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sábado, setembro 04, 2010

Cinema Santa Rita (por Carlos Vogt)

(Cinema da Cidade de Sales Oliveira, SP, inaugurado em 1908 e fechado em 1984)
Aqui, aquém, agora deste rio caudaloso de
insignificâncias,
deposito a espada de criança.
Aqui, onde se agitam emblemas fortalecidos e sujos do sangue dos combates duros,
aqui deposito a hora, o cavalo de pau, a armadura de minhas lembranças.

Aqui, neste rio que não lembra o Tejo
e que não é maior que o rio que passa pela minha aldeia, neste rio feito de imagem, celulóide, projeção e luz, rio de batalhas memoráveis pelos feitos heróicos de
generais quiméricos, divisar conspícuo de províncias convictas,
águas virgens de realidade
rios de bêbados em barcos sérios.

Aqui, como se conta, quase por nada
naufrágios rasos obstruíram o curso de históricas descobertas,
meninos proibidos de assistir ao filme impróprio tomaram de assalto na noite erma o alçapão do assoalho
por trás da tela, na popa da aventura extrema, fizeram correr, com a cena nua da atriz francesa d' A Chicotada,
rios infantes de esperma.

Rio Grande, não destes de fronteiras territoriais, este de Minas e São Paulo, entre Igarapava e Minas
Gerais, tampouco o que corria caudaloso no Cine Santa Rita, aquele que não dividia Sales de Oliveira de Orlândia mas separava bandidos e mocinhos,
a linha de cima e a linha de baixo pelos trilhos da Mogiana e, pelo mesmo leito seco de máquinas, passageiros,
comboios e litorinas, heróis e mexicanos, os Estados Unidos e o México,
O México da Hispano-América
o Brasil da América Latina
São Paulo das treze listas
Sales de nunca mais.
Rio Grande, contudo,
-feito das erosões da infância,
dos cursos caudalosos das enchentes de março
e dos outros meses anônimos em que houve cheias.
Rio teimoso
como o poema, às vezes, corre do mar para a terra e na terra se embrenha
claro, poluído, claro
contraste de vida e de morte,
rio corrente, rio parado, rio de beleza feia.
Rio onde nunca vi boi morto nem outro cão
, emplumando,
rio que não corre da serra nem para ela se oferece,
rio em cinemascope, branco-e-preto, rio em cores, águas prenhes do espanto da fruta que amadurece, rio que vi com meu pai na roda dos pescadores
no bar do seu Armando.
Rio sem águas, rio de temas, rio do não retorno,
roteiro de minhas noites,
eu menino,
eu meu pai, meu pai menino córrego de interiores
curso de cinemas
rio de morros.

Carlos Vogt é natural de Sales Oliveira, poeta, lingüista e reitor da Unicamp
(Publicado originalmente na revista Set.ed 44, 1991)

2 comentários :

jlmessias disse...

Desde 1945, navego neste Rio, de Conquista (fazenda), entre Melado e Piraguassú, não tão próximas mas iguais ao som da Mogiana que não existe mais. Tive a felicidade de entre Gordos e Magros, assistir no Santa Rita, ao Pirata Sangrento, de onde nem uma gota de sangue pingou para não poluir este Rio, que continua cristalino em meu coração.


















jlmessias disse...

Desde 1945 navego neste Rio partindo de Conquista (fazenda) passando por Melado e Piraguassú, não tão perto, mas tão iguais, ao som da Mogiana que não existe mais, tive o prazer de entre Gordos e Magros assistir ao Pirata Sangrento, de onde uma gota sequer de sangue espirrou, para não poluir este NOSSO rio.