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sexta-feira, junho 19, 2009

A Alma do Cinema


Acusaram-me de fugir à  realidade e de refugiar-me no sonho.
Penso que não se pode considerar a realidade como um panorama de uma superfície única, pois uma paisagem tem várias espessuras. E a mais profunda-aquela que somente a linguagem poética pode revelar-não é a menos real.
Quero ir além da epiderme das coisas. Chamam a isso o gosto do mistério.
Aceito de bom grado esta expressão, com a condição de escrevê-la com M maiúsculo. Não me refiro a um certo mistério, cultuado por alguns, e que não passa de um sucedâneo poético com que querem salpicar a realidade. Para mim, este Mistério é o mistério do homem, as grandes linhas irracionais de sua vida espiritual: o amor, a salvação, a redenção, a encarnação ... No centro dessas espessuras sucessivas está Deus, que, para mim, é a chave dos mistérios.
Creio que Jesus é não somente o maior personagem da História da Humanidade, mas que ele continua a sobreviver em todo aquele que se sacrifica pelo seu próximo.
Ignoro os dogmas católicos. Sou, talvez, um herege. Meu cristianismo é bruto.
Não freqüento os sacramentos.
Mas penso que a oração poderia ser considerada como uma ginástica, que nos aproximaria cada vez mais do sobrenatural. Pratiquei-a antigamente. Agora, só sei rezar na hora do medo e da tristeza.
É preciso saber rezar na hora da alegria. Entrevi o caminho certo da salvação.
Antes, a religião era, para mim, uma simples suspeição da alma.
Um dia, encontrei um anjo que me estendeu a mão. Segui-o. Mas, depois de ter dado alguns passos, deixei-o e voltei atrás. Ele, porém, permaneceu em pé, no mesmo lugar, esperando-me. Eu o revejo, nos momentos de sofrimento, cada vez um pouco mais envolto em brumas. Eu lhe digo: "aspetta", "aspetta", como eu faço com qualquer um.
Receio que, um dia, eu o chame e não mais o possa encontrar. Mais do que Jesus, o anjo foi sempre aquele que me desperta do meu torpor espiritual.
Quando eu era criança, ele era a encarnação de um mundo fantástico.
Depois, ele se tornou a encarnação de uma urgência moral. (Federico Fellini)
Giulietta Masina & Federico Fellini in Cannes, 1957.

Um comentário :

Guilherme ... disse...

Fellini é do caralho!
Poucas cenas são melhores do que a primeira do filme 'Oito e meio'