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quarta-feira, dezembro 31, 2025

O Amigo da Onça

 Texto de  Pedro Macário

"Não acendam fósforos". Esse foi o bilhete deixado por Péricles em sua casa, inundada por gás. O aviso, pendurado na porta, revelava o homem por trás de sua maior criação: O Amigo da Onça. Péricles de Andrade Maranhão, conhecido como Péricles, encontrou seu fim em 31 de dezembro de 1961, às 14h30. Naquele dia, sentiu-se "profundamente só", como escreveu em sua última carta: "*Os amigos, se assim posso chamá-los, estão em suas casas junto a suas famílias, o que não acontece comigo*". Com sua mãe, irmã, filha e esposa — da qual estava separado — fora do Rio, apenas a solidão o levou ao gesto extremo.



Na carta, ele deixou claro: "Estou completamente sóbrio e não desejo culpar ninguém pelo meu gesto". O recado fazia sentido, pois, além de solitário, Péricles enfrentava dificuldades financeiras. A revista O Cruzeiro, que ele ajudara a construir, agora lhe pagava um salário irrisório. O sucesso de O Amigo da Onça contrastava com sua vida pessoal: enquanto o personagem conquistava o público, seu criador vivia na penúria. Para lidar com a solidão e as frustrações, Péricles buscava refúgio nos bares e botequins da cidade, onde se misturava com pessoas simples, longe do meio artístico que admirava seu trabalho.



Nascido no Maranhão em 14 de agosto de 1924, Péricles veio de uma família humilde. Aos 16 anos, mudou-se para Recife, onde estudou em um colégio marista e iniciou sua carreira como desenhista, incentivado por Souza Barros. Vencedor de um concurso durante a Semana do Trânsito, recebeu cartas de recomendação que o levaram ao Rio de Janeiro em 1942, onde começou a trabalhar em O Cruzeiro. Após colaborar com outras publicações dos Diários Associados, como O Guri e A Cigarra, Péricles consolidou-se em O Cruzeiro e criou seu personagem mais famoso.

O Amigo da Onça tornou-se um fenômeno cultural, estampando quadrinhos, bonecos e até para-choques de caminhões. No entanto, por trás do sucesso, Péricles permaneceu um homem tímido, explorado por seus empregadores e abandonado pela sorte. No final, a solidão e as dificuldades falaram mais alto. Como ele mesmo previu, foi devorado pela própria criação.



Comentário:

A história de Péricles é um retrato triste do contraste entre o sucesso profissional e a fragilidade humana. Enquanto O Amigo da Onça se tornava um ícone da cultura brasileira, seu criador vivia à margem, sem usufruir do reconhecimento e dos benefícios que seu trabalho merecia. A solidão e as dificuldades financeiras, somadas à exploração por parte dos empregadores, mostram como o sistema muitas vezes consome seus talentos sem oferecer o devido suporte.

Péricles era um artista que, apesar de seu sucesso, permaneceu conectado às pessoas comuns, encontrando nelas um refúgio para sua timidez e sensibilidade. Sua morte, em um ato de desespero, é um lembrete da importância de valorizar não apenas a obra, mas também o bem-estar de quem a cria. A história dele ecoa até hoje, especialmente em um mundo onde muitos criadores ainda lutam por condições dignas de trabalho e reconhecimento.

A vida de Péricles é uma narrativa sobre genialidade, solidão e as contradições do sucesso — um legado que vai muito além das páginas de uma revista.

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