Conversando com o Thiago Ramari e Elton Telles da equipe do Cinema Falado, lembrei dos estranhos títulos que alguns filmes estrangeiros ganham no Brasil. Pesquisei em meus arquivos e descobri essa divertida crônica do Ruy Castro para a extinta revista Vídeo News, dos anos 80. Ruy com seu estilo de sempre e comentários adoráveis.
Desculpe a nossa falha.
Claro, você não é obrigado a entender alemão ou japonês, russo ou javanês na hora de escolher um filme. Para isto, as distribuidoras sustentam um exército regiamente pago de dedicados tradutores multilíngües, que fazem tudo por você, exceto trazer-lhe os chinelos. Primeiro, esses tradutores assistem à fita para saber do que ela trata; depois, compõem aquelas legendas que explicam o que os atores estão falando como se fossem maritacas; e, finalmente, escolhem um título que tornará o dito filme irresistível aos seus olhos, seja nas marquises dos cinemas ou nas chapeiras das locadoras. Aliás, a escolha do título é a parte mais importante do trabalho deles. Pelo menos, não se sabe até hoje de nenhum filme sem título que tenha ganho o Oscar.
Deve ser por isto que os tradutores brasileiros sofrem, gemem e se descabelam até inventar um título tão atraente e, muitas vezes, tem tanto a ver com o título original anto um bangue-bangue com um desenho animado. ninguém jamais entendeu, por exemplo, por que Blow-up, de Antonioni, virou Depois Daquele Beijo. Principalmente porque, no filme, não acontece nada de importante depois daquele beijo e, pensando bem, o próprio beijo não tem importância nenhuma na história, se é que o filme conta uma. Dizem que o próprio Antonioni, ao saber do título de Blow-up em português, reviu o filme 18 vezes e não conseguiu achar sequer o beijo.
Dá até para entender por que The Deer Hunter, de Michael Cimino, tornou-se no Brasil O Franco-Atirador. Se tivesse sido traduzido ao pé da letra, seria O Caçador de Veados, o que poderia deixar os fãs de Robert De Niro com uma pulga atrás da orelha.
Mas alguém me explique por que East of Sumatra, um filme de aventuras feito em 1953 com Jeff Chandler e Anthony Quinn, transformou-se em Ao Sul de Sumatra. Provavelmente o tradutor ganhou a sua bússola numa rifa. Naquele mesmo ano, aliás, houve um filme chamado Abbott & Costello em Marte, em que os dois comediantes não iam a Marte. Iam a Vênus. E o título de A Coragem de Lassie, de 1946, com Elizabeth Taylor, era perfeito, exceto pelo fato de que o astro canino do filme não era a velha Lassie, mas um cachorro chamado Bill. Lassie tinha sido capturada pela carrocinha.
O tradutor que metamorfoseou After Hours, de Martin Scorsese, em Depois de Horas, deve ter cabulado a aula do Yázigi onde se ensinou que esta expressão significa Tarde da Noite. Veja bem, não estou defendendo que o tradutor seja rigorosamente literal. Se fosse assim, Fahrenheit 451, de François Truffaut, teria de se chamar no Brasil 171 Centígrados e Alguns Quebrados. No caso de A Man is Ten Feet Tall, com John Cassavetes e .Sidney Poitier, o tradutor quase acertou ao chamá-lo de Um Homem Tem Três Metros de Altura - belo filme, por sinal. Mas o certo mesmo seria traduzi-lo por Um Homem Tem 3,47 Metros de Altura, e ainda ficaria devendo alguns milímetros.
Mas é mais do que óbvio que o tradutor do grande clássico de Buster Keaton, The General, de 1926, não viu o filme. Se tivesse visto, não o teria chamado de O General, quando qualquer criança sabe que o general a que se refere o título é a locomotiva pilotada por Buster. Neste caso, teria de ser A General. E por que Shane, aquele fabuloso faroeste, virou aqui Os Brutos Também Amam? Shane, o personagem interpretado por Alan Ladd, não tem nada de bruto e, ao contrário, é um dos caubóis mais suaves, gentis e educados da história do cinema!
Woody Allen em ‘Annie Hall’, 1977. |
Outro enigma é o caso de The Front, com Woody Allen, que no Brasil se chamou Testa-de-Ferro por Acaso. Testa-de-ferro, tudo bem, porque é exatamente isto que front significa. Mas por que "por acaso"? No filme, o personagem de Woody Allen sabia muito bem o que estava fazendo, ao emprestar o seu nome aos roteiristas perseguidos pelo macartismo. E outro caso de um filme titulado no escuro pelo tradutor. O pobre Woody, por sinal, é uma vítima dos tradutores brasileiros. Há quem defenda a tese de que O Dorminhoco deveria ter se chamado A Dorminhoca. Embora Woody Allen realmente comece o filme como um sujeito que acorda 200 anos depois que foi acidentalmente hibernado, todo o sonambulismo na história fica por conta do personagem de Diane Keaton. O título original, Sleeper, poderia servir para qualquer um dos dois mas, de fato, A Dorminhoca faz mais sentido. E seria interessante examinar o cérebro de quem transformou Annie Hall em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, porque deve conter neurônios desconhecidos da ciência. Neste filme, Diane Keaton não é esta pilha de nervos que o título insinua, e nem Woody Allen está particularmente mais neurótico do que em outros filmes. E,
o que é pior, os dois nem são noivos, mas apenas namorados. A platéia brasileira, que tem mais o que fazer, ignorou a enxerida contribuição do tradutor e sempre chamou o filme de Annie Hall mesmo.
Felizmente isto acontece às vezes: certos títulos brasileiros não pegam de jeito nenhum, por mais que o tradutor julgue estar abafando. Ninguém chama My Fair Lady, por exemplo, de Minha Querida Dama, que é como tentaram batizá-lo aqui. Ficou sendo, com toda razão, My Fair Lady. Ninguém chama The Maltese Falcon, com Humphrey Bogart, de Relíquia Macabra, imagine. E sim de O Falcão Maltês, claro. E nem o mais empoeirado rato de cinemateca chama Aleksandr Nevskii, do soviético Eisenstein, de Os Cavaleiros de Ferro, mas de Alexandre Névski. Deve ser por isto que o brilhante tradutor brasileiro de Down by Law, de Jim Jarmusch, não quis correr riscos: sapecou-lhe o título de Daumbailó mesmo, e deixou que os espectadores se virassem para saber o que significava aquilo.
Mas não se pode culpar sempre os coitados dos tradutores. As vezes eles têm de tomar decisões difíceis. O que fazer, por exemplo, com um título como Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, a famosa sátira de Stanley Kubrick sobre o fim do mundo? O tradutor arriscou Dr. Fantástico, ou Como parei de me Preocupar com a Bomba e Passei a Gostar Dela, e cruzou os dedos. A platéia encarregou-se de tratar o filme de apenas Dr. Fantástico, na intimidade, e foi assim que ele ficou conhecido. A mesma ousadia não teve o tradutor de Everything you Always Wanted To Know About Sex* (* But Were Afraid To Ask), com os dois asteriscos e tudo. Covardemente, o tradutor preferiu deixar barato, por Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre o Sexo, e condenou o resto do título ao esquecimento, inclusive os asteriscos. Não adiantou muito, porque até hoje é difícil encontrar alguém que trate o filme pelo nome. Chamam-no apenas de "aquele filme do Woody Allen sobre sexo". Já o tradutor de The Effects of Gamma Rays on Man-in-the-Moon Marigolds não quis conversa: ignorou os efeitos dos raios gama sobre os reflexos lunares de uma flor chamada cravo-de-defunto (as tais marigolds) e reduziu o filme de Paul Newman a um reles O Preço da Solidão. Paul Newman ficou tão desapontado que pensou seriamente em encerrar sua carreira de diretor.
Bons títulos são importantes, mas podem levar a pistas falsas. Dial M for Murder, aquele de Hitchcock, tem um título perfeito para quem quer matar a mulher pelo telefone - nos Estados Unidos. No Brasil, quem usar a sugestão de Disque M para Matar nunca conseguirá completar a ligação, já que nossos telefones não usam letras. Da mesma forma, nenhum brasileiro entendeu por que Terry Gilliam chamou aquele seu filme de Brazil - e que, no Brasil, se chamou Brazil, o Filme - já que a única e escassa referência que ele faz ao Brasil é o uso de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, na trilha sonora. Acontece que, internacionalmente, a música de Ary é conhecida apenas por Brazil e isto justifica, embora não explique, o título da fita. Não será surpresa se o próximo filme de Terry Gilliam se chamar Cheek to Cheek no Fubá, e aí quero ver como nossos tradutores vão fazer.
Pensando bem, a situação mhelhorou bastante
ultimamente em termos de títulos brasileiros. Quase todos os filmes hoje em dia se chamam Rambo, Rocky, Porky, Alien ou Poltergeist, variando apenas se são I, 11, 111, IV ou V. Isto simplifica o trabalho do tradutor. Em compensação, a platéia não tem mais como exercer a sua moleque criatividade, inventando variações para os títulos. Lembram-se daqueles grandes filmes do passado, como O
Fantópera da Asma, O Cordame de Notre Cunda e Recível, a Mulher Inesquebeca? Eram, respectivamente, O Fantasma da Opera, O Corcunda de Notre Dame e Rebeca, a Mulher Inesquecível. (Ruy Castro)
3 comentários :
Li esse texto quando adolescente, já não lembrava mais se era na Video News, Set OU Cinemin, tampouco que era do Ruy Castro. Ótimo relê-lo!!! Valeu.
Great amusing interesting entertainment. Where did Ramari and Elton find this!
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