CRÍTICA ▌CINEMA / 'Mogli, o menino-lobo' ★★
Nostalgia com bom humor
Lúcia Cerrone
(publicado no Jornal do Brasil 1994)
Se Hollywood para o mundo, criam muitas lendas a respeito de Walt Disney. Entre elas, duas se destacam. A primeira diz que ele não era capaz de rabiscar no papel uma simples casinha com chaminé. A outra garante que Disney não morreu, mas que na verdade está descansando on the rocks em algum lugar secreto da Califórnia, de onde só sairá, descongelado, quando descobrirem a cura para o câncer.
Verdades ou mentiras à parte, a notícia seja feita: Walt Disney continua muito bem seus estúdios. Do tempo em que os prêmios da Academia eram entregues em jantarzinho até a morte do criador, em 1966, ele recebeu nada menos que 19 Oscar. Finalizado em 1967, Mogli, o menino-lobo é a última produção comandada diretamente por Disney.
Inspirado em Mowgli stories, de Rudyard Kipling, um inglês nascido na Índia, o filme volta às telas dos cinemas, quase 30 anos após o lançamento, inevitavelmente sem o mesmo impacto. Pais e crianças que, nos últimos dois anos, assistiram a A pequena sereia, A bela e a fera e Aladdin, e outros filmes de animação, difícil só concentrarem numa história com poucos efeitos especiais. Mas, para os nostálgicos da geração pé-na-estrada, ele é novo e o urso Balu cantando Somente o fundamental, vai encantar-lhes e demais, é uma leve lembrança dos bons tempos.
Dirigido por Wolfgang Reitherman — de Bernardo e Bianca e Robin Hood —, com supervisão musical de Milt Kahl, Ollie Johnston, Frank Thomas e John Lounsbery, o filme conta a sua história em sobressaltos; apostando tudo no humor. Criado por uma família de lobos, Mogli tem que deixar a selva para fugir das garras do tigre Shere Khan. Baguera, a pantera, é a encarregada de levar o menino à aldeia dos homens, mas Mogli não quer abandonar a floresta. No caminho, ele tenta se engajar a diversas espécies de animais que encontra. Sob o comando do Coronel Hathi, mesmo só esforça para ser um elefante na patrulha da madrugada. Com Balu, conhece as delícias da vida de um bicho sem maiores esperanças, até o quarteto de abutres "meu é simpático. No final, com "somente o fundo é igual", Mogli acaba fisgado pelos dengos de uma indiozinha da fronteira.
Realizado numa época em que ainda não era moda atores famosos emprestarem suas vozes aos bichos da tela — Danny DeVito e Diane Keaton, por exemplo, falam pelo vira-latas e pela poodle de Adivinhe quem está falando agora, também em cartaz —, a versão original de Mogli tem pelo menos George Sanders, o crítico quase sem caráter de A malvada, como Shere Khan. Na versão dublada, porém, algumas vozes bastante conhecidas dão título às canções de Roberto e Richard Sherman. Alberto Perez, um galã dos tempos da TV Tupi, é o Coronel Hathi; sua esposa, elefanta vem da voz da atriz Estelita Bell, a tia inconveniente do Professor Raimundo na Escolinha da TV Globo; Balu é Castro Gonzaga, um dos cornetas favoritos das noites de Dias Gomes; o rei Lui, líder dos macacos, tem a voz e o suingue do saxofone do jazzman Booker Pittman, pai de Eliana; e o quarteto de abutres é o MPB4.
Mogli, o menino-lobo, relançado sem o apelo publicitário das atuais produções Disney, em sua época virou disco com encarte, um sucesso de vendas nas bancas de jornais. No mesmo período, o apresentador de TV Flávio Cavalcanti lançou o slogan “é a minha gente”, para definir alguém como uma ótima pessoa. Irritante, um colunista carioca publicava todo mundo no genitivo: Elianagli, o meninoloboli.
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