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quinta-feira, outubro 09, 2025

HAMMER Fábrica de Horrores

Matéria publicada na extinta Revista SET 




Na década de 60, o horror cinematográfico internacionalizou-se e países que até então nunca haviam flertado com o gênero, como a Itália, Espanha, México, França e até o Japão, passaram a dedicar boa parte de suas produções à tarefa de assustar plateias.
Esse florescimento se deu, inicialmente, na Grã-Bretanha — não por acaso berço da tradição gótica — graças a uma pequena produtora sediada na Londres de Jack, o Estripador: a Hammer Films.
Na realidade, a origem da Hammer data de algumas décadas atrás, mais precisamente 1935, quando foi fundada por Enrique Carreras, um pesquisador de cinema, e William Hinds, ator obscuro, mais conhecido como Will Hammer, nome com o qual fazia suas aparições no palco. Nascida com o nome de Exclusive Films, a Hammer iniciou suas operações como uma companhia de distribuição de filmes de baixo orçamento, aventurando-se a lançar fitas medíocres adaptadas de peças radiofônicas.
A partir de 1947, no entanto, já com o nome que a tornou famosa e tendo à frente Michael Carreras e Anthony Hinds, filhos dos fundadores, a Hammer começava a catear terreno em busca de uma posição mais sólida.
Nessa época, conseguir sobreviver à concorrência dos filmes produzidos nos Estados Unidos era um desafio para a indústria britânica de cinema. Para enfrentá-lo, foi implantado o sistema de cotas, que reservava uma fatia significativa do mercado para filmes produzidos na Grã-Bretanha. Aproveitando-se disso, a Hammer decidiu passar efetivamente para a produção, bancando filmes B de ficção científica, destinados, originalmente, a preencher programas duplos em cinemas de bairro.
As coisas começaram a mudar para melhor em 1955, ano da realização de Terror que Mata (The Quatermass Experiment), ficção científica baseada numa série que havia feito muito sucesso na TV e que repetiu a dose nos cinemas de todo o mundo. Produtora desse filme, a Hammer começava a dar adeus aos anos de vacas magras.
Entusiasmados com o desempenho de Terror que Mata nas bilheterias, Michael Carreras e Tony Hinds tomaram a decisão histórica de orientar toda sua produção para os filmes de horror, ressuscitando os legendários monstros da Universal dos anos 30. Mas com uma diferença significativa — vampiros, lobisomens e múmias verteriam sangue vermelho vivo, ao invés do preto-e-branco desbotado dos antigos filmes daquela produtora norte-americana. Foi assim que a Hammer inaugurou o horror em Technicolor, especializando-se no gênero.
A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein) foi rodado às pressas, em seis semanas, na tentativa de aproveitar o sucesso que I Was a Teenage Werewolf, uma fitinha B americana, fazia nos cinemas de Londres. Dirigida por Terence Fisher, essa adaptação da novela de Mary Shelley transformou-se num imenso sucesso popular, a ponto de o todo-poderoso Jack Warner ter comprado os direitos de distribuição do filme nos Estados Unidos, onde o frenesi se repetiu.
Com Peter Cushing no papel do barão Victor Frankenstein e Christopher Lee encarnando a criatura, o filme inovava em muitos aspectos. O personagem forte é, justamente, o do barão Frankenstein que, nas mãos de Terence Fisher, simboliza as forças do racionalismo, as quais não medem consequências para fazer prevalecer seu ponto de vista em luta contra o obscurantismo medievalesco, representado pelos aldeões e camponeses que as combatiam.
Impedido, por razões de direito autoral, de usar a mesma maquiagem concebida por Jack Pierce para Boris Karloff no primeiro Frankenstein, o maquiador Phil Leakey idealizou para Christopher Lee uma carranca mais próxima da criatura imaginada por Mary Shelley. De resto, o trabalho do diretor de arte, Ted Marshall, fez o filme aparentar um custo mais vultoso do que as 250.000 libras empregadas na produção.
No ano seguinte, 1958, seria a vez da ressurreição de Drácula pela mesma equipe responsável por Frankenstein. Um dos segredos da Hammer era, justamente, manter uma equipe permanente para, dessa forma, garantir o mínimo de qualidade e continuidade a seus filmes produzidos em série. O Vampiro da Noite (Horror of Dracula) fez ainda mais sucesso. Não era para menos. Em vez de ameaçar, com gestos teatrais, vítimas de olhos esbugalhados, a exemplo do que fizera Bela Lugosi em anos anteriores, o Drácula de Christopher Lee partia para as vias de fato. Suas vítimas, jovens em trajes imaculadamente brancos e despudoradamente decorados, ofegavam de prazer ante a iminência da mordida fatal. E o sangue jorrava em profusão, filtrado pelas lentes do operador Jack Asher.
De fato, o Drácula de Fisher, não fosse vivido por Christopher Lee, estaria mais para um Don Juan noturno do que para uma criatura abominável. É Lee, com sua estatura elevada, voz altissonante e olhos demoníacos, que dá ao vampiro a dose necessária de perversidade e sensualidade tão decisiva para a continuidade do sucesso do vampiro, da série e do próprio ator, que a partir daí nunca conseguiria livrar-se do personagem, condenado a revivê-lo em inúmeras sequências nas décadas seguintes.
Decisivas, sobretudo, para a felicidade de Tony Hinds e Michael Carreras, que a essa altura riam à toa. Apesar de menosprezados pelos críticos, que não viam neles nada mais do que subprodutos sensacionalistas, destinados a aplaudir o sadismo de plateias de gosto pouco apurado, The Curse of Frankenstein e Horror of Dracula totalizaram, juntos, um lucro de 4 milhões de libras para a companhia, constituindo-se no maior sucesso financeiro da Hammer. A verdade, porém, é que o êxito jamais se repetiria, apesar de a empresa ter utilizado os mesmos personagens em vários outros filmes.

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