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segunda-feira, maio 01, 2017

Fabrício Carpinejar

OLHOS DE RAPOSA 
Fabrício Carpinejar 



Vicente cola seus olhos nos meus. Como uma luneta. 

O nariz frio é a ponta de seu dedo me reconhecendo. 

Com os rostos próximos, diz que tenho olhos de raposa. Enxerga uma raposa correndo de noite. 

- Já viu antes uma raposa? 
- Não, não preciso ver para saber como ela é. 

O amor é mesmo uma cegueira, desde que não se perca os ouvidos e a boca. 

Eu já sinto saudade dele mesmo quando estamos juntos. É uma falta antecipada. 

Ele não me entende. Busco explicar saudade para suas pupilas paradas de caçador. 

Saudade é não rasgar os selos das cartas na hora de abrir. Umedecê-los com o vapor da chaleira. 

Saudade, meu filho, é dormir com dois travesseiros para o corpo não doer pelo excesso da cama. 

Saudade é arrumar a mesa quando não jantaremos em casa. 

Saudade é esperar a ligação do avô que já morreu. 

Saudade é não jogar fora as meias que se desencontraram do seu par. 

Saudade é não organizar a bolsa ainda que não se encontre mais nada nela. 

Saudade é um poço artesiano coberto por uma tábua. 

Saudade é uma parede que descascou tangerinas. 

Saudade é errar o caminho quando se vai ao trabalho. 

Saudade é quando a gente esconde uma lembrança dentro de uma música. E a música dentro de uma lembrança. 

Saudade é adivinhar o tamanho do pátio pelo varal. 

Saudade é desamassar as roupas com as unhas. 

Saudade é tomar banho no escuro. 

Saudade é uma residência de verão com lareira. 

Saudade é abrir seu diário antigo e pedir ajuda para entender a letra. 

Saudade é um avental com as iniciais bordadas. 

Saudade é uma boina com cheiro de funcho. 

Saudade é pisar descalço na memória com medo de roseta. 

Saudade é lembrar do que que poderia ter acontecido antes de acontecer. 

Saudade é imitar o assobio de uma porta. 

Saudade é fechar o livro para que ele se abrace. 

Saudade é procurar o que não foi extraviado. 

Saudade é esquecer o que se falou com Deus. 

Saudade é saber a importância do que nunca se teve. 

Saudade é reconhecer um amigo da infância no filho. 

Saudade é sentar na escadaria de uma igreja só para suspirar os degraus que faltam. 

Saudade é parar diante de um mendigo com as mãos vazias. 

Saudade é lavar os cabelos do violão. 

Saudade é usar o cadarço para costurar duas ruas. 

Saudade é escrever o que se precisa ler. 

Ao entrar em seu quarto no dia seguinte, escuto sua conversa com a irmã Mariana. Ela o incomodava com tapinhas nos ombros e o enervava com apelidos. 

- Quando está longe, só penso coisas boas de você, Mariana. Não estraga a minha saudade.

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