essa caixa representa uma amostra preciosa do ciclo krimi alemão dos anos 1960, um subgênero híbrido entre o mistério policial gótico e o horror expressionista tardio, fortemente influenciado pelas obras de Edgar Wallace e seus derivados britânicos.
Esses filmes, produzidos principalmente pela Rialto Film, funcionam como uma ponte entre o cinema policial noir e o terror gótico e psicológico que dominaria a Europa na virada para os anos 1970 (particularmente o giallo italiano).
Eles trazem uma estética de sombras e neblina, crimes envoltos em misticismo e vilões mascarados, mas ancorados em investigações racionais — quase sempre envolvendo a Scotland Yard, mesmo quando filmados na Alemanha.
Os krimis revelam uma Alemanha pós-guerra ainda traumatizada, que transforma a culpa e o segredo familiar em enredos de assassinatos e conspirações, tudo sob uma fotografia expressionista herdada de Lang, Wiene e Murnau.
Com o tempo, o ciclo migra do preto e branco atmosférico para o colorido delirante, adiantando o caminho do horror europeu dos anos 1970.
💿 DISCO 1
A QUADRILHA DO HORROR (Die Bande des Schreckens, 1960)
Direção: Harald Reinl
Um dos pilares fundadores do ciclo Rialto, apresenta todos os elementos clássicos: fantasma vingador, cenário urbano enevoado, crime e moralidade ambígua. Reinl ainda filma de modo contido, equilibrando o sobrenatural com o policial, num tom entre whodunit e lenda gótica.
Fuchsberger, figura recorrente, encarna o detetive racional em meio à superstição — uma oposição que o ciclo retomaria constantemente.
🩸 Análise: antecipação do “assassino mascarado” e do retorno dos mortos como símbolo da culpa social; ecoa o pós-guerra alemão e a desconfiança nas instituições.
A ESTRANHA CONDESSA (Die seltsame Gräfin, 1961)
Direção: Josef von Báky e Jürgen Roland
Mais atmosférico e psicologicamente denso, introduz personagens femininas ameaçadas e um passado de segredos familiares — um molde que seria refinado no giallo.
A presença de Lil Dagover, estrela de O Gabinete do Dr. Caligari, cria um elo direto entre o expressionismo e o cinema popular dos anos 1960.
Klaus Kinski, em papel secundário, injeta o descontrole histérico que se tornaria sua marca.
🕯️ Análise: eco de Rebecca e dos thrillers de herança gótica. Trabalha a figura da mulher como vítima e depositária dos traumas do passado.
💿 DISCO 2
QUARTO 13 (Zimmer 13, 1964)
Direção: Harald Reinl
Aqui o krimi se aproxima do terror moderno: assassinos em série, erotismo contido, e violência urbana.
As cenas em boates, as vítimas femininas e a figura do detetive metódico fazem deste um proto-slasher europeu, precursor do que Bava e Argento consolidariam pouco depois.
🔪 Análise: marco da virada estética do krimi — da sugestão gótica ao choque visual. Antecede Seis Mulheres para o Assassino (1964) no tom e no ritmo.
O MONGE SINISTRO (Der unheimliche Mönch, 1965)
Direção: Harald Reinl
O último krimi em preto e branco tem uma aura quase ritualística: o assassino mascarado com um chicote simboliza o prazer na punição — um subtexto de repressão moral e fetichismo que o giallo e o horror sadiano explorariam logo em seguida.
A mise-en-scène é elegante e sombria, encerrando o ciclo clássico.
🖤 Análise: fim de uma era — a estética noir encontra o sadismo simbólico dos anos 1960. Reinl encerra o preto e branco como se encerrasse um ciclo moral.
💿 DISCO 3
O MONGE COM O CHICOTE (Der Mönch mit der Peitsche, 1967)
Direção: Alfred Vohrer
Colorido, mais dinâmico e pop. Alfred Vohrer injeta ironia e estilização — closes dramáticos, ângulos distorcidos, violência coreografada — que fazem dele o “Hitchcock alemão” admirado por Tarantino.
O ambiente escolar e o assassino mascarado remetem diretamente ao slasher e ao giallo de juventude.
🧤 Análise: desloca o horror para o terreno do espetáculo, com humor e sensualidade. O krimi torna-se autocrítica de si mesmo, flertando com o cinema de horror moderno.
O HORROR DO CASTELO DE BLACKWOOD (Der Hund von Blackwood Castle, 1968)
Direção: Alfred Vohrer
Fechamento ideal do ciclo: mistura Sherlock Holmes com horror gótico e pitadas de aventura pulp.
A criatura (o “cão”) é tanto ameaça real quanto símbolo da aristocracia decadente e da culpa que assombra os castelos europeus — ecoando o romantismo gótico inglês.
🐺 Análise: une o policial e o sobrenatural, o racional e o mítico. Uma despedida vibrante do krimi, já se aproximando do horror sobrenatural dos anos 1970.
Essa caixa forma uma linha evolutiva do krimi alemão — do noir pós-guerra ao horror de colégio colorido e fetichista.
É um retrato da transição cultural de uma Alemanha que, entre culpa e reconstrução, transformava seus medos históricos em mistério, punição e desejo reprimido.
Em termos cinematográficos, é um elo crucial entre Lang e Argento, entre o expressionismo clássico e o terror moderno europeu.
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