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segunda-feira, agosto 25, 2025

O machismo na imprensa brasileira

 Revista Manchete (1978) sobre o caso Claudia Maria Silva.  O machismo na imprensa brasileira. A reportagem reflete valores dos anos 1970, onde: 

A sexualidade feminina era patologizada

.Crimes contra mulheres eram justificados por "comportamento desviante".

A mídia reforçava estereótipos que culpabilizavam vítimas de violência.

 A cobertura do caso naturaliza a violência masculina (ciúme, controle) e transforma Claudia em símbolo de "degeneração moral", em vez de focar na responsabilidade do Estado e da sociedade pelo avanço das drogas e pela violência de gênero.




Contexto do Caso

  • Vítima: Claudia Maria Silva, 18 anos, de família humilde (Petrópolis-RJ).

  • Óbito: Corpo encontrado em 12/07/1978 (madrugada de quarta-feira) em terreno baldio, próximo a ponto de uso de drogas.

  • Cena do crime: Sentada com cabeça apoiada em banco de cimento, blusa arregaçada e suéter amarrado no pescoço. Inicialmente suspeita de estrangulamento, descartada pelo legista.


Causa da Morte & Investigação

  1. Laudo médico:

    • Causa oficial: "Insuficiência respiratória aguda" (Instituto Médico-Legal,).

    • Hipótese: Overdose por "dose excessiva de tóxico". Exames toxicológicos pendentes.

    • Sexo antes da morte?: Investigação sobre relações sexuais no IML.

  2. Hipótese policial :

    • Claudia usou drogas em ponto conhecido, passou mal, caminhou e desfaleceu no local.

    • Possível omissão de socorro por eventuais acompanhantes.


Relações Pessoais e Conflitos

  • Namorado (principal suspeito)

    • Ciumento, vigiava Claudia e brigava por seus amigos.

    • Alega ter procurado Claudia na noite do sumiço, mas não a encontrou.

    • Escondido por medo de prisão preventiva.

  • Família de Claudia: Acusa a família do namorado, especialmente sua irmã , de "perverter" Claudia ("fazer a cabeça").

  • Família  do namorado: Nega influência negativa. Afirma que Claudia se sentia acolhida por eles.


Histórico de Claudia

  • Transformação:

    • Até os 14 anos: "Caseira e travessa".

    • Após ingressar no Colégio Progresso: Mudou visual, vocabulário (gírias) e hábitos.

  • Envolvimento com drogas:

    • Fumava maconha no "porão da sala 14" com colegas.

    • Frequentava festas com tráfico aberto ("tóxico circulava mais que guaraná").

  • Conflitos familiares: Envergonhava-se da pobreza dos pais. Relação conturbada com o pai (ex-vigilante aposentado por problemas neurológicos).


Dinâmica Social e Policial

  • Conexão com drogas:

    • Morte vinculada ao submundo do vício em Petrópolis, mesmo após campanha antidrogas na cidade.

    • Delegado Carnos investiga rede de usuários de "diversas classes sociais".

  • Sensacionalismo midiático:

    • Comparação com o caso Claudia Lessin (corpo encontrado na Av. Niemeyer).

    • Linguagem moralista: "Perdição", "namorideira", "submundo do vício".

  • Machismo estrutural:

    • Foco na vida sexual da vítima ("virgindade").

    • Justificativas que culpabilizam Claudia por sua "transformação".


Conclusões da Reportagem

  1. Vazio de respostas:

    • Laudos inconclusivos e hipóteses contraditórias (crime vs. overdose acidental).

    • Adalberto é suspeito, mas não há provas.

  2. Crítica social:

    • A morte de Claudia simboliza o pânico das famílias ante a escalada das drogas.

    • Questiona: "Quem vai parar a onda de crimes ligados ao tráfico?"

  3. Narrativa de decadência:

    • Construção de Claudia como "vítima do próprio estilo de vida", reforçando estereótipos sobre pobreza e drogas.


Notas Críticas

  • Vieses da reportagem:

    • Criminalização do comportamento da vítima.

    • Foco em dramas pessoais em detrimento de análise estrutural (tráfico, falhas policiais).

  • Legado: Caso expõe a naturalização da violência contra mulheres pobres nos anos 1970, além do estigma associado às drogas.

  • Trechos Machistas Identificados

    1. Culpabilização da vítima por sua "transformação" e associação a "más influências femininas"

    *"Patentes e amigos são unânimes em afirmar que as amizades do colégio foram 'a perdição da moça'"_ (p. 2).
    *O  pai de Cláudia localiza a infelicidade da filha na figura da amiga [...] 'Foi ela quem fez a cabeça de Claudinha'"_ (p. 2).
    Análise: Atribui a "degeneração" de Claudia à influência de outra mulher, ignorando fatores sociais e eximindo homens de responsabilidade.


    2. Julgamento moral sobre sua vida sexual

    *"No Instituto Médico-Legal, também estão sendo feitas pesquisas para saber se Claudinha manteve ou não relações sexuais antes de morrer"_ (p. 5).
    Análise: A investigação sobre sua virgindade é irrelevante para a causa da morte (overdose), mas reforça a ideia de que o "valor" da vítima está em sua pureza sexual.

    *"O namorado  alega não ter sido o primeiro [parceiro sexual]. Mas Regina [...] garante: 'Foi ele mesmo'"_ (p. 2).
    Análise: A discussão sobre "quem a desvirginou" reduz Claudia a um objeto de posse masculina.


    3. Estigmatização de sua autonomia social e sexual

    *"Claudinha se tornaria o que em Petrópolis chamam de 'namorideira'"_ (p. 2).
    Análise: O termo pejorativo "namorideira" (usado exclusivamente para mulheres) criminaliza sua liberdade afetiva.

    *"Vários nomes se incorporaram à lista das intermináveis discussões dos dois"_ (p. 2).
    Análise: Sugere que Claudia era "promíscua", enquanto o ciúme violento de Adalberto é normalizado.


    4. Dupla moral em relação ao uso de drogas

    *"Descreverão [...] as festas de embalo frequentadas pela moça, nas quais o tóxico circulava mais do que o guaraná"_ (p. 5).
    Análise: Claudia é destacada como a "frequentadora" (sujeito ativo), enquanto homens são coadjuvantes ("muitos jovens serão interrogados").

    5. Romantização de relacionamento abusivo

    *"Ela, embora discutisse, não deixou de considerá-lo 'amor de sua vida'"_ (p. 2).
    Análise: Justifica o controle ddo namorado sobre ela como "paixão", minimizando seu comportamento possessivo.


    6. Responsabilização indireta pela violência sofrida

    *"Para o suporte era andar de moto ou curtir o som nos clubes [...] Não escondia 'certa vergonha pela humildade de sua família'"_ (p. 2).
    Análise: Associa sua morte às escolhas de lazer e à rejeição da pobreza, como se fossem "convites" à violência.


    Padrão Machista na Narrativa

    • Foco na sexualidade: A vida sexual de Claudia é tratada como elemento central do caso, enquanto o histórico do namorado (ciúme, vigilância) é minimizado.

    • Linguagem moralizante: Termos como "perdição", "namorideira" e "desajustada" criminalizam sua autonomia.

    • Desigualdade de gênero: Homens são "viciados" ou "namorados"; Claudia é "a moça que se perdeu".


 

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