À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964)

Dirigido, roteirizado e estrelado por José Mojica Marins, À Meia-Noite Levarei Sua Alma é um marco fundamental do cinema de terror brasileiro e a estreia de um dos personagens mais icônicos do gênero: Zé do Caixão. Repleto de simbolismo, atmosfera macabra e transgressão, o filme transcende suas limitações orçamentárias para se tornar uma obra de impacto duradouro e singular.

Ambientado em uma pequena cidade rural, o filme segue Zé do Caixão (José Mojica Marins), um coveiro sádico, amoral e profundamente egocêntrico. Obcecado por perpetuar sua "linhagem perfeita", Zé rejeita o conceito de moralidade religiosa e acredita apenas na força e na continuidade do sangue. Quando sua esposa não consegue lhe dar um herdeiro, ele parte em uma espiral de crimes e violências que desafiam os limites da ética e da fé da comunidade, culminando em eventos sobrenaturais e uma promessa de vingança do além.

Zé do Caixão é uma criação única, tanto no contexto brasileiro quanto global. Diferente dos monstros clássicos do terror, ele não é uma criatura sobrenatural, mas um homem de carne e osso, movido por uma filosofia niilista e uma arrogância desmedida. Mojica Marins entrega uma performance inesquecível, com seu olhar penetrante, gestos exagerados e voz grave que tornam o personagem ao mesmo tempo fascinante e repulsivo.

O personagem é também uma crítica direta à hipocrisia e à superstição religiosa, algo que torna o filme não apenas um terror psicológico, mas também uma obra subversiva e socialmente provocadora.

A direção de Mojica é marcada por sua habilidade em criar uma atmosfera inquietante com recursos mínimos. Os cenários, que misturam o realismo do interior brasileiro com toques expressionistas, evocam um mundo sombrio e opressivo. A fotografia em preto e branco de Giorgio Attili contribui para o clima macabro, com sombras profundas e ângulos oblíquos que remetem ao cinema mudo de terror alemão.

O filme é um ataque frontal às normas sociais e religiosas do Brasil dos anos 1960. Zé do Caixão desafia abertamente a moral cristã, zombando do conceito de pecado e destino divino. Essa postura, combinada com cenas de violência explícita para a época, causou controvérsia, mas também cimentou a reputação do filme como uma obra ousada e inovadora.

Além disso, À Meia-Noite Levarei Sua Alma aborda questões universais como o medo da morte, o desejo de controle e a luta entre racionalidade e espiritualidade, tudo filtrado pelo contexto cultural brasileiro.

Embora grande parte do terror venha das ações de Zé do Caixão e de sua presença ameaçadora, o filme não negligencia o elemento sobrenatural. A promessa de vingança da mulher assassinada e a atmosfera de punição divina são manifestadas em momentos que mesclam o grotesco com o surreal, culminando em um clímax assustador e memorável.

À Meia-Noite Levarei Sua Alma não é apenas o início da saga de Zé do Caixão, mas também um dos primeiros filmes de terror genuinamente brasileiros. Ele abriu caminho para Mojica Marins explorar ainda mais sua visão singular em filmes subsequentes e influenciou gerações de cineastas.

À Meia-Noite Levarei Sua Alma é uma obra-prima do terror brasileiro, que combina narrativa provocativa, atmosfera macabra e uma performance central icônica. Apesar de suas limitações técnicas, o filme compensa com originalidade, paixão e um compromisso inabalável com sua visão transgressora.

É um filme essencial para fãs de terror e para aqueles que desejam explorar as profundezas do cinema de gênero no Brasil, sendo tão relevante hoje quanto foi em seu lançamento. Um verdadeiro clássico do horror mundial.

At Midnight I’ll Take Your Soul (1964)