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domingo, abril 20, 2025

De Bukowski para Jane Cooney Baker

 


Cartas para Jane Cooney  Baker após sua morte.

"To Jane Cooney Baker, died 1-22-62"

e então você se foi

me deixando aqui

num quarto com uma cortina rasgada

e o Idílio de Siegfried tocando no radinho vermelho.

e então você se foi tão rápido

quanto quando você veio pra mim, 

e nós tínhamos dito adeus antes,

e quando eu estava limpando seu rosto e lábios

você abriu os maiores olhos que eu já tinha visto

e disse “Eu devia saber

que era você”

você conseguiu ver

mas não por muito tempo

e um homem velho com pernas brancas e finas

na cama ao lado

dizia, “Eu não quero morrer,”

e seu sangue veio de novo

e eu o aparei com as mãos em concha

tudo o que ficou

das noites e dos dias também,

e o homem velho ainda estava vivo

mas você não estava

nós não estamos.

e você foi como você veio,

você me deixou tão rápido

você já tinha me deixado várias vezes antes

quando eu pensava que isso me mataria

mas não

e você sempre voltava.

agora eu desliguei o rádio vermelho

e alguém no apartamento ao lado bate uma porta

a sentença final: eu não vou te encontrar na rua

o telefone não vai tocar, e nenhum movimento vai

me deixar em paz.

não basta que haja várias mortes

e que esta não seja a primeira;

não basta que eu viva mais muitos dias,

talvez até muitos anos.

não basta.

o telefone é como um bicho morto que

não vai falar. E quando falar de novo será

sempre a voz errada agora.

antes eu esperava e você sempre entrava 

porta adentro. agora você vai esperar por mim.

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PARA JANE: COM TODO O AMOR QUE EU TINHA,

O QUE NÃO FOI SUFICIENTE: -

eu cato a saia,

eu cato o colar preto

brilhante,

essa coisa que um dia se moveu

ao redor da carne,

e eu chamo Deus de mentiroso,

eu digo que qualquer coisa que se movesse

como aquilo

ou soubesse

meu nome

jamais poderia morrer

na verdade vulgar da morte,

e eu cato

o seu vestido

encantador,

todo o encanto dela se foi,

e eu digo

a todos os deuses,

deuses judeus, deuses cristãos,

lascas de coisas que brilham,

ídolos, pílulas, pão,

compreensões, riscos,

sábia renúncia,

ratos já no lucro desses dois que enlouqueceram totalmente

sem uma possibilidade,

sabedoria de beija-flor, possibilidade de beija-flor,

eu me apoio nisso,

eu me apoio em tudo isso

e eu sei:

seu vestido sobre o meu braço:

mas

eles não vão

trazê-la de volta pra mim.


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“Elogio a uma nobre mulher dos infernos”


alguns cachorros quando dormem à noite


devem sonhar com ossos

eu me lembro dos seus ossos

na sua carne

ficavam ótimos

naquele vestido verde escuro

naquele seu salto-alto turvo,

e voce sempre me amaldiçoava quando bebia

seu cabelo para baixo escorria

enquanto você parecia que explodia

mas o que te segurava:

podres memórias

dum

podre

passado,

e quando

você morreu

deixou meu presente

roto

e desde que partiu

da minha mente

há 28 anos

não saiu.

você era a única

que entendia

a futilidade

dos preparativos

da vida;

todos os outros estavam apenas

descontentes

com suas triviais existências

reclamando

sem sentido

sobre o

que não faz

sentido;

Jane, você foi

assassinada por

saber demais

aqui vai um brinde

ao seu esqueleto

que

dos sonhos

deste cachorro

fazem parte

por inteiro.

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