DISCO/EM CARTAZ: PASSAPORTE PARA O SUCESSO DE TUNAI
José Antônio de Freitas Mucci (Ponte Nova, 13 de novembro de 1950 – Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2020)
Texto do Jornal do Brasil sobre O LP Em Cartaz (Ariola) publicado em 1984. Apresenta Tunai , o irmão de João Bosco e autor de sucessos em vozes alheias. E não são poucos: de As Aparencias Enganam, Certas Canções) Pra Sempre, Pra Não Chorar) e Perdão. Diz o texto :
O tímido mineiro de Ponte Nova, de uma família frondosa de 10 irmãos — todos interessados em música —, vem, desta vez, apostando tudo no sucesso pessoal. Domingo passado, o Programa do Faustão, da TV Globo, já exibiu o videoclipe do carro-chefe do LP, Prisão. A eterna situação boy-meets-girl da canção romântica possibilita a montagem de uma trama sensual. Um rapaz e uma moça descobrem ter alugado por engano o mesmo chalé, decidindo-se a compartilhá-lo, em todos os sentidos. A melodia se apoia na letra imediata: "Você caiu do céu, anjo lindo que apareceu com olhos de cristal".
Nesse disco, quem procurar paralelos entre os irmãos mais conhecidos da família Freitas Mucci, João Bosco e Tunai, não vai encontrar. João é preferencialmente um sambista, com eventuais incursões no velho bolero latino, como o clássico Dois pra Lá, Dolê pra Cá, associado às letras cinematográficas de Aldir Blanc ou Paulo Emílio. Tunai — apelido de Toninho, José Antônio, com o sotaque mineiro dos tempos em que jogava futebol a sério — é pérola em baladas. Baladas chegadas ao rock, como Todo de Bom, que lembra a caligrafia simplista de Guilherme Arantes. Ou mais aproximadas daquilo que o título já anuncia em Um Blues; essa com algum sotaque divãnico.
Mas Tunai, compreensivelmente, descarta essas comparações, apesar de reconhecer o auxílio inicial do irmão mais célebre, que o apresentou aos repertórios de Tom Jobim, João Gilberto, Ary Barroso e Dorival Caymmi. E o introduziu, já no Rio, a Vinicius de Moraes e ao pintor Scliar. João também foi decisivo na coragem de trocar um curso de engenharia, que ambos faziam, e a mineirice de Ponte Nova, terra do ídolo futebolístico de Tunai, Reinaldo (do Atlético), pela epidêmica turbulência artística do Rio. Aspas para ele: "Essa coisa de ficarem comparando o meu trabalho com o do João Bosco, só porque somos irmãos, é mais uma neura das pessoas que a gente acaba incorporando. Essa cobrança, inclusive, adiou minha vinda para cá. Talvez não me sentisse preparado para vir. Hoje, considero meu trabalho pronto, e em ascensão".
Quatro anos mais moço que João Bosco, Tunai também integrou o conjunto de rock do irmão, o X-Gang Rock, uma aventura adolescente ("só tocávamos o repertório dos Eagles") que o marcou, assim como as participações no Máfia Filho e seu Conjunto e no Jovem Brasa 5. Professor de violão das amigas das sete irmãs, estudando engenharia por obrigação ("Somos uma família musical, mas meu pai nunca viu com bons olhos esse negócio de música"), Tunai desenvolveu seu "lance de composição" em meio à Jovem Guarda, bossa nova e a explosão da Tropicália. Só se decidiu a largar a faculdade, porém, em 1979, quando Elis Regina incluiu quatro composições suas no show Essas Mulheres. De Tunai, falou a cantora em seu jeito arrebatado, numa entrevista da época: "Tô torcendo por esse cara, é uma pessoa incrível, um tipo obstinado. Resolveu que vai transar essa, tá batalhando feito um louco. Que me desculpe meus outros amigos, mas acho As Apartadas Enganam a mais forte do disco. Se todo mundo resolver compor naquela família, vou ter que fazer um disco Elis interpreta os Freitas Mucci. Eles são incríveis".
Elis tornou a música um clássico, tal como Gal Costa fez pouco tempo atrás com Eternamente ("Só mesmo o tempo pode revelar o lado oculto das paixões"), incluída neste Em Cartaz. Também Só de Amor, pontuada pelo sax de Léo Gandelman, é regravação. Em Delícias Deliciosas, seu LP do ano passado, Simone já a descobrira. Para ela, numa síntese, "Tunai é a própria natureza musical". Outras cantoras intérpretes das composições de Tunai têm opiniões igualmente entusiasmadas. Nana Caymmi: "Tunai é uma grande dose de otimismo no cenário da música atualmente". Faíza do Belém: "O que mais gosto nele é a maneira natural e brejeira — mineira — como fala de sensualidade. Sempre com um toque de humor".
Uma parcela significativa dessas impressões, no entanto, também deve ser creditada ao principal parceiro de Tunai, o letrista Sérgio Natureza, que também costuma compor com Paulinho da Viola (Vela no Breu, Último Lance, Brancas e Pretas). "Conheci o Sérgio em 75, aqui no Rio, num show da Elis", lembra Tunai. "Eu cursava engenharia em Ouro Preto e pedi transferência para Belo Horizonte, para onde o Sérgio começou a ir com frequência, para trabalharmos juntos. De um modo geral, faço a música e ele coloca a letra. As Apartadas Enganam nasceu assim. Ele se tranca por seis, sete horas, rodando a fita cassete até concluir os versos. Apesar de minha vivência em cidade do interior, me sinto mais ligado aos temas urbanos e universais. E este é mais um ponto de identidade entre nós".
Tal coesão entre parceiros, também extensiva a Milton Nascimento (que escreveu com Tunai Mar de Nosso Amor) e Ana Terra (autora do poema de Pelo Ar do Brasil), dispensaria a padronização excessiva utilizada nos arranjos. Estes foram criados pelo grupo de base instrumental do disco, o notório Roupa Nova. Espécie de Toto brasileiro, esses hábeis músicos de estúdio dedicam-se a produzir um som rapidamente identificável, sob medida para as rádios que preferem a redundância musical. Melodista de grande talento, cantor ainda impreciso, Tunai deverá chegar a um êxito rápido com o passaporte sonoro "pronto" do Roupa Nova. Mas ainda poderá ir muito mais longe se procurar uma identidade autônoma para o seu estilo.
Nenhum comentário :
Postar um comentário