sexta-feira, abril 03, 2009
Os 'bicões' nas vernissages
(Detalhe do desenho do cartunista César, O Globo, 1991)
Vernisseiros é o nome chique para os famosos ‘bicões’. No caso, são aqueles que encontramos no dia da abertura de exposições de arte, as vernissages. Com o tempo, fui colecionando casos e tipos de vernisseiros. Eis um tratado geral desses simpáticos e ao mesmo tempo inconvenientes bicões.
Trajes. O Vernisseiro geralmente está mal vestido. Veio com a primeira roupa que viu em casa ou saiu direto da faculdade para a exposição.
Comportamento - Geralmente é tímido, mas vai se ‘soltando’ a medida que completa copos de vinho. No início fala de obras de arte, mas depois quer conversar sobre buffets. Aqui ele é realmente um expert no assunto.
Canapés - Olhe para a bandeja de canapés e você verá um vernisseiro. Ele é aquele que olha para cada canapé como se estivesse numa feira livre escolhendo a melhor batata. Geralmente ele pega dois, três e até quatro canapés de uma única vez. Sabe equilibrar essas guloseimas com maestria entre os dedos.
Copo - Ele vive trocando de copo, pois sempre deixa um no banheiro ou o esquece no corrimão da janela ou da escada. Se for servida mais de uma qualidade de vinho, ele é capaz de provar todas. E se alguém perceber, ainda arrisca em falar da qualidade e dos aspectos do vinho (geralmente de qualidade duvidosa).
Amizades – Ele não conhece os artistas e os convidados, mas tem uma facilidade enorme em fazer amizades com os garçons.
Estrategista– Ele sabe muito bem colocar em prática a ‘teoria do cerco’. Funciona assim: com o próprio corpo,o bicão obriga o garçon a levar a bandeja pra direita. Em segundos, com a mão esquerda, ele arrebata um quitute. É incrível a flexibilidade manual desses vernisseiros.
Educação – O vernisseiro sai da vernissage sem cumprimentar o artista, mas fica com saudades do canapé de atum. Sequer lembra quem é o autor das obras, mas é capaz de chamar os garçons pelos nomes pois já os conhecem de outras exposições.
Pontualidade – Ele chega cedo para não perder a primeira rodada de vinho, faz um rápido passeio pela sala e depois vai ancorar bem perto do local onde há maior fluxo de garçons. E sai tarde da exposição, acreditando que ainda tem ‘alguma coisa’ na cozinha.
Críticos - Vernisseiro não critica obras de arte, mas acha um absurdo servirem somente vinho numa vernissage. E ainda é capaz de conferir o rótulo da garrafa para uma avaliação final da exposição. Já na entrada, do lado de fora do prédio, faz uma análise preliminar da qualidade da exposição ao identificar o caminhão do serviço de buffet.
Mão na obra – É aquele que tenta entender a obra colocando a mão na tela. Em uma exposição, duas jovens vernisseiras, apreciadoras de vinhos, tinham essa mania. Um senhor, amigo do artista, solicitou que elas não tocassem na obra. As lindas jovens, sempre sorrindo, se desculparam: “É que o quadro é tão bonito!”. O senhor respondeu na hora: “Vocês também são muito bonitas e eu não fico botando a mão em vocês”.
Assinatura – Toda a exposição tem um livro de assinaturas. O vernisseiro profissional evitar ser o primeiro a assinar para não chamar a atenção. Se der, ele assina horas mais tarde, mas a maioria esquece esse detalhe para se concentrar naqueles ‘fantásticos homens de terno branco com suas inacreditáveis bandejas coloridas”.
Cuidados - Jamais ofereça algo além de canapés e vinhos na taça. Experimente colocar os quitutes em uma única mesa. A exposição parecerá vazia, pois os vernisseiros se concentrarão na rodinha dos salgadinhos.
Olhar - Um olho no gato e outro na sardinha. O vernisseiro conversa dessa forma: com um olho em você e outro tentando encontrar a localização exata do salgadinho mais próximo.
Self service – Cuidado com esse tipo de serviço. Vernisseiros são inaptos para cortar queijos, pães e sempre misturam as faquinhas dos patês. Isso quando não entornam o vinho na mesa ou resolvem improvisar sanduíches com tudo que eles acham que tem direito. Transformam canapés em Big Macs.
Palitos - No início, o vernisseiro é capaz de usar palitos ou guardanapos para segurar os salgadinhos. Mas não fazem cerimônia em botar as mãos em um ou dois quitutes em uma única vez, ignorando qualquer tipo de apetrecho que possa atrasar e desperdiçar a rodada de quitutes.
Nível superior - Vernisseiros universitários andam em bando de até quatro pessoas, em média. Não tem constrangimento em levar mochilas para a vernissage. Sabem que qualquer salgadinho ‘free’ é melhor do que a gororoba da república. “É que nós somos estudantes de arte!”.
Então, tá.
Utilidade – Vernissage sem vernisseiros não é vernissage. Ruim com eles, pior sem eles. Vernisseiros são úteis para preencher espaços vazios, evitando que o artista fique com a sensação de pouco prestígio. Foi assim que muitos bicões já evitaram o fracasso da abertura de muitas exposições. Em Maringá, havia uma funcionária da prefeitura que convidada as pessoas da seguinte forma: ‘Passa hoje a noite no Calil para comer salgadinhos com a gente!”
Convite – Teoricamente, o vernisseiro não recebe convites formais para exposições, mas é um leitor assíduo do caderno D+ de O Diário. Isso o ajuda a se programar para as exposições. Durante as vernissages, dispensa um tempo considerável conferindo os cartazes com as datas dos próximos ‘coquetéis culturais’
Idosos - Gente da terceira idade também curte exposições, principalmente os recheios. Certa vez uma senhora foi a uma exposição um dia antes da vernissage. O artista lamentou o equívoco e a convidou para apreciar as obras antes do dia da abertura. Mas a vernisseira não segurou o desapontamento: “Então, hoje não vai ter bebidinha?”
Conclusão – Vernisseiro também “quer comida, diversão e arte”. Bem, a maioria fica somente com a primeira opção, curte a segunda e desconhece o que vem a ser a terceira. (Bulga)
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