A poetisa lusitana lamenta a ausência da missiva natalina que o poeta brasileiro Murilo Mendes lhe encaminhava todos os anos quando vivo, ele que faleceu exatamente na capital de Portugal, Lisboa, em 13 de agosto de 1975, no mesmo ano, portanto, no qual alguns meses depois, o poema veio a ser redigido.
O poema, datado num dia como o de hoje (22 de dezembro), vale, diz Andresen, como um postal que lhe seria endereçado no momento mesmo em que ocupada ela estava com as compras do Natal, em puro estado de contingência que, a despeito de sua fugacidade, seria o mesmo a unir o Eterno a um dia na vida de cada um de nós.
J.A.R. – H.C.
Sophia de Mello B. Andresen
(1919-2004)
Carta de Natal a Murilo Mendes
Querido Murilo: será mesmo possível
Que você este ano não chegue no verão
Que seu telefonema não soe na manhã de Julho
Que não venha partilhar o vinho e o pão
Como eu só o via nessa quadra do ano
Não vejo a sua ausência dia-a-dia
Mas em tempo mais fundo que o quotidiano
Descubro a sua ausência devagar
Sem mesmo a ter ainda compreendido
Seria bom Murilo conversar
Neste dia confuso e dividido
Hoje escrevo porém para a Saudade
– Nome que diz permanência do perdido
Para ligar o eterno ao tempo ido
E em Murilo pensar com claridade –
E o poema vai em vez desse postal
Em que eu nesta quadra respondia
– Escrito mesmo na margem do jornal
Na Baixa – entre as compras do Natal
Para ligar o eterno e este dia
Lisboa, 22 de dezembro de 1975
Em: “O nome das coisas” (1977)
Referência:
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Carta de Natal a Murilo Mendes. In: __________. Coral e outros poemas. Seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2018. p. 281-282.
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