um mergulho profundo nas veias mais estranhas e subversivas do cinema de horror dos anos 60 e 70. É uma seleção eclética que vai do drama sobrenatural de prestígio ao thriller psicológico noir, passando pelo terror de "monstro da semana", o suspense de "gaslighting" e a ousadia do cinema de exploração e de denúncia social. Cada filme aqui é uma joia cult que merece ser (re)descoberta.
DISCO 1: O Terror da Mente e da Alma
Este disco explora os mistérios da identidade e da percepção, com duas obras que questionam a natureza da realidade, seja através da reencarnação ou de jogos psicológicos mortais.
AS DUAS VIDAS DE AUDREY ROSE (Audrey Rose, 1977)
Dirigido pelo mestre Robert Wise (Desafio do Além), este filme aborda o tema da reencarnação não como um truque de horror, mas como um drama sobrenatural sério e comovente. É um filme mais interessado na dor e na fé do que em sustos fáceis.
Análise Crítica: A força de Audrey Rose reside em seu roteiro inteligente (do autor de A Entidade, Frank De Felitta) e na gravidade que seu elenco traz para a premissa. Anthony Hopkins entrega uma performance poderosa e empática como o homem convencido de que sua filha renasceu no corpo de outra menina. O horror aqui não é o de uma possessão demoníaca, mas o terror de pais assistindo sua filha sofrer de um trauma que não pertence a ela. O filme se transforma em um fascinante drama de tribunal, onde a crença na reencarnação é levada a julgamento. Wise dirige com uma mão sóbria e focada nos personagens, criando um filme de terror adulto e emocionalmente ressonante, que faz perguntas profundas sobre a alma, a memória e o luto.
O TERCEIRO TIRO (Games, 1967)
Um thriller psicológico sinuoso e estiloso, que exala a atmosfera da "Swinging London" transportada para a elite boêmia de Nova York. É um jogo de gato e rato cheio de reviravoltas, onde ninguém é quem parece ser.
Análise Crítica: Curtis Harrington era um mestre em criar suspenses psicológicos com um toque de estranheza gótica, e O Terceiro Tiro é um de seus melhores trabalhos. O filme é um noir em cores vibrantes, centrado em um jovem e arrogante casal (James Caan e Katharine Ross) que se diverte com "jogos" mentais e encenações macabras. A chegada da misteriosa e elegante personagem de Simone Signoret — uma lenda do cinema francês — é o catalisador que transforma a brincadeira em um perigo mortal. O filme é uma aula de manipulação e paranoia, com uma trama que remete a clássicos como As Diabólicas. É um suspense sofisticado e perverso sobre as consequências de tratar a vida como um jogo.
DISCO 2: A Ameaça Implacável e a Paranoia Doméstica
Este disco apresenta duas formas de terror muito populares nos anos 70: a de uma força externa, monstruosa e inexplicável, e a de um perigo interno, psicológico e talvez imaginário.
O CARRO – A MÁQUINA DO DIABO (The Car, 1977)
"Tubarão sobre rodas". Essa descrição resume perfeitamente o apelo deste clássico cult. É um filme de monstro puro e simples, onde o monstro é um carro preto, sem motorista, com um design alienígena e uma sede de sangue insaciável.
Análise Crítica: O Carro é um entretenimento de primeira linha. O filme não perde tempo com explicações; o carro é uma entidade maligna, ponto final. Sua genialidade está em sua execução. O design do veículo é genuinamente ameaçador, e o diretor Elliot Silverstein o filma como um predador, usando o som aterrorizante de sua buzina e a vasta paisagem do deserto para criar uma sensação de ameaça onipresente. James Brolin é o herói perfeito para a época, um xerife estoico e determinado que precisa enfrentar uma força que desafia a lógica. Com cenas de perseguição eletrizantes e uma mitologia sutilmente satânica (o carro não pode entrar em solo sagrado), O Carro é um clássico da Sessão da Tarde que continua sendo um dos melhores exemplos do subgênero "objeto assassino".
VIGÍLIA NAS SOMBRAS (Night Watch, 1973)
Uma incursão rara e fascinante da icônica Elizabeth Taylor no gênero do suspense psicológico. Este filme é um herdeiro direto de clássicos do "gaslighting" como À Meia Luz (Gaslight) e Uma Janela para o Pátio (Rear Window).
Análise Crítica: A grande questão que impulsiona Vigília nas Sombras é: a protagonista de Elizabeth Taylor está realmente testemunhando um assassinato ou está sucumbindo à loucura? O filme se deleita nessa ambiguidade, construindo uma atmosfera de paranoia e dúvida. A performance de Taylor é o centro de tudo; ela transmite a fragilidade e a histeria de uma mulher no limite, tornando sua situação desesperadora. O diretor Brian G. Hutton (de filmes de ação como O Desafio das Águias) aqui mostra um domínio surpreendente do suspense contido, usando a mansão escura e a tempestade lá fora para amplificar a sensação de isolamento da personagem. É um thriller tenso e cheio de reviravoltas, que culmina em um final chocante e memorável.
DISCO 3: O Horror Físico e o Horror Real
O disco final apresenta dois extremos do espectro do horror: a fantasia grotesca do horror corporal e o terror terrivelmente real e corajoso da denúncia social.
O INCRÍVEL HOMEM QUE DERRETEU (The Incredible Melting Man, 1977)
Um clássico absoluto do cinema trash e uma obra-prima dos efeitos práticos de maquiagem. É um filme que entrega exatamente o que o título promete, com um espetáculo de gore e gosma que o tornou um favorito cult.
Análise Crítica: Este filme é um triunfo do horror corporal, graças ao trabalho lendário do mago dos efeitos Rick Baker. A visão do astronauta Steve West se desintegrando lentamente em uma massa ambulante e assassina de carne e osso é ao mesmo tempo nojenta e estranhamente trágica. O filme funciona como uma história de monstro clássica, onde a criatura é também uma vítima, consciente de sua própria deterioração horrível. Embora o roteiro e as atuações sejam canhestros, a direção de William Sachs foca no que importa: o espetáculo grotesco. É um híbrido de ficção científica e filme de monstro que se tornou uma peça essencial para qualquer fã de efeitos práticos e do charme do cinema B dos anos 70.
O ESTIGMA DA INFÂMIA (Never Take Sweets from a Stranger, 1960)
Uma obra incrivelmente corajosa e à frente de seu tempo, produzida pela Hammer Films em uma rara e chocante incursão no horror do mundo real. Este não é um filme sobre monstros góticos, mas sobre o monstro muito real da pedofilia e a corrupção do poder.
Análise Crítica: Este filme é uma pequena obra-prima, uma das produções mais importantes e subestimadas da Hammer. O horror aqui não é sobrenatural, mas social e psicológico. A trama aborda o tema tabu do abuso infantil com uma seriedade e uma sensibilidade chocantes para 1960. O verdadeiro pavor vem da impotência dos pais ao descobrirem que o abusador é um homem rico e influente, protegido pela elite da cidade. O filme se transforma em um drama de tribunal tenso, onde a vítima é colocada sob escrutínio e a justiça parece impossível. É um filme difícil, perturbador e profundamente poderoso em sua denúncia da hipocrisia e do abuso de poder. Uma obra que prova que o horror mais duradouro é aquele que reflete os males da nossa própria sociedade.

Nenhum comentário :
Postar um comentário