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terça-feira, junho 28, 2011

Da história

Os arquivos da ditadura que os militares brasileiros querem ocultar

Documentos da ditadura militar brasileira, obtidos pelo jornal Página/12, trazem detalhes inéditos dos arquivos que a presidenta Dilma Rousseff quer tornar públicos. Militares resistem à divulgação desses arquivos. Matéria publicada no domingo, dia 26, no jornal argentino traz informações sobre atuação de Azeredo da Silveira, chanceler do general Geisel, que antes de assumir o Itamaraty comandou a embaixada na Argentina, onde teria sido um “pioneiro do terrorismo de Estado regionalizado”. Da leitura de centenas de papéis em poder do Página/12 fica claro que os contatos eram frequentes, e grande a afinidade dos militares brasileiros com os golpistas de 1976 na Argentina.
Dario Pignotti, Página/12

“O ex-presidente argentino Juan Perón esteve na mira dos serviços de inteligência brasileiros. Isso é quase um fato. Participei de reuniões com ele, se pressentia que nos vigiavam. Se abrirem os arquivos da ditadura, como quer a presidenta Dilma, surgirão mais provas disso”.

A afirmação é de João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Melchior Goulart, Jango, amigo do general argentino por mais de duas décadas. Transcorridos 47 anos da derrubada Jango e 38 de seus últimos encontros com Perón, provavelmente espionados por agentes brasileiros, “é hora de terminar com esse longo silêncio, ainda vivemos de costas para a história dos anos 70 devido às pressões de grupos ligados ao terrorismo de Estado”, lamenta João Vicente.

Dilma Rousseff parece compartilhar essa preocupação e, na semana passada, instruiu seus ministros, em particular a titular de Direitos Humanos, Maria do Rosário, para que convençam o Congresso a aprovar imediatamente o projeto sobre a Comissão da Verdade, contra o qual se insubordinaram os chefes das forças armadas em dezembro de 2009.

“Certo dia estava em um hotel de Madri, com papai, atendi o telefone e alguém me disse: “Quero falar com Janguito, diga que sou o general Juan Perón. Eu não podia acreditar, mas era verdade. Perón estava do outro lado da linha para convidar Jango para uma conversa na residência da Porta de Ferro. Creio que era o início de 1973”, relatou Goulart ao Página/12.

“Em uma ocasião, falou-se da possibilidade de haver um acordo. Meu pai [fazendeiro] venderia carnes no marco de um plano trienal que iria ser implementado pelo governo peronista, mas que fracassou por influências do bruxo”, apelido pelo qual era conhecido José López Rega. “Ocorreram mais reuniões com Perón, outra foi em Buenos Aires. Lembro que algumas pessoas nos diziam que os serviços de Inteligência estavam rondando por ali”.

Algo parecido ocorria com o ditador Ernesto Geisel, que se referia ao argentino como a “Múmia” e o excluiu de sua cerimônia de posse, no início de 1974, da qual participaram o chileno Augusto Pinochet, o boliviano Hugo Banzer e o uruguaio Juan María Bordaberry. Geisel iniciou um período de mudanças na política externa, conhecido como “pragmatismo responsável”, caracterizado pela abertura de relações com países do Terceiro Mundo e menor alinhamento com os Estados Unidos. Este giro não implicava o fim da estratégia de contenção do comunismo. Outra marca de sua política externa foi a intensa, e por vezes contraditória, relação com o secretário de Estado, Henry Kissinger. Nenhum chanceler teve mais sintonia com Kissinger do que Francisco Azeredo da Silveira, que esteve no cargo durante o quinquênio de Geisel.

Antes disso, Azeredo comandou a embaixada na Argentina, “onde foi um pioneiro do terrorismo de Estado regionalizado; em 1970 foi o responsável pelo sequestro em Buenos Aires e transporte ilegal ao Brasil do coronel Jefferson Cardin, um militar nacionalista e brizolista que foi meu companheiro na prisão do Rio de Janeiro”, diz Jarbas Silva Marques, prisioneiro político entre 1967 e 1977. “Jefferson Cardin me disse na prisão do Rio que Azeredo da Silveira, sendo chanceler, sabia tudo sobre a Argentina e certamente sabia dessa possível espionagem sobre Perón e mandava a embaixada colaborar com os golpistas”.

“Essa é uma história pesada, estamos falando do chefe da diplomacia brasileira entre 1974 e 1979. De uma política de Estado. Até hoje há gente querendo esconder essa história debaixo do tapete, há muita pressão. Vemos o presidente do Senado, José Sarney, fazendo lobby a favor dos militares para impedir que Dilma abra os arquivos, disse Silva Marques ao Página/12.

É impossível fazer uma reconstrução acabada de todos os movimentos da diplomacia brasileira e seus pactos com os golpistas argentinos, devido à falta de documentação suficiente. Da leitura de centenas de papéis em poder do Página/12 fica claro que os contatos eram frequentes, e grande a afinidade com aqueles que perpetrariam o golpe de 1976. A guerra suja já lançada então contra a “subversão” era aprovada.

O telegrama “secreto” enviado pela embaixada brasileira no dia 3 de setembro de 1975 dá conta de uma “longa conversa” com os “comandantes Jorge Videla e Eduardo Massera”, que expressaram seu interesse em “estimular por todos os meios a aproximação das Forças Armadas” de ambos os países. Em outra mensagem “confidencial”, de 19 de fevereiro de 1975, fala-se sem eufemismos da coordenação repressiva. A nota relata um encontro oficial de diplomatas brasileiros com o ministro da Defesa argentino, Adolfo Savino, quando se tratou com “total franqueza da necessidade de um profundo entendimento de nossos países frente aos inimigos comuns da subversão”.

Durante sua conversa com o Página/12, o filho de João Goulart e Jarbas Silva Marques lamentaram o “atraso” histórico do Brasil frente a Argentina, o Chile e o Uruguai, onde “houve um ajuste de contas com a história e a verdade”, mas manifestaram esperança de que essa situação possa ser revertida. Eles, assim como vários organismos de direitos humanos, confiam no compromisso com a verdade assumido por Dilma Rousseff, vítima de prisão e torturas durante o regime militar, assim como na pressão internacional. Citam o exemplo da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Estado brasileiro por não julgar os crimes da ditadura.

Tradução: Katarina Peixoto
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