domingo, maio 31, 2009
O Sol
O Sol nas bancas de revista,
Me enche de alegria e preguiça,
Quem lê tanta notícia?
(Caetano Veloso em Alegria, Alegria)
O Sol da canção de Caetano foi uma das maiores escolas de jornalismo. Tinha um time como Ribamar Bessa, Galeno de Freitas, Veralúcia Sastre, Tetê Moraes, João Rodolfo do Prado, Sérgio Gramático (um dos meus professores na Faculdade Hélio Alonso), Júlio Bartolo e outros. Foi o jornal que tirou os jornalistas daqueles clichês do lide e do sublide que até hoje infestam as aulas das faculdades. Dedé, então namorada de Caetano Veloso, também era da equipe de O Sol . Zuenir Ventura aceitou ser o editor-chefe. Os repórteres e redatores eram estudantes universitários. Eu fui 'estudar' a história do Sol na faculdade, graças a uma reportagem publicada na Revista de Comunicação, distruibuída gratuitamente pelos corredores. Abaixo, um texto de um repórter que foi do Sol.
Eu fui repórter do Sol (Chico Nelson)
Há uns três anos, convidado para dirigir o programa Gols do Fantástico, da TV Globo, eu entrava pela primeira vez numa grande emissora. Visitando as instalações, fascinado pela parafernália eletrõnica como garoto em filme de Steven Spielberg, vi um bando de jovens pilotando com a maior eficácia aquelas engenhocas mágicas. Apreensivo, comentei com Luiz Carlos Cabral, chefe da redação, que estava inseguro. Qualquer um deles era muito mais competente do que eu. "Bobagem", sorriu Cabral, "isso aí 'você pode aprender num instante, se quiser; o que vai contar é o que você já tem na cabeça."
Também sorri, e tíve um flash back. Era 1967 e eu entrava pela primeira vez na redação de um jornal. Estela Lachter, a editora de Cidade, conversou rapidamente comigo e me mandou fazer uma matéria no Instituto Nacional do Cãncer. Não me lembro exatamente do que se tratava. De volta à redação, não sabia o que fazer. Nem mesmo sabia bater à máquina. Estava na Faculdade há uns três meses. Em pânico, esqueci todas as regras do lead e do sublead e abri a matéria descrevendo o modo obsessivo com que o médico fumava durante a entrevista. Estela leu a matéria e levou para o diretor da redação, Reynaldo Jardim. Quando Reynaldo me chamou na sala dele e perguntou se eu nunca tinha estado numa redação, achei que minha carreira na imprensa estava encerrada, seís horas depois de começada. Timidamente admiti que era verdade. "Ótimo", disse ele para minha surpresa. E deu a conversa por encerrada. Saí desconcertado.
Era assim O Sol, um jornal sem lenço e sem documento, como a música de Caetano Veloso que lhe servia de jingle. Em vez de enquadrar seus jovens aprendizes de profissional nas camisas-de-força das regrinhas convencionais, tentava aproveitar o que cada um tinha de melhor e potencializar os eventuais talentos. Como um técnico de futebol que, em vez de subordinar a - atuação dos jogadores a um esquema tático, armava sua tática de acordo com a habilidade e as características dos jogadores.
Foi lá que eu aprendi, entre outras coisas, que seriedade nada tem a ver com sisudez. A escola era risonha e franca. Até pela roupa os repórteres do Sol eram identificados nas entrevistas coletivas. O gosto por uma certa dose saudável de irreverência e a preferência pela linguagem coloquial são outras heranças do Sol.
A mistura de uma horda de garotos entusiasmados com profissionais experientes era altamente estimulante (o dia em que Otto Maria Carpeaux, meu herói intelectual, me dirigiu a palavra, fiquei excitado durante horas). Do lado de fora da redação, Gláuber Rocha entrava em transe, Zé Celso Martinez Correa revolucionava o teatro brasileiro, Caetano e Gil viravam pelo avesso a tradição musical. Tudo isso se refletia no interior do jornal, que parecia a barulhenta mistura de uma usina e um circo. Uma única vez a redação ficou em silêncio: quando, em edição extra, um noticiário de rádio anunciou a morte, na Bolívia, de Ernesto Che Guevara.
A experiência de um jornal-escola, que suprisse as crônicas deficiências das nossas faculdades, durou pouco. O que não quer absolutamente dizer que não tenha dado certo. E só olhar a quantidade de profissionais, espalhados por todo o país, que O Sol formou.
De lá para cá, pulando da reportagem geral à política, do esporte à economia, da internacional à cultura, do jornal à televisão, cada vez que eu ia começar numa nova atividade, lembrava de meu período de aprendizado por lá. E se amanhã eu for encarregado de tentar entrevistar, numa língua absolutamente desconhecida, algum ser extraterrestre, a recordação de meu primeiro diálogo com Reynaldo Jardim voltará mais uma vez: "É a primeira vez que você faz isso? Ótimo".
Por que não?
Afinal de contas eu fui repórter do Sol. (Fonte: Revista de Comunicação – Ano 3 – Numero 12 - 1987)
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário :
Postar um comentário