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sexta-feira, dezembro 26, 2025

Obras-Primas do Terror: Horror Internacional Vol. 2




 Esta é uma coleção de um calibre extraordinário, uma verdadeira caixa-preta do cinema fantástico mundial. É um mergulho abissal no horror e no surrealismo do Leste Europeu, uma região onde a pressão política, a censura e uma riquíssima tradição folclórica e literária deram origem a alguns dos filmes mais singulares, desafiadores e visualmente deslumbrantes já feitos. Esta não é uma seleção para iniciantes; é uma curadoria para o cinéfilo que busca o terror em sua forma mais artística, filosófica e, muitas vezes, politicamente subversiva.

Vamos à análise crítica desta jornada alucinante pela Cortina de Ferro e além.


DISCO 1: A Histeria Filosófica e o Conto de Fadas Macabro

Este disco apresenta dois dos maiores mestres do cinema da Polônia e da Tchecoslováquia, cada um explorando o fantástico através de sua lente autoral única: a do caos histórico e a da beleza grotesca.

O DIABO (Diabel, 1972)

Uma obra-prima do caos, uma experiência cinematográfica visceral e febril que só a mente de Andrzej Zulawski poderia conceber. Banido por 15 anos pelo governo comunista polonês, O Diabo é muito mais que um filme de terror; é uma alegoria política selvagem sobre a traição, a loucura e a desintegração moral de uma nação.

Análise Crítica: Assistir a O Diabo é ser jogado em um redemoinho de "realismo histérico". A trama, sobre um nobre libertado da prisão por um estranho (o "Diabo" do título) durante a invasão prussiana da Polônia, é o fio condutor para uma jornada dantesca através de uma terra devastada pela violência e pela depravação. A câmera de Zulawski é um personagem em si, frenética e voyeurista, capturando performances operísticas e fisicamente exaustivas. O horror aqui não é sobrenatural, mas sim profundamente humano. O "Diabo" não comete atos malignos; ele simplesmente sussurra, observa e dá aos homens a navalha para que eles mesmos revelem a barbárie que já existe dentro deles. É um filme difícil, denso e visualmente arrebatador, uma análise brutal da alma polonesa disfarçada de terror histórico.

O NONO CORAÇÃO (Deváté srdce, 1979)

Do mestre tcheco do macabro, Juraj Herz, vem este conto de fadas sombrio e visualmente suntuoso. Longe da fantasia infantil, este filme mergulha na tradição mais antiga e grotesca dos contos folclóricos, onde a beleza e o horror coexistem em cada quadro.

Análise Crítica: O Nono Coração é uma obra de uma beleza assustadora. Juraj Herz era um mestre em criar mundos oníricos e decadentes, e aqui ele constrói um castelo de pesadelos onde um alquimista maligno rouba a força vital da princesa para manter sua juventude. A direção de arte, os figurinos e a cinematografia são espetaculares, criando uma atmosfera que é ao mesmo tempo mágica e profundamente perturbadora. O filme se deleita no grotesco — o laboratório do mago, suas criações bizarras — encontrando uma estranha poesia na escuridão. É uma obra que prova que o horror pode ser lírico e que os contos de fadas são, em sua essência, histórias sobre os medos mais profundos da humanidade.


DISCO 2: O Crime Perfeito Soviético e o Terror Pós-Guerra Fria

Este disco mostra duas facetas do cinema de gênero russo/soviético: a capacidade de adaptar um clássico ocidental com uma fidelidade sombria e a criação de um horror moderno que reflete novas ansiedades.

E NÃO SOBROU NENHUM (Desyat negrityat, 1987)

Esta adaptação soviética do romance mais famoso de Agatha Christie é, sem dúvida, a versão definitiva para puristas. É uma tradução implacável, pessimista e brutalmente fiel ao espírito niilista do livro, algo que as versões ocidentais frequentemente suavizavam.

Análise Crítica: A genialidade desta versão está em sua recusa em oferecer conforto. O diretor Stanislav Govorukhin não altera o final sombrio do livro nem poupa o público da violência psicológica e física. A atmosfera é de uma desgraça inevitável. Os dez "pequenos negros" no centro da mesa não são apenas adereços; são o tique-taque de um relógio apocalíptico. Filmado em locações deslumbrantes da Crimeia, o filme tem uma qualidade isoladora e claustrofóbica. Cada personagem é genuinamente culpado e antipático, e não há heróis a quem se apegar. É um estudo frio e metódico sobre como a culpa e a paranoia podem destruir um grupo de pessoas de dentro para fora, antes mesmo que o assassino os alcance. Uma obra-prima do suspense.

O TOQUE (Prikosnoveniye, 1992)

Considerado o primeiro filme de terror da Rússia pós-soviética, O Toque é um artefato fascinante, um mergulho em um horror atmosférico e existencial que reflete a ansiedade e a incerteza de uma nação em colapso.

Análise Crítica: A influência de Lucio Fulci é evidente não no gore, mas na lógica onírica e na sensação de um mal incompreensível e contagioso. A trama, sobre um detetive que investiga uma série de suicídios ligados a uma força fantasmagórica, é um veículo para explorar um pavor que é ao mesmo tempo sobrenatural e profundamente psicológico. O filme cria uma atmosfera de melancolia e desespero, onde o mundo dos vivos e dos mortos parece estar se fundindo. O horror aqui é silencioso e invasivo, uma espécie de vírus espiritual que se espalha através do "toque". É uma obra que captura perfeitamente o desespero de uma era, onde as velhas certezas morreram e apenas uma angústia fantasmagórica restou.


DISCO 3: O Folclore Eslavo e a Alegoria Gótica

O disco final é uma celebração da adaptação literária, com dois mestres do cinema da Iugoslávia e da Polônia traduzindo textos fundamentais do horror gótico para a tela com uma visão autoral deslumbrante.

LUGAR SANTO (Sveto mesto, 1990)

Uma adaptação febril e blasfema da novela "Viy" de Nikolai Gogol, a pedra fundamental do horror folclórico eslavo. O diretor Djordje Kadijevic, especialista no gênero, cria uma versão mais crua, erótica e psicologicamente intensa do que suas predecessoras.

Análise Crítica: Se a versão soviética de 1967 é um conto de fadas sombrio e A Maldição do Demônio de Bava é uma ópera gótica, Lugar Santo é um pesadelo de folk horror visceral. O filme mergulha fundo no paganismo e na sexualidade reprimida que permeiam a história de Gogol. A vigília de três noites do estudante de teologia com o cadáver da bruxa é tratada como um teste de fé aterrorizante e uma provação psicosexual. A atmosfera é terrena, suja e carregada de uma tensão blasfema. É uma obra que entende que o verdadeiro horror de "Viy" não está apenas nos demônios, mas na colisão entre o dogma cristão e uma força pagã, feminina e primordial.

MEMÓRIAS DE UM PECADOR JUSTIFICADO (1986)

Do mestre polonês do surrealismo, Wojciech Has, vem esta adaptação visualmente estonteante de um clássico da literatura gótica escocesa. É um filme que funciona como um quebra-cabeça filosófico, uma meditação sobre a dualidade, o fanatismo religioso e a natureza do mal.

Análise Crítica: Como em suas outras obras-primas (Manuscrito de Saragoça, O Sanatório de Clepsidra), Has não está interessado em uma narrativa convencional. Ele cria um labirinto visual e temporal, um mundo barroco e onírico para contar a história do homem assombrado por seu doppelgänger diabólico. Cada quadro é uma pintura meticulosamente composta, cheia de simbolismo e detalhes surreais. O filme explora a ideia aterrorizante da predestinação calvinista: se alguém está "justificado" e salvo, ele pode cometer qualquer pecado? É uma obra densa, exigente e hipnótica, que usa o fantástico para questionar as fundações da moralidade e da identidade. Uma obra-prima do cinema existencialista e visualmente deslumbrante.

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