Sir Christopher Frank Carandini Lee | May 27th, 1922 - June 7th, 2015
“A heathen, conceivably, but not, I hope, an unenlightened one.”
O Homem de Palha (1973)
Postado por Juvenatrix no dia 11/06/2015
É uma história de detetive com elementos de fantasia e
horror, explorando com notável eficiência o tema do paganismo!
Eu poderia contar uma história que a palavra mais leve
ficaria cravada na alma e congelaria seu sangue jovem.
No início dos anos 70 do século passado, o escritor inglês
Anthony Shaffer (1926/2001) e seu sócio e compatriota Robin Hardy decidiram que
iriam fazer um filme de horror. Mas eles queriam algo diferente, sem os
tradicionais elementos característicos da Hammer, os quais definiram o cinema
de horror inglês por duas décadas. E após um trabalho de pesquisa com religiões
pagãs envolvidas com sacrifícios humanos, o roteiro estava pronto e com um
papel especialmente escrito para Christopher Lee. O lendário vampiro Drácula do
cinema aceitou o convite e juntamente com o produtor Peter Snell, eles partiram
para o projeto de O Homem de Palha (The Wicker Man, 1973), que apesar de todos
os problemas enfrentados durante a produção e na distribuição depois de pronto,
o filme ainda teve uma ótima recepção do público e da crítica especializada, e
acabou tornando-se um incrível objeto de culto.
O Sargento Howie (Edward Woodward), da polícia escocesa, é
um homem cristão e que acredita veementemente nos valores e ensinamentos da
igreja católica. Ele recebe a denúncia do desaparecimento de uma pequena
menina, Rowan Morrison (Geraldine Cowper), numa comunidade isolada numa ilha.
Partindo em missão de investigação, o policial vai de hidroavião até
Summerisle, na costa oeste da Escócia. Lá chegando, ele faz muitas perguntas
aos moradores, entre eles May Morrison (Irene Sunters), suposta mãe da criança
e dona de uma loja de doces, além de Alder MacGregor (Lindsay Kemp),
proprietário de um bar e pousada, e pai da jovem e sensual Willow (Britt
Ekland), a Srta. Rose (a australiana Diane Cilento), professora da escola
local, e a não menos bela funcionária da biblioteca do vilarejo (interpretada
por Ingrid Pitt).
Enquanto faz o trabalho de investigação, o policial
moralista fica chocado com várias coisas incomuns que testemunha, como casais
fazendo sexo ao ar livre, jovens mulheres dançando nuas num ritual religioso,
ou crianças recebendo ensinamentos indecentes sobre sexo na escola. Descontente
com os hábitos do povo local e não obtendo muito sucesso com as respostas para
a investigação, o Sargento Howie entra em contato com o Lord Summerisle
(Christopher Lee), um homem misterioso que é o líder do povoado e o mestre de
uma seita pagã que realiza eventos sinistros com sacrifícios humanos, e que
pode transformar a missão de investigação do policial num grande perigo.
Basicamente, O Homem de Palha é uma história de detetive com
elementos de fantasia e horror, explorando com notável eficiência o tema do
paganismo, aquelas religiões pré-cristãs que idolatravam diversos deuses
(entidades que protegiam o sol, os pomares, os campos, as colheitas), e que
eventualmente utilizavam sacrifícios humanos em rituais bizarros que celebravam
a fertilidade venerando os símbolos fálicos como geradores da natureza. Com
locações na ilha de Summerisle, na costa oeste da Escócia, o filme tem a
presença marcante de Christopher Lee como o líder religioso de uma seita pagã,
e a participação pequena, mas sempre bem vinda, da bela Ingrid Pitt, onde ambos
foram marcas registradas nas produções da Hammer. Porém, em O Homem de Palha
não encontramos aquela tradicional ambientação com cenários góticos. O filme é
contemporâneo, passando-se no século XX, mas utilizando uma ideia de centenas
de anos atrás, onde uma comunidade isolada numa ilha escocesa considera a
religião cristã ultrapassada, e acredita em deuses antigos com a reencarnação
do espírito na natureza.
São muitos os destaques, indo desde a investigação policial
do desaparecimento da menina, sempre mantendo a atenção do espectador que
acompanha a crescente revelação dos fatos que levam à verdade, passando pelos
estranhos hábitos dos moradores, que praticam o sexo sem falsos moralismos nas
ruas noturnas, ou os ensinamentos para as crianças nas escolas, evidenciando a
importância do pênis como fertilidade, além dos estranhos rituais e festas
pagãs que se opõe ao tradicionalismo cristão. A nudez da bela atriz Britt
Ekland, dançando sensualmente para tentar conquistar o Sargento Howie, também é
um ponto alto e memorável (parte das cenas foi feita por uma atriz dublê de
corpo).
Depois de conhecermos informações curiosas da trajetória da
produção (maiores detalhes seguem nos parágrafos a seguir), passamos a
valorizar ainda mais o filme e seus realizadores como uma obra de arte do
cinema fantástico, e um produto para ser cultuado eternamente. E ficamos apenas
imaginando como seriam as cenas que foram cortadas e infelizmente perdidas para
sempre.
O Homem de Palha já havia sido lançado no final da década de
80 no mercado brasileiro de vídeo VHS pela VTI, sendo hoje um objeto raro de
colecionador. E para a satisfação dos apreciadores do cinema de Horror e
admiradores da carreira de Christopher Lee, o filme também foi distribuído por
aqui no formato DVD em 2003, pelo selo Dark Side, da Works Editora, recheado de
interessantes materiais extras. Temos um documentário legendado de 35 minutos
de duração chamado O Enigma do Homem de Palha (The Wicker Man Enigma, 2001),
dirigido por David Gregory. Temos também as biografias detalhadas do roteirista
Anthony Shaffer, dos atores Edward Woodward e Christopher Lee e do diretor
Robin Hardy. Além da sinopse (igual a que está na contra capa do estojo do
DVD), um trailer de cinema de dois minutos de duração legendado, e vários spots
de rádio (quatro de sessenta segundos cada e mais outros dez de trinta segundos
cada), e um spot de TV de trinta segundos, sendo todos esses spots promocionais
apresentados sem a disponibilidade de legendas em português.
Curiosamente, o escritor Anthony Shaffer casou-se com a
atriz Diane Cilento, a quem conheceu durante as filmagens de O Homem de Palha.
E pouco tempo depois da gravação do documentário sobre o filme, em 2001, ele
faleceu por causa de um ataque cardíaco.
Nesse documentário O Enigma do Homem de Palha, temos
diversos depoimentos de pessoas ligadas ao filme, tanto a equipe de produção
quanto o elenco, com revelações de detalhes de bastidores e curiosidades
interessantes que merecem registro. Entre as pessoas entrevistadas estão o
roteirista Anthony Shaffer, o produtor Peter Snell, o diretor Robin Hardy, os
atores Christopher Lee, Ingrid Pitt e Edward Woodward, além de Jonathan
Sothcott (autor do livro The Cult Films of Christopher Lee), Jake Wright
(primeiro assistente de direção), Seamus Flannery (direção de arte), Roger
Corman (conhecido e cultuado produtor, cineasta e distribuidor), Eric
Boyd-Perkins (edição), John Simon (distribuidor do filme nos Estados Unidos), e
os fãs Peter Cross, John Punter e Gail Ashurst (editora do fanzine Nuada, que é
o nome do guardião sagrado do Sol, como descrito no filme).
Entre as revelações curiosas no documentário, temos o fato
de que muitas cenas filmadas tiveram que ser cortadas na edição final por causa
das exigências dos novos executivos que compraram o estúdio British Lion. E
infelizmente essas cenas excluídas foram desaparecidas misteriosamente nos
estúdios Shepperton, pois os rolos de negativos foram perdidos para sempre por
incompetência dos responsáveis pelo arquivo das latas de filme não aproveitado.
Aliás, essa informação já havia sido revelada por Christopher Lee no
documentário As Várias Faces de Christopher Lee (The Many Faces of Christopher
Lee, 1996), onde também o ator fez questão de salientar que seu papel de um
obscuro líder religioso de uma seita pagã em O Homem de Palha é seu principal e
mais importante trabalho em toda a vasta carreira de cerca de 280 filmes.
Outros detalhes revelados são que o filme teve uma série de
dificuldades em sua fase de produção, indo desde o baixo orçamento disponível
(o produtor Peter Snell e outros membros da equipe técnica optaram por ter seus
salários muito reduzidos para poderem participar do filme, e Christopher Lee
inclusive chegou a revelar que aceitou trabalhar de graça), passando pelos
constantes problemas enfrentados com as condições climáticas das locações (as
filmagens ocorreram entre outubro e novembro de 1972 com muito frio e chuvas,
sendo que a história era passada em maio, época mais quente na região),
culminando com a conturbada e ineficiente distribuição nos cinemas,
principalmente nos Estados Unidos, com o filme sendo exibido em poucas salas e
sem publicidade.
Entre os depoimentos no documentário temos informações de
bastidores bastante curiosas como a cena final onde a população da ilha está
dançando e cantando enquanto testemunham o homem de palha arder em chamas, e no
momento da filmagem no alto de uma colina, o frio era intenso com ventos
fortes, e o elenco e os extras estavam sofrendo bastante com a temperatura
baixa. Então, para amenizar o desconforto, foram oferecidos casacos para as
três atrizes principais, Britt Ekland (a estonteante Willow), Diane Cilento (a
professora Srta. Rose) e a veterana dos filmes da Hammer Ingrid Pitt (que faz o
papel de uma bibliotecária). As duas primeiras aceitaram os casacos sem
hesitar, mas a polonesa Ingrid Pitt demonstrou uma atitude admirável quando
recusou e disse que como todas as outras atrizes extras estavam sem roupas
quentes, ela também não usaria até o término da cena. Nessa mesma sequência
final, devido à urgência dos trabalhos de filmagens para aproveitar o clima
favorável (apesar de muito frio), o ator Edward Woodward não teve tempo
suficiente para ensaiar suas falas no discurso religioso cristão quando estava
preso no homem de palha, e suas frases foram lidas em enormes cartazes. Aliás,
outra revelação curiosa foi que no momento em que é ateado fogo no homem de
palha, o ator teve que enfrentar uma situação incômoda com algumas cabras
localizadas acima dele, que uma vez assustadas com o fogo, urinaram sobre sua
cabeça.
Quem assiste o filme já pronto e editado, não imagina as
dificuldades enfrentadas por seus realizadores para conseguir os resultados
esperados. Tudo isso merece ser salientado e agrega ainda mais valor e
brilhantismo para O Homem de Palha tornar-se o clássico que é, e permanecer
cultuado eternamente por uma legião de admiradores.
Para finalizar: como a moda da indústria do cinema de
Hollywood é fazer refilmagens dos grandes clássicos, em 2006 foi feito O
Sacrifício, com direção de Neil LaBute. A nova versão tem a estrutura básica
semelhante ao original inglês de 1973, mas a história alterou a ambientação de
uma ilha na Escócia para os Estados Unidos, e o vilarejo é liderado por
mulheres em uma seita religiosa obscura. Para o papel do Sargento Howie foi
convocado o ator Nicolas Cage, e fazem ainda parte do elenco a bela jovem
Leelee Sobieski, como uma garçonete que ajuda o policial na investigação do
desaparecimento de uma garota, além de Kate Beahan, para o papel da sensual
Willow, e a veterana Ellen Burstyn (de O Exorcista), como a líder da sociedade
matriarcal. As filmagens ocorreram em Vancouver, no Canadá.
É ótimo ser
considerado uma lenda viva. Não somente no sentido de que continua respirando,
mas também por estar vivendo nos corações e mentes das pessoas que seguem seu
trabalho.
– depoimento do lendário ator Christopher Lee, em sua
auto-biografia Tall, Dark and Gruesome
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