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sexta-feira, novembro 09, 2007

QUEM MANDOU SER JORNALISTA?

A revista cultural Verve (Rio de Janeiro) publicou um ótimo artigo de Ney Reis em 1991. Questionava a situação dos jornalistas no mercado de trabalho. O pior é que 16 anos depois, pouca coisa parece ter mudado.
“Quem mandou ser Jornalista?”


O jornalismo virou um grande balcão de negócios, e o jornalista, um espécie de proletário da cultura, mal-educado e mal-remunerado.
Enquanto jogadores de futebol cobram videocassetes e Ferraris para dar entrevistas e para ganhar jogos (sua obrigação profissional, afinal de contas!), jornalistas proletarizados transformam suas casas em similares das repúblicas de estudantes e inauguram tribos de lúmpen-intelectuais dentro de apartamentos.

As redações parecem filiais da Rua Sete de Setembro, o paraíso dos camelôs, e ali são vendidos pijamas, colchas, camisas, bolos, bolões, rifas, raspadinhas, cosméticos, sanduíches naturais, salgadinhos, empadas, sem falar no cafezinho grátis, "magnanimamente" oferecido pelas empresas, que provocam uma romaria de famintos aos corredores das mesmas, onde filas de subempregados sorridentes enfeitam de silenciosa infâmia o interior dessas modernas minas de "extraçâo" de notícias. O jornalista é, hoje, o que o mineiro de carvão e o garoto escravizado nas fábricas da Revolução Industrial foram um dia: prisioneiro de seus patrões e de uma realidade aviltante. Se notarmos que com Cr$ 20 mil não se paga o aluguel de um conjugado no Méier, descobrimos que esse tipo de discurso não é nem um pouco alarmista ou exagerado.
Outro reflexo dessa situação exasperante é a proliferação do jabá, aquele "presentinho" sempre benvindo - um recurso usado pelas empresas e suas assessorias de comunicação para verem divulgados na imprensa os seus produtos culturais (discos, livros, vídeos, longa-metragens etc) ou não (biquinis, relógios, jóias, carro, aparelhos de som, objetos de uso pessoal etc). A imprensa perdeu muito do seu papel de vigilante político-social e de informadora e formadora da chamada opinião pública, transformando-se aos poucos em balcão de negócios. Balcão, aliás, é o nome da mais bem sucedida iniciativa empresarial no setor: um jornal só de classificados...
O resultado dessa situação é a debandada dos profissionais mais intelectualizados e capazes, que trocam as outrora atraentes e excitantes redações dos jornais pelas tediosas assessorias de comunicação de empresas, públicas ou privadas, e até pela carreira política, bem mais "promissora". Nesse caso, bem que a popularidade conseguida através da profissão ajuda, numa espécie de "remuneração indireta" (...).
O trágico nisso tudo é que a história ensina: não há democracia forte com uma imprensa fraca, proletarizada, em lugar nenhum do mundo. No futuro, se persistir essa situação no Brasil, veremos redações repletas de "dungas" da informação (esforçados, porém medíocres), com algumas "ilhas de saber" (aqueles profissionais mais acomodados e menos ambiciosos que serão as reservas de talento e competência dos jornais, ocupando cargos-chave). No futuro?...
Por enquanto, o que vemos em algumas redações é uma espécie de proletário intelectual e um exército de sub-proletários semi-intelectualizados - os primeiros condenados à discutível glória de chefiar as editorias (com um salário nada comparável à sua responsabilidade), e os segundos igualmente condenados a ser eternos focas.

O jornalista Paulo Francis tinha razão, quando escreveu há tempos no jornal Folha de São Paulo: não existe mais aquele jornalismo romântico, onde qualquer um podia ser "Cinderela" e acordar, um dia, no topo da carreira, tendo começado como office-boy; agora, o que há é "trabalho pesado" e nenhuma, ou pouca chance de ascensão.
 A situação é tal que até o perfil do profissional mudou. Algumas manias também: hoje, o jornalista é, em média, jovem (entre 22 e 30 anos), ligeiramente culto, | comete muitos erros de português e desconhece a maioria dos assuntos dos quais tem que tratar. Para conhecer um deles sem ter que perguntar, observe: o jornalista é aquele cara que sempre finge não te ver quando você não é importante, ao cruzar contigo no corredor; se você estiver vendo o noticiário de tevê, sentado numa cadeira na redação (onde há sempre uma tevê ligada), o jornalista típico é aquele que vai fingir que não notou sua presença e puxará assunto com outra pessoa bem na sua frente, na hora da cena mais importante; se o telefone tocar, ele vai deixar a campainha soar várias vezes, até atender o aparelho com um mau humor indisfarçável; o banheiro que ele frequenta é sempre sujo, seu humor só melhora quando chega algum presente (cortesia ou Jabá pelo correio e, a menos que você tenha caído nas graças do coleguinha, ele será dissimulado e às c vezes até debochado contigo (quase nunca pela frente, evidentemente); se o jornalista for mais velho, e principalmente se for editor, atenda o telefone sempre que tocar porque ele, uma pessoa tão ilustre, jamais fará uma tarefa tão reles. E atenção, divulgadores: a menos que vocês cheguem às redações com uma sacola cheia de
brindes, preparem-se para serem tratados como as mais insignificantes das pessoas. E por aí vai...
Enfim, caro colega ou leitor: acabou-se o que era doce. Pois se nem nas novelas, os últimos redutos da fantasia e do sonho, nós da imprensa somos tratados com um mínimo de ,
simpatia e respeito (geralmente somos caracterizados como devoradores de más notícias, pentelhos incorrigíveis, semi-idiotizados intelectualmente e desmedidamente ambiciosos, é porque a vaca foi para o brejo e um jornal tornou-se o local menos recomendável para nossos filhos e netos trabalharem. A não ser que eles, como nós - que já estamos no barco até o pescoço-, não tenham alternativa. Oh,vida...

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