Lisboa, na inquietude de um dia cinzento
Ao eminente Dr. Victor
Frankenstein, criador e criatura de sua própria tragédia,
Escrevo-te com a admiração de quem observa, à distância, o dilema de um homem que ousou brincar com os alicerces da vida. Não te condeno, Victor, por tua busca insaciável pelo saber. Afinal, não somos todos nós, em essência, alquimistas do desconhecido, tentando moldar o mundo à imagem de nossos desejos?
Mas pergunto-te: ao dar vida à tua criação, foste movido pela paixão pela ciência ou pelo orgulho de ser como os deuses, moldando com as próprias mãos aquilo que só a natureza ousa criar? E, ao vê-lo viver, que sentiste? Era a euforia do triunfo ou o início de um abismo que logo te tragaria?
Victor, tua tragédia não é apenas a criação de um ser rejeitado, mas a rejeição que impuseste a ele. Tu, que lhe deste vida, negaste-lhe o direito à aceitação. Pergunto: quem é o verdadeiro monstro? A criatura que não pediu para existir ou o criador que, ao gerar vida, se afastou dela como se fosse algo indigno de seu amor?
Sabes, tua história ressoa profundamente em mim. Não és tão diferente de um poeta: criamos palavras, mundos e sentimentos, mas muitas vezes os abandonamos quando eles se mostram maiores ou mais assustadores do que esperávamos. Somos ambos culpados de dar forma ao que não podemos controlar.
Se pudesse te dar um conselho — não como um cientista, mas como um homem —, diria: não temas tua criação, pois nela reside o reflexo mais puro de ti mesmo. E se te fosse dada uma segunda chance, não seria o momento de encarar a criatura não como um erro, mas como um filho em busca de sentido?
Por fim, Victor, pergunto: qual é o teu verdadeiro desejo? Redimir-te pelo que criaste ou apenas escapar do peso da tua própria consciência?
Com inquietação e respeito,
Fernando Pessoa (Via IA)
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