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quarta-feira, julho 28, 2010

Muito além da miopia

O primeiro sutiã a gente não esquece. No meu caso, acredito que tenham sido os meus primeiros óculos. Traumático. Tinha eu uns dez anos quando a miopia me descobriu. Não gostava daquilo que esteticamente me incomodava. Tanto é que resolvi não usar óculos todos os dias.
Eu participava de uma colônia de férias do Batalhão de Infantaria Motorizada em Petrópolis. Em 1975 para ser mais exato.
A colônia era a festa que o regime militar fazia pra alegria da garotada e dos pais que enfim tinham um lugar barato para enfiar os filhos durante o mês de janeiro. A colônia era de graça.
E lá ia eu: tênis conga, short azul, camiseta branca e uma estranha boina com listas pretas e brancas que identificava a minha turma: a número 5, batizada como a Turma do Zero, homenagem ao personagem Recruta Zero. Tudo a ver. Éramos chamados de ‘colonins”.
A turma 5 era só de meninos na faixa dos dez anos. A turma 9 era a correspondente do sexo feminino. E na minha opinião infantil, meninas não deviam gostar de meninos de óculos.
Aquele estranho aparelho, pendurado nas orelhas e alicerçado pelo pequeno nariz, me inibia. E resolvi ir de óculos “de vez em quando”.
Essa minha briga com os óculos chamou a atenção de um garoto gordinho, o Olavo. Ele queria saber a razão de eu ‘usar e não usar óculos’. Vi ali uma oportunidade para tornar a situação um pouco mais divertida.
- Olavo, quem usa óculos não sou eu.
O gordinho arregalou os olhos de curiosidade. E remendei:
-Eu sou o Marcelo. Quem usa óculos é o Pedro.
-?
- Ele é meu irmão gêmeo.
Olavo não acreditou. Então, cadê o meu “outro”? Expliquei.
- É que nossa mãe, quando veio fazer a ‘matrícula’ na colônia de férias, descobriu que só tinha uma vaga. Não tinha como matricular nós dois.
O gorducho Olavo parecia interessado no assunto e acreditando a fundo. Bingo! E continuei com uma voz meio que humilde e triste ao mesmo tempo.
- Então, minha mãe me matriculou. Como somos gêmeos, o Pedro vem um dia e eu venho em outro.
“Caramba!”, exclamou o garoto. Antes de qualquer outra exclamação, fiz ele jurar que não contaria para ninguém o fantástico segredo.
Confesso que ganhei o dia e a semana toda com aquela história. Agora eu tinha uma outra identidade: Pedro!
Acontece que quem começa a usar óculos começa a perceber o aumento gradativo da dependência por daquele aparelho. Eles começam a fazer falta. Não tardou para que “Pedro” começasse a freqüentar a colônia de férias com mais assiduidade do que o “Marcelo”.
- Pobre mano Marcelo! Vive doente...
Enfim, veio o encerramento da colônia. Uma festa de balões coloridos pelos ares, personagens infantis, discursos ufanistas, pais emocionados e um colonim preocupado em manter a dupla identidade naquele momento. O Olavo não poderia se aproximar de minha mãe. Mas nada impediu que ele apresentasse o “Pedro” à mãe dele.
- Cadê o Marcelo?
- Não sei. Me perdi dele. Deve estar com minha mãe. Vou lá buscar!
Como achei que os pais de Olavo seriam mais espertos do que o primogênito, resolvi não retornar.
No mês seguinte, estava eu e minha turminha de rua numa matinê de carnaval do Clube Petropolitano. Nosso entretenimento era brincar de policia e ladrão pelos jardins e salões do grande clube.
Eu tentava me esconder da ‘policia’ quando surge um gordinho com um sorriso inconfundível, esbaldando simpatia. E me abraçou perto dos meus amigos.
- Pedro!
Ninguém entendeu nada. Sorri amarelo e disfarcei. Assim que Olavo se foi, emendei:
- Dupla identidade, entendem?
João Carlos, Luis Cláudio e Júnior, um trio que não era nada bobo, não parava de rir.
E hoje essa história me vem completa ao ver antigas fotos de um menino que enxergava o mundo pelos olhos de Marcelo e de Pedro. E que apesar de até hoje usar óculos, nunca mais viu Olavo.

Um comentário :

josé roberto balestra disse...

Bulgarçon, maravilhosa crônica! Parabéns.

abs