"À Meia-Noite Levarei Sua Alma": O Marco Inaugural do Horror no Cinema Brasileiro
Considerado um divisor de águas na história do cinema nacional, "À Meia-Noite Levarei Sua Alma", lançado em 1964, é o filme que introduziu o gênero de horror no Brasil e apresentou ao mundo o icônico personagem Zé do Caixão. Dirigido, escrito e estrelado pelo cineasta José Mojica Marins, o longa-metragem se destaca por sua originalidade, ousadia e pela criação de uma mitologia própria que reverbera até hoje no imaginário popular e na produção cinematográfica do país.
A trama, ambientada em uma pequena e supersticiosa cidade do interior, acompanha a jornada macabra de Josefel Zanatas, o coveiro local conhecido como Zé do Caixão. Figura niilista, sádica e declaradamente ateia, ele aterroriza os moradores com sua visão de mundo profana e seu desprezo pelas convenções sociais e religiosas. Sua grande obsessão é encontrar a "mulher perfeita" que possa gerar um filho seu, garantindo a continuidade de seu sangue e, para ele, a única forma de imortalidade.
Para alcançar seu objetivo, Zé do Caixão não mede esforços e comete uma série de atos brutais. Ele assassina sua esposa, que considera infértil, e volta sua atenção para Terezinha, a noiva de seu melhor amigo, Antônio. A violência e a crueldade de seus atos chocam a comunidade, que se vê impotente diante de sua maldade.
Realizado com recursos escassos e de forma quase artesanal, "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" é um testemunho da criatividade e da perseverança de Mojica. O diretor, que também assumiu o papel principal após não encontrar um ator que considerasse adequado, imprimiu ao filme uma estética única, com forte uso de claro-escuro, ângulos de câmera inusitados e uma atmosfera de pesadelo que amplifica o horror da narrativa.
A criação do personagem Zé do Caixão, com sua indumentária característica – capa preta, cartola e unhas longas – e seus discursos filosóficos sobre a vida e a morte, foi inspirada em um pesadelo do próprio Mojica. A figura tornou-se instantaneamente um arquétipo do mal e da transgressão, desafiando a moralidade e a religiosidade da sociedade brasileira da época.
Além de José Mojica Marins no papel principal, o elenco contou com Magda Mei como Terezinha, Nivaldo Lima como Antônio e Valéria Vasquez como Lenita, a primeira esposa de Zé do Caixão. As atuações, embora carregadas de um tom teatral característico da época, contribuíram para a construção do clima de estranheza e pavor do filme.
No seu lançamento, "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" provocou reações extremas. Parte da crítica o rechaçou, considerando-o grotesco e de mau gosto. No entanto, o filme foi um sucesso de público, atraindo multidões aos cinemas, curiosas para testemunhar a audácia daquela produção nacional. Com o tempo, a obra passou a ser reavaliada e hoje é unanimemente reconhecida como um clássico e um dos filmes mais importantes da cinematografia brasileira.
Legado e Importância
"À Meia-Noite Levarei Sua Alma" é fundamental não apenas por ser o primeiro filme de horror do Brasil, mas por ter estabelecido as bases para um cinema de gênero genuinamente nacional. A obra de Mojica influenciou e continua a inspirar gerações de cineastas brasileiros que se aventuram pelo fantástico e pelo terror.
O personagem Zé do Caixão transcendeu as telas e se tornou um ícone da cultura pop brasileira, sinônimo de horror e rebeldia. O filme deu origem a uma trilogia, com as sequências "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1967) e "Encarnação do Demônio" (2008), consolidando o universo sombrio e particular criado por José Mojica Marins, um dos mais autênticos e visionários artistas do cinema brasileiro.
At Midnight I’ll Take Your Soul (1964)
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