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domingo, fevereiro 07, 2010

Seres intergaláticos no meu quarto


Colecionador de gibis e esperançoso por aventuras, estava eu lá com meus 10 ou 11 anos lendo uma daquelas revistinhas da Disney quando...Uau!
“Chegaram os Kikos Marinhos! monstrinhos de verdade que você pode ter em casa!”
Era fantástico demais para ser verdade. Seres de outro planeta sendo criados no meu quarto para deixar a turma da rua babando de inveja!
Acho que devo ter torrado o saco da minha mãe, pois a próxima imagem que vem à mente são ruas de Copacabana, precisamente perto da avenida Atlântica. Caminhávamos eu e dona Martha, minha mãe. Devíamos está andando há bastante tempo, pelo que posso recordar do olhar contrariado dela. O endereço era aquele mesmo. No Rio, para comprar Kikos Marinhos, somente naquele estranho endereço em Copacabana.
Enfim, chegamos. Não era uma loja, mas um prédio residencial. O porteiro indicou o número do apartamento e lá fomos nós rumo a uma aventura que já deveria ter começado.
Lembro que o prédio era muito antigo, talvez da década de 40. O elevador ainda contava com aqueles ponteiros que indicam o número do andar. Escuro e barulhento. Sinistro, muito sinistro.
No apartamento indicado, surgiu uma senhora gorda, simpática e de rosto exótico que já nos aguardava. O local era cheio de objetos orientais com as paredes forradas de tapetes grossos e estampados.
A proprietária não escondia o sotaque. Acho que era espanhola.
“Então você quer Kikos Marinhos, não é?”
Devo ter balançado com a cabeça. Minha mãe perguntou se havia algum Kiko já crescido que ela pudesse nos mostrar.
A dona pegou um aquário redondo em cima da geladeira e nos mostrou: “Olhem como são bonitos!”
Até hoje acho que vi alguma coisa. Minha mãe acha que sim. Tinha realmente algumas criaturinhas nadando por ali, mas não dava saber que bicho era aquele.
Minha mãe perguntou se eu queria realmente levar aqueles estranhos seres. No íntimo, ela torcia por um ‘não’, mas já era tarde. A dona redonda interveio logo e colocou aquele enorme rosto exageradamente maquiado bem perto dos meus olhos: - É lógico que ele quer! Os Kikos vão crescer! Eles vão ter “bigodom”!!!
Nessa altura eu já estava doido para sair dali e ir pra casa experimentar os seres intergaláticos. Enquanto isso, Dona Martha já estava convencida que não haveria escolha diante de um filho chato e de uma espanhola simpática (para não dizer ameaçadora).
Ao chegar no calçadão, minha mãe não parava de rir. ‘Se eu contar pra alguém, ninguém vai acreditar”, comentou.
Chegamos em Petrópolis e junto com meu irmão Márcio – uns oito anos mais velho – passamos a seguir as instruções. O kit continha um pó para preparar a água, outro com os ovos dos Kikos e o terceiro com comida.
Os bichos deveriam nascer em 24 horas. Não, acho que em 36 horas. É uma questão de tempo. Criança não tem paciência! Uma semana, talvez...
Já havia desistido. Meu irmão ainda guardou alguns ovos e conseguiu faze-los eclodir. Vi algo que deveria ser os Kikos nadando num copo de geléia de mocotó Imbassa. E só.
Dias depois, o Jornal do Brasil (minha mãe era assinante) publicou uma matéria alertando os pais sobre o engodo que eram os Kikos Marinhos. Os tais bichinhos não passavam de crustáceos, uma artemia que servia até como ração para peixes. E para fechar, dizia que com o nome comercial de Kikos Marinhos, as artemias estavam sendo vendidas por até 300 cruzeiros!!
Juro que desde aquele dia eu nunca mais toquei no assunto Kikos Marinhos com ninguém. Principalmente com a Dona Martha.
Hoje fiquei sabendo que em 2006, os tais bichinhos voltaram a berlinda– desta vez em bancas de jornal – por 15 reais. Onde eu os encontraria hoje? Comentei o caso com a Ana e a resposta dela foi enérgica:
“Já temos três tartarugas e um agapornis. Você que vá cuidar! Eu não vou ficar trocando água de animal marinho nenhum!”.
Acho que vou continuar frustrado. O kit Kikos já não está nas bancas e os bichos só existem comercialmente nos Estados Unidos como ‘Sea Monkeys”. Diante da constatação, me calei e comecei a escrever. Por onde andará a espanhola do ‘bigodom’?
 

2 comentários :

Márcio disse...

Marcelo. Não sei se na embalagem original ou num encarte o texto era muito (muito!) engraçado... Dona Martha me pediu para ler, assim que vocês chegaram à Petrópolis trazendo o kit Kikos Marinhos... ela insistiu, garantindo que eu daria boas risadas... desde o início da leitura, comecei a rir... ria muito... e quanto mais ria, mais ela ria também lembrando da "espanhola" do Rio... "eles rodopiam... um é malabarista... um é trapezista... os machos têm bigodões... as fêmeas flertam e se enfeitam... eles dançam e piscam os olhos... fazem amor sem parar"... e vai por aí.
Mas os "seres" não vingaram porque cometemos um erro fatal... Colocamos água fria e clorada... Uma pena.

Alexandre disse...

Eu também era doido pelos Kikos, enganavam as crianças dizendo que eram bichinhos iguais as pessoas só que aquáticos. Muito boa essa matéria !