Transcrição da matéria "A Glória de um Daminhão"
Jornal do Brasil – 12 de maio de 1993
Por Pedro Só
A Glória de um Daminhão
Ipanema consagra o poeta sujo em festa no Torre de Babel
E o rádio não abre espaço para programas inventivos... Dane-se o rádio. A turma expurgada do dial está seguindo o doce balanço a caminho do bar. Segunda à noite, o Torre de Babel, em Ipanema, viveu uma noite antológica na estreia de Mauricio Valladares.
Quem não gostaria de ouvir Lulu Santos tirando do baú Assis Valente, Wilson Batista e outras genialidades? Quem não gostaria de ver o mítico Daminhão Experyênça — personagem folclórico que perambula pelo bairro — fazendo, aos 64 anos, o primeiro show de sua vida (e isso depois de alegados 28 discos)? Quem não gostaria de ver os dois juntinhos, numa autêntica jamma (jam do planeta Lamma, de onde Daminhão afirma ter vindo)? Ou ainda Toni Platão e o guitarrista Gustavo Corsi acompanhados de Lulu revivendo Pros que estão em casa?
Tudo isto aconteceu de verdade, ao longo de quase duas horas de transmissão. Quem não foi, perdeu. Mas toda segunda segunda-feira do mês, o Torre estará nas mãos de Mauricio.
O Show Psicodélico
Imagens psicodélicas no telão, trechos do programa Unplugged gravado pelo Arrested Development e a trilha composta por Vangeik para o filme *1492* — estrelado, conforme anunciou Mauricio, por "Gerardo do Pardieiro" — foram o apêndice para a primeira aparição de Daminhão.
De gaita na boca, arriscando coreográficos acordes em seu "violão do planeta Lamma" (com cordas e afinação pra lá de estrambóticas), ele entrou confessando que estava nervoso. Depois de interpretar o que poderia ser o Subterranean Homesick Blues do planeta Lamma, o cantador fingiu que afinava seu instrumento e seguiu em frente.
Mas que diabos seria o tal Planeta Lamma?
"O planeta Lamma é sete palmos debaixo do chão, é o fim de todos nós. Eu vou dizer... quando eu morrer... eu tô tão nervoso!", exclamou.
Daminhão agradou ao público interpretando a estranha música de seu planeta Lamma. Foi gostando e ficando, parecia que não ia mais sair. Até que Mauricio interveio, o público pediu mais uma, e Daminhão avisou: "Já já eu saio." E saiu, aplaudidíssimo.
Lulu Santos e o Caos Cultural
Depois foi a vez do baixista Bruce Henry entrar para uma engraçada versão de Lullaby of Birdland. E enfim veio Lulu, levando Moyo e Blues da Passagem (feita por Pericles Cavalcanti para o disco do Asdrúbal). E comentando, irônico, a performance de Daminhão:
"Gostei que ele defendeu family values (valores familiares) aqui. Pó-le-mi-co", arrematou, com seu melhor sotaque baiano.
E mandou em seguida o Chico Brito de Wilson Batista e Samba dos Animais, de Jorge Mautner. Lulu estava com o capeta. Espalhando cultura musical no repertório, até na hora de mandar negro calar a boca ele citou Prince.
Aceitando o convite, Toni Platão e Gustavo Corsi subiram ao palco para levar Pros que estão em casa. E ficaram mais para Tempos Modernos e um grande sucesso escolhido na medida para contrariar o clima "preciosidades inusitadas" previsto por Mauricio Valladares.
Diante da reação entusiasmada, Lulu brincou com o público:
"Vocês estão iguais ao pessoal da feira agropecuária que eu fiz semana passada."
Não sobrou para ninguém:
*"Eu achei um absurdo o Kurt Cobain do Nirvana dizer no Hollywood Rock, enquanto imitava um comercial de cigarro: 'Estou aqui em diarréia de Janeiro.' Essa não perdoo", contou Lulu.
Uma Viva de Caminhão depois, ele exigiu a presença de Daminhão:
"Grunge mesmo é você!", apontou.
Para júbilo geral, o abominável homem das tranças subiu para uma jamma e gritou feito um jumento enquanto Lulu batucava na guitarra.
Para encerrar esta apoteose, Mauricio Valladares botou para tocar Arnold Layne, música do Pink Floyd fase Syd Barrett que fala num rapaz esquisitão que tinha um estranho hobby: colecionar calcinhas. Lógica pura.
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