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terça-feira, maio 10, 2011

A Bagaceira



José Américo de Almeida

(...)
"Era um clamor assim como um trovão enfurnado.
Soledade correu ao engenho e pôs as mãos na cabeça:
– Mas que judiação!
A moagem parada.
Dagoberto não tivera dúvida: amontoara a palha seca debaixo da barriga do chamurro empacado e tocara fogo.
Queria ver se não puxava. Era para amansar...
Assado vivo, o boi teimoso soltava uns urros lamentosos e sacudia os chifres encorreados. Mas davam-lhe com o chiqueirador nas ventas que era a parte mais sensível. E, às recuadas, ele torcia os
quartos, num berreiro que já não era mugido, mas um uivo formidável.
Todo o bangüê rangia.
E chegavam-lhe ainda o ferrão para ir a ferro e fogo.
Quanto mais brutalizado, menos o chamurro acertava andar à roda. E chorava. Chorava, de verdade, com dois fios grossos escorrendo-lhe pelo focinho úmido.
Lavarinto, jungido aos canzis, ruminava, filosoficamente, com a sua filosofia estóica. Limitava-se a abanar as orelhas, quando a canga repuxada nos arremessos da parelha lhe magoava o cachaço
negro intumescido, talvez para refrescar a dor.
Soledade estava acostumada a ver bichos esfolados e esquartejados, o choro dos bezerros na ferra, os rebanhos carpindo-se no sangue fraterno, a rês levantando-se náfega das mucicas da
vaquejada, as ossadas da seca... Mas, não havia termo de comparação com esse suplício novo dos mártires da almanjarra.
Era a sorte dos bois sertanejos na bagaceira."
(...)

ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1978, pág. 51

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