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terça-feira, julho 12, 2011

Carlos Heitor Cony



Reunião das Mães
A menina traz o bilhete do colégio: reunião das mães na quinta-feira. Assunto: tratar da primeira comunhão da turma B-74. As circunstâncias da vida - ou, segundo o poeta Drummond, os balanços da vida - haviam-no reduzido a um estado híbrido: pai e mãe ao mesmo tempo.
Não há de ser nada, pensou ele, já houve tempo pior, quando a garota precisava ir ao banheiro do cinema e ele não podia levá-Ia ao reservado dos homens, e, em compensação, não podia entrar no sagrado átrio das mulheres. O jeito era levar a guria a tê a porta e recomendá-Ia a alguma ocupante potencial e responsável.
Esse tempo passara, felizmente, e a garota agora sabia se virar sozinha nessas e em outras encruzilhadas, mas aí estava o inesperado: a primeira comunhão. O consentimento já fora dado, por escrito, mas isso não bastava. Agora chegavam os pormenores do celestial banquete, nome com que alguns renitentes ainda teimam em xingar a primeira comunhão.
Pois vestiu-se, atravessou a rua segurando a pasta da garota (por sorte, o colégio é quase em frente de sua casa) colocou-a na fila e foi juntar-se às outras mães, que faziam um barulho de pinto - uma ninhada de pintos dentro de uma chocadeira. Olharam-no de alto a baixo inquisidoramente. Ele não teve outro remédio se não amarrar mais a cara, que de natural já é suficientemente amarrada. Uma sineta tocou lá dentro e apareceu a responsável. Foi empurrando as mães para uma sala.
- O senhor também é mãe?
- Sou ... quer dizer, sou o pai, mas ...
- Então é do outro lado.
Mas não havia o outro lado. Estavam todos do mesmo lado, a união fazia a força e dava unanimidade às opiniões:
- Queremos vestidos até embaixo.
A organizadora tinha um modelo bossa-nova em matéria de celestial banquete: as meninas não deveriam se vestir como noivas adultas e sim como meninas. Vestidinhos brancos até os joelhos, um laço simples na cintura, grinalda discreta e, nas mãos, apenas um rosário. Só isso, nem lírios nem copos-de-leite. Mas a turma das mães estava agitada, quería mesmo o clássico vestidão roçando até o chão, as flores, as grinaldas de filó, os véus. Pediram-lhe a opinião:
- Eu não entendo muito dessas coisas mas decidam à vontade. Eu pago o prejuízo.
Foi um escândalo. Prejuízo dar a filha ao celestial banquete? Era um sacrílego, um pai desnaturado, isso sim.
_ Não, o que eu queria dizer é que pagava o vestido tal como as senhoras aqui presentes decidissem. Prejuízo é força de expressao, gíria, significa despesa, só isso, não é maldade._
- O senhor já fez a primeira comunI;ao? .
Poderia responder que já fizera não so a primeira como a última comunhao. Mas elas não o entenderiam, da mesma forma como ele nao entendia o problema delas:
_ A cintura deve ser pregueada nas costas
- leva três quartos. ,
_ Na revista eu achei um modelo mUlto engracadinho, trouxe aqui o recorte ...
- Minha filha vai de véu, foi o mesmo que eu usei quando casei, todas as minhas filhas vao usar o mesmo véu.
- Pois eu vou guardar o véu da minha fllha para quando ela casar. . .
Até que a organizadora bateu com o lapis na mesa:
- Silêncio!
O silêncio foi feito.
_ Solicitamos às senhoras mães ...
Ela olhou em sua direção e fez uma pausa, tentou abrir a única e honrosa exceção, afinal, havia um homem na sala, mas a vacilação passou e ela o considerou muito insignificante para merecer uma referência especial:
_ ... que preparem as suas filhas até o dia 13. O modelo escolhido será obrigatório. Que não estiver pelo figurino aqui adotado que vá fazer a primeira comunhão em outro canto ...
_ Deus é um só.
Ele se surpreende dizendo esta frase em voz alta. Olham-no com raiva:
- O senhor é protestante?
- Ele tem cara é de comunista.
- Tenho pena é da filha dele!
Sente vontade de mandar aquelas mães todas às favas. Mas prefere calar a boca e mexer os pés. Sai de cabeça baixa. Sozinho. E um pouco mais triste do que o habitual. Não há de ser nada, não há de ser nada. Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração. Ser pai é pagar a despesa.

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