A notícia palpitante do mundo cervejeiro nos últimos dias foi o anúncio da Ambev de que relançará no país a marca “Budweiser”, componente de seu portfólio e que havia sido importada anteriormente sem maior presença no mercado, primeiro pela então independente Antarctica e posteriormente por empresas não ligadas a grandes fábricas.
Até aí, nada demais.
A questão, porém, é o posicionamento que a Ambev está dando à marca: a de uma cerveja “premium”, de um patamar de qualidade teoricamente superior e vendida por preços 40% mais altos que as marcas de grande consumo. Segundo o marketing da companhia será uma cerveja “descolada”, voltada para jovens “descolados” e de maior renda. Só que temos uma grave discordância entre o marketing e a classificação cervejeira tradicional, baseada em suas características.
Milho e arroz na cerveja
Teoricamente, uma cerveja “American Premium Lager” estritamente classificada significa uma marca que não leve mais do que 25% de adjuntos em sua composição. Adjuntos são outros cereais não maltados, tais como o arroz, o milho ou até mesmo a batata. São utilizados com dois objetivos: diminuir o custo — o malte de cevada, importado, é um insumo caro — e tornar a cerveja mais “leve” ao paladar do consumidor. A cerveja deste estilo, teoricamente, também não deveria ter conservantes ou aditivos químicos.
Budweiser é “premium”?
Dentro deste patamar, a Budweiser deveria ser classificada como uma “American Lager”, cervejas refrescantes de baixo custo e alto consumo. Este é seu posicionamento de mercado nos Estados Unidos e deveria ser o mais adequado, até porque a cerveja não é muito diferente das consumidas em massa aqui. Além disso, ela leva 40% de arroz em sua composição, o que automaticamente a faz não preencher os requisitos necessários para ser uma “premium” típica.
Ou seja, o relançamento da Budweiser mostra uma clara contradição do mercado brasileiro: marcas posicionadas como “premium” apenas por questões de marketing e de busca por uma melhor rentabilidade. O conceito no Brasil está menos afeito à qualidade do produto e sim a “benefícios intangíveis” baseados em conceitos de marketing como “estar na moda”, “ser jovem” e “descolado”. A cultura cervejeira? Bom, esta não parece importante.
Aliás, fazendo um parêntese: a Ambev não demonstra o menor interesse pelo mercado em franco crescimento das cervejas especiais. Até importa marcas belgas e alemãs, mas em variedade reduzida e sem uma grande estratégia de marketing e distribuição. A impressão que dá é que a avaliação da companhia é de que isto basta – ressalvando-se que as marcas Leffe e Hoegaarden são bastante conceituadas.
Confusão e marketing
Vale lembrar também que mesmo dentro do segmento “premium” estrito há cervejas e cervejas. Temos cervejas com adjuntos e até adição de carboidratos – um bom exemplo é a Brahma Extra, mas há outras – e convivem na mesma classificação marcas como a Heineken e a Petra Aurum (para ficar apenas nos rótulos produzidos em grande quantidade por grandes fábricas), ambas “puro malte”, sem adjuntos e aditivos.
Entretanto, todas são classificadas estritamente como “premium”. Observe o leitor que não me refiro a outras “premium lager” que estão também classificadas neste grupo em termos mercadológicos, como a Eisenbahn, a Baden Baden, a Cidade Imperial, a Bamberg e outras. Até porque estas últimas, ou pelo menos a maioria delas, são classificadas como “pilseners” típicas, e não como “premium lagers”.
Esta é outra confusão que o marketing das grandes cervejarias estabelece no Brasil. Pilsner é apenas um dos tipos de cervejas lager, caracterizadas pela fermentação “a frio” – ou seja, a temperaturas entre seis a doze graus. Também é conhecida como cerveja de baixa fermentação, pelo fato das leveduras se depositarem no fundo dos tanques – ao contrário das cervejas tipo “ale”, conhecidas como de alta fermentação – e também a temperaturas mais altas.
A enganação das cervejas “tipo Pilsen”
Onde quero chegar ? Muitas das cervejas “de massa” vendidas como pilsners na verdade estritamente não o são. Este tipo se caracteriza por uma presença marcante do lúpulo, que dá o aroma e o amargor à bebida – sendo bem rasteiro. Entretanto, o que ocorre é que as marcas mais vendidas aqui no Brasil tem pouca quantidade de lúpulo, sendo bebidas feitas para refrescar – com cor e sabor pálidos. Uma vez mais, é o marketing de venda se sobrepondo à cultura cervejeira.
O relançamento da Budweiser é um claro exemplo da inapropriedade da expressão “cerveja premium” no Brasil. Cobra-se mais caro por um produto que, na prática, não vale o que está sendo pedido. O consumidor paga por uma “imagem” construída em cima de conceitos subjetivos e que se sobrepõem à objetividade dos tipos de produto. É uma tentativa de elevar a margem de lucro de produto que, decidiamente, não vale o preço pedido.
Mas… Tem comparação?
Curioso é ver o pessoal do marketing da Ambev dizer que “a Budweiser se compara à Heineken e vai brigar com ela”. Em termos de qualidade e características não há sequer comparação: uma é puro malte, matura nos tanques trinta dias, não leva adjuntos e nem conservantes. A outra tem 40% de arroz, matura quinze dias antes de ser engarrafada e tem conservantes e aditivos. São dois produtos claramente diferentes – e a marca holandesa está em clara vantagem nesta comparação.
Esta dicotomia entre o marketing e a classificação cervejeira, a meu ver, é bastante prejudicial à difusão de produtos de maior qualidade a um público mais amplo. Cria toda uma confusão no mercado e acaba impondo um posicionamento de mercado baseado em valores intangíveis e ditados por campanhas publicitárias, deixando a qualidade em segundo plano. Isto não é privilégio do mercado de cerveja.
O Ministério da Cultura Cervejeira adverte: deixe os marqueteiros longe dela. Nosso paladar agradece.
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* Pedro Migão é editor do blog Ouro de Tolo
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