quinta-feira, abril 28, 2011
Pablo Neruda
Vinte poemas de Amor e uma canção desesperada
"Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada
e tiritam, azuis, os astros à distância".
O vento desta noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis e por vezes ela também me quis.
Em noites como esta apertei-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela me quis e às vezes eu também a queria.
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela.
E cai o verso na alma como o orvalho no trigo.
Que importa se não pôde o meu amor guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.
(...)
A mesma noite faz brancas as mesmas árvores.
Já não somos os mesmos que antes tínhamos sido.
Já não a quero, é certo, porém quanto a queria!
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.
Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
Ah, é tão curto o amor, tão demorado o olvido.
Porque em noites como esta a apertei nos meus braços
minha alma se exaspera por havê-la perdido.
Mesmo que seja a última esta dor que me causa
e estes versos os últimos que eu tenha escrito."
NERUDA, Pablo. Vinte Poemas de Amor e Uma canção Desesperada. Rio de Janeiro, 1978, pág. 64-67
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