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quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Solto a voz nas estradas...



O momento é previsível. O cantor ajeita o microfone, regula o amplificador e pega o violão. Vai desfilar um repertório que de início pouca gente vai ouvir, mas aos poucos contará com a participação de um improvisado coral. O acompanhamento musical cresce na mesma medida que aumenta o teor alcoólico de cada freguês. Não demorará muito e o nosso cantor vai acabar atendendo aos pedidos. Aliás, aqui o cardápio musical pode ser variado, mas há canções tão clássicas como o trio chope, batatas fritas e calabresa. Ou seja: elas estão em todos os bares do país e muitos exagerados chegam a dizer que “música de barzinho é um gênero dentro da MPB”. Como se MPB fosse um gênero, mas isso é papo pra outra ocasião.

Vamos começar com a clássica das clássicas: ‘Andança’. Basta iniciar os primeiros versos e em segundos você terá a companhia de um coral de quinhentas vozes: “Vim tanta areia andei; da lua cheia eu sei, uma saudade imensa; vagando em verso eu vim vestido de cetim; na mão direita rosas, vou levar!”. E os botequeiros vibram e chegam a mostrar emoção etílica no contracanto: “Me leva amor! Por onde for quero ser seu par!” (Bis).

A composição é de 1968 e foi feita pelos então jovens Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós na casa da ex-adolescente Beth Carvalho. A música foi defendida pela própria Beth junto com os Golden Boys no 3º Festival Internacional da Canção. Outro clássico, ‘Viola enluarada’, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Vale, também é do mesmo ano. Tem versos ótimos para o cantor de bar mostrar seus dotes musicais em trechos como “A mão que toca um violão se preciso canta um hino, liberdaaaade!”.

É bom ressaltar que 1968 – o ano que não terminou - nos deu vários outros clássicos eternos de barzinhos. Podemos citar a panfletária ‘Caminhando (Pra não dizer que não falei de flores)’ de Geraldo Vandré. A música que serviu de hino contra a repressão política hoje é até cantada em bailes de formatura (eu juro!). Todos acreditam que flores podem vencer canhões. E têm aqueles que depois de uns goles teimam em cantar versos errados: ‘cão miando, cão cantando seguindo a canção’...

A música mineira tem participação cativa no repertório etílico. A mesma ‘Travessia’ que ajudou a revelar Milton Nascimento tem mostrado que é capaz de lançar no mercado botequinesco muitos outros aspirantes a uma vaga no Clube da Esquina. Se até Sarah Vaughan e Joe Williams já a gravaram, por que não o Luiz André?. Quando o cantor e violonista inicia a indefectível abertura da canção, todos no bar entoam: ‘Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver...’.

Quem também já emplacou diversos clássicos cervejeiros é a dupla Sá & Guarabira. É a responsável por ‘Sobradinho’ (‘o sertão vai virar mar, mar do coração; com medo que o mar também vire sertão’); Dona (Dona desses traiçoeiros; sonhos sempre verdadeiros...) e Espanhola. Essa última composição consegue revelar muitos cantores desafinados que tentam dar ‘uma interpretação’ pessoal no refrão ‘Tem amo espanhooola! Te amo!. Ah! Não podemos esquecer também de “Caçador de Mim’ (por tanto amor, por tanta emoção, a vida me fez assim...). Já vi gente chorar com isso.

Da Bahia temos ‘Preta Pretinha’ lançada pelos Novos Baianos no disco ‘Acabou Chorare’ de 1972. O sucesso da música é compreensível: a composição é facílima de se tocar no violão. Foi composta por Moraes Moreira e Luiz Galvão. Esse último conta que a composição fala de um romance frustrado ocorrido com ele e que os versos surgiram dentro da barca que faz a travessia entre o Rio de Janeiro e Niterói. Certa ocasião, quando esteve em Maringá, Moraes Moreira não se lembrava dessa origem de ‘Preta Pretinha’. É certo que enquanto corria a barca, a canção serviu para um anúncio de perfumaria. Com a grana dos direitos autorais, Galvão comprou um sítio. Poderia estar comprando diversas fazenda se até hoje ainda recebesse um centavo cada vez que ‘Preta Pretinha’ é tocada nos barzinhos.
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Sabendo desse filão boêmio, as gravadoras despejaram no mercado diversos discos com ‘o melhor do som dos barzinhos’. A fórmula do sucesso foi gravar os discos com um cantor e violão junto com uma platéia em um estúdio. Ou seja: quem não quer ir ao bar, improvisa um ambiente em casa. Porém, bar é bar. Quando escasseia o repertório, sempre vai aparecer um chapado para gritar “Solto a voz nas estradas, já não quero parar...”.


Interessante é que a maioria das canções é datada das décadas de 60 e 70. Temos ainda alguma coisa da década de 80, mas nem tudo vingou. Talvez um Tunai com seu maior sucesso, ‘Frisson’ (Você caiu do céu, um lindo anjo apareceu com os pés fora do chão...). As mulheres se derretem com esses versos. Cazuza é outro que marca presença com ‘Faz parte do meu show’.

Dentro do repertório rural, o país inteiro canta ‘Romaria’, de Renato Teixeira. É ótimo para o meio da noite, quando todos estão inspirados e emocionados. De sonho e de pó, esse é o destino de quem enche a cara de cerveja. Essas músicas foram feitas para quem sonha com soluções fenomenais. Servem para aqueles que falam com convicção de grandes projetos e se derramam em amores mal resolvidos. De bar em bar, alguma coisa acontece em cada coração.(Marcelo Bulgarelli)

3 comentários :

Anônimo disse...

Tudo muito bem observado, só faltou uma coisa, comum em barzinhos:

"Toca Rauuuuuuuuuul"

Antonio Roberto de Paula disse...

Marcelo, baita texto. Muito criativo. Inclua aí o "Menino da Porteira" e "Trem das Onze". E pra fechar a conta, quando o garçom estiver bem puto, "Garçom", do Reginaldo Rossi. E quando a turma estiver sendo praticamente empurrada para a rua, entra a cantoria com "Boate Azul". Marcelo, acho que você foi rude demais com a moçada que bebe, se emploga e incorpora um astro da música. Quando estiver contigo em uma mesa de bar, quando iniciarem os acordes da "Volta do Boêmio" (Boemia, aqui me tens de regresso...)vou cantoralar baixinho, mas se o álcool for suficiente pra calibrar a coragem, vou cantar a plenos pulmões, me sentindo Nelson Gonçalves nas madrugadas paulistanas. E dane-se se o Bulgarelli me inserir numa de suas crônicas no Bar do Bulga. Atire a primeira pedra aí, ai, aquele que não acompanhou o cara que estava no banquinho com o violão. Marcelo, você já foi flagrado cantando o Paulo Diniz (Eu quero voltar pra Bahia) e Simonal (Meu limão, meu limoeiro) nos bares da vida. Tô errado??? Abração.
De Paula

Marco Fabretti disse...

Quer condições melhores para os cantores e amantes de plantão?

:)

gostei do texto!