimas. Medicos, enfermeiros e doadores de sangue acorreram em grande numero para esse local, onde chegavam, constantemente, cobertores, tubos de oxigenio e tranquilizantes enviados por uma "corrente da amizade" que logo se formou.

No predio que se incendiou, funcionava o Banco Crefisul de Investimentos S.A. e ali trabalhavam cerca de 600 pessoas, numero aumentado por aqueles que eventualmente procuravam o predio para seus negocios e, tambem, pelos motoristas que estacionavam seus carros na garagem que ocupa os 6 primeiros andares.

Segundo as primeiras informações, o fogo deve ter se originado num curto-circuito ocorrido num aparelho de ar condicionado, instalado no 12º andar. Um ex-diretor da Crefisul disse que havia muita madeira por causa de obras que se realizam no edificio.

Até às 15 horas, tinham sido identificados os seguintes mortos: Antonio Camargo Rosa, William Franz, Paulo Aparecido Salles, João Alberto Gravini, José Neves de Almeida, Rodolfo Kelsing, Sidney Morelli, João Nunes Borges e Margarida de Lauro.

Continuavam chegando mais cadaveres.

  
  Drama na 9 de Julho, nº 225  
 
Vi mais de dez corpos carbonizados entre a garagem e o restante do edificio. Cheguei também a tempo de ver outros dez jogarem-se lá do alto. Não tenho duvidas, esta tragédia matou mais de 30 pessoas" - foi que afirmou o tenente Bueno de Lima que conseguiu chegar pelas escadas do Corpo de Bombeiros até o sétimo andar, onde acaba o estacionamento de carros.

O edificio com 26 andares, segundo o funcionario Odemar Ivan, era todo ocupado pelo Banco Crefisul de Investimentos SA. Apenas os dois ultimos pavimentos encontravam-se desocupados e hoje começariam a serem ocupados pela corretora da empresa. Odemar Ivan tinha os olhos vermelhos e garantiu que, no prédio, trabalhavam de 600 a 700 pessoas. "Quero ver meus amigos" - gritavam pisando numa poça de sangue.

O prédio que fica na Av. Nove de Julho, 225, chama-se Joelma, e os fundos dão para o no 184 da Santo Antonio. Até o meio-dia embora os megafones se fizessem ouvir, garantindo não mais haver fogo, ainda se podia ver da praça da Bandeira, labaredas em varios compartimentos.

De ambos os lados do predio podia-se ver revestimentos de ferro retorcidos, calhaus, objetos, roupas, marcas de sangue, madeira que ainda caiu do predio, com a fuligem.

  
  Talvez 40 mortos  
 
O bombeiro Irineu Tamarino, que mais tarde conseguiu entrar na garagem e se refazia da fumaça, disse ter visto também dez corpos entre os escombros dos primeiros andares. Um calculo ainda prematuro feito pelos oficiais do Corpo de Bombeiros faz supor que 40 pessoastenham morrido na tragedia, entre aquelas que se jogaram do edificio ou ficaram lá dentro presas entre as chamas.

O panico que se estabeleceu na confusão obrigou a que cavalos da Policia Militar fossem utilizados para afastar a multidão. Todos queriam ver de perto o fogareu e postavam-se nas escadarias da Ladeira da Memória ou mesmo nos degraus do Teatro Municipal. A rua Xavier de Toledo, bem afastada, estava intransitável.

  
  Na praça   
 
Vários helicopteros sobrevoavam o local, mas o primeiro que logrou aproximar-se e mesmo descer na quina do edificio foi o aparelho 36 da FAB. Antes do meio dia já pousara sete vezes, inclusive levando bombeiros para averiguar a extensão da tragedia.

O helicoptero, com ajuda de uma corda, ergueu no ar o capitão Indalécio. Este chegou a encostar-se junto a um homem que permanecia isolado no 16o andar, e dava mostra de completa exaustão. Lá estava desde que começara o fogareu, encostando-se à janela, com um lenço nos olhos. De baixo, na praça, uma funcionaria da Secretaria de Promoções gritava para que retirasse as roupas. O homem de terno cinza e oculos, com um relogio rebrilhando, manteve-se por varias horas na mesma posição, sem tirar o paletó.

Quando o capitão Indalécio aproximou-se para ajudá-lo, com a corda fixa à barriga, o homem recusou-se. O helicoptero fez outro giro e aproximo-se do homem, mas este novamente recuso-se talvez por sentir-se incapaz de segurar-se ao corpo do militar.

"Não posso compreender o que está acontecendo lá em cima. Este quer morrer sufocado ou jogar-se lá do alto a qualquer instante".

A medida que o aparelho aproximava-se a multidão prendia a respiração tomada de um medo-panico. Em dado momento a impressão era de que, afinal, se agarraria ao corpo do Capitão Indalécio. Mas foi inutil. É certo que mantiveram um dialogo qualquer numa tentativa de fazê-lo sair da janela onde se escorava. Quando lançou o paletó, a multidão pensou que ele se decidira pela solução derradeira. Uma mulher desmaiou.

O homem que se recusara a amparar-se no corpo do capitão Indalécio, preso por uma corda ao helicoptero, a despeito de tudo dava a impressão de calma. Alguém garantiu que rezava. Eram 10h30m, e êle continuava lá, dando apenas a impressão de que já respirava com dificuldade.

- É meu filho, tenho certeza que é meu filho - disse o advogado Diogo Garcia Filho, aparentando 50 anos, incapaz de articular as palavras.

- "Tenho certeza agora que é meu filho. Usa oculos como eu e liguei para casa. Disseram que ele vestia um terno cinza. Chama-se Celso Garcia.

O advogado não se tranquilizou, nem mesmo quando um fotografo emprestou-lhe a lente de alcance, para que pudesse ver melhor o homem que se escorava lá no alto, passando a mão nos olhos e o lenço. "Não suporto mais, esta emoção. Agora tenho dúvidas. Será mesmo meu filho. Vou para casa. Ligue para 299-0774. Não tenho coragem de ficar mais por aqui".

A multidão teve que ser afastada à força do viaduto que passa sobre a praça da Bandeira. Ali pousou o primeiro helicoptero que, antes decolar do alto do prédio da Camara Municipal. Uma árvore foi cortada para que a aterragem se fizesse melhor e as ambulâncias também se aproximassem para levar os feridos.

- Quem pode doar sangue? Quem pode doar sangue? - gritava um enfermeiro diante da multidão. E, de pronto, uma fila se formou e seguiu para as imediações do Hotel Cambridge, onde se achava uma ambulancia especial para receber as doações voluntárias.

  
  Outro apelo   
 
Antes do meio-dia se fez outro apelo dramatico aos moradores das vizinhanças por intermédio dos megafones:

"Quem tiver água e possa trazê-la até aqui num balde, por favor, façam com urgência. Estamos precisando de água. Atenção, moradores, tragam água em baldes.

Os moradores, do outro lado da Av. Nove de Julho, que acompanhavam os socorros, desapareceram de suas janelas, atendendo ao apêlo.

Nenhum comentário :