quarta-feira, junho 17, 2009
Menino brinca com boneca?
Você daria uma boneca para o seu filho? Ou você daria um carrinho para sua filha brincar? Foi com essas perguntas que eu abri uma matéria publicada em 2002 no jornal O Diário sobre o lançamento do livro O Menino que Ganhou uma Boneca” de Majô Batistoni. E o debate retorna agora com a adaptação do livro para o palco. A pela começa a ser encenada a partir de hoje em Maringá. Eis parte do texto publicado em O Diário.
O debate sobre o papel social dos sexos no processo de educação das crianças cresceu em Maringá após a publicação do livro “O Menino que Ganhou uma Boneca”. A autora, membro do grupo Vez e Voz da Mulher, não imaginava tanta polêmica ao contar a simples história de um menino que brincava de ser pai.
O psicanalista Raymundo de Lima, doutorando em Educação pela USP, se surpreendeu com o conteúdo do livro, pois a obra abre um bom debate sobre a dimensão psicológica, ética, moral e cultural da sociedade. “Quem criticaria o machismo anos atrás? O livro não visa apenas embalar, mas abalar os nossos preconceitos”. A publicação mostra, então, um avanço nessas discussões.
Lima também debateu o conteúdo do livro com o filho Igor, 9 anos (em 2002, época da reportagem e do lançamento do livro). A criança já foi vítima de preconceito – acredite se quiser – pelo fato de estudar piano clássico. Arredio no início, Igor leu o livro de Majô e gostou. “O livro é destinado às crianças, mas deve ser lido principalmente pelos professores”, acrescentou o psicanalista.
Boa parte dos homens se chocou com o conteúdo da publicação. Até uma orientadora educacional disse preferir ter um filho machista ao invés de presenteá-lo com uma boneca. Baptistoni também ouviu muitas piadas de colegas. Um amigo chegou a dizer que o filho dele somente brincaria com boneca se essa fosse “inflável”.
A autora ressalta, contudo, a importância de eliminar o complexo de culpa de meninos que brincam ou já brincaram de boneca. Como poucos pais compram esse tipo de brinquedo para os filhos, essas crianças acabam brincando com as bonecas da irmã ou de uma coleguinha. Porém, os meninos deixam a brincadeira de lado quando começam os apelidos de “maricas” ou “boiola”.
Mas o conteúdo da publicação é tão polêmico assim? “O Menino que Ganhou uma Boneca” conta a história de Paulinho, um menino de 4 anos que ganhou o inusitado presente. Ele e a família desconhecem quem foi o autor do agrado. Chegam a imaginar a possibilidade de ter havido alguma troca de embrulhos na loja.
Mas Paulinho acaba gostando da boneca, apesar dos preconceitos dos coleguinhas. Mais tarde, a tia tem um bebê e ele descobre que o tio sequer sabia segurar a criança.
Paulinho passa também aceitar as meninas brincando de carrinhos. Afinal, assim como as mães, elas também serão motoristas quando crescerem. “O final não precisa ter uma moral da história, mas uma proposta de reflexão, de ato”, comenta Lima. E acrescenta: “a liberdade do ser humano é a opção de escolhas. O maior perigo, contudo, é alguém escolher por ele”.
A psicóloga Marta Dalla Torre Fregonezi, psicanalista em formação na Biblioteca freudiana de Curitiba, também observa: “Visto pelo viés da psicanálise, todo sujeitinho quando vem ao mundo, vem para ocupar um lugar idealizado por estes que o aguardam, pais e familiares. É, portanto, na expectativa desse adulto que ele se constrói como menino ou menina. Lugares que sempre foram bem definidos entre o rosa e o azul e pelos papéis sociais como ‘isso é coisa de menina, coisa de mulher, ou homem não chora’”.
Historicamente, a psicóloga analisa as mudanças ocorridas após a 2ª Grande Guerra, o advento da pílula anticoncepcional e outras revoluções compor-tamentais. Esses momentos derrubaram a ingênua crença de que a diferença sexual se faz apenas por referência externas.“As brincadeiras só correm risco de se transformarem em ‘verdade’ se o olhar que o adulto lhe dirige estiver marcado por preconceitos e medo, antecipando o que não é. Dar lugar, antes de qualquer coisa, à criança para ser criança, é possivelmente garantir ao menino vir a ser homem e a menina vir a ser mulher, nesta diferença radical de sexo. Diferença necessária pois constrói a família, mas que não impede de serem parceiros ao invés de estarem no eterno embate masculino/feminino, homem/mulher”, arrebatou Fregonezi.
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