domingo, fevereiro 15, 2009
Causos da Imprensa
Confissões de um comentarista trapalhão é o título desse texto de José Geraldo Couto sobre a experiencia dele em participar da transmissão de um jogo de futebol pela televisão. Com muito humor (e estilo), Couto conta a desastrosa aventura. Ah! O Ricardo Bulgarelli, que aparece no texto, não é meu parente direto.
Televisão nunca mais.
O pessoal da ESPN/Brasil gentilmente me convidou para participar, como comentarista, da transmissão de Lusa e Corinthians, sábado passado, no Morumbi.
Não sei quem foi mais louco: eles, por me convidarem, ou eu, por aceitar. Se não arruinei totalmente a transmissão, foi graças à competência e ao jogo de cintura da equipe da emissora, sobretudo do locutor Milton Leite e do produtor Ricardo Bulgarelli.
A última dica que Bulgarelli me passou, antes do início do jogo, foi que me dirigisse aos telespectadores como "assinantes da ESPN", e não "do" ESPN. Entendi. Foi talvez a única coisa que não errei durante toda a transmissão.
Já na primeira vez que Milton Leite me convocou a falar, descobri que estava perdido. A garganta secou, as palavras sumiram, a lógica evaporou.
Como a televisão não admite o silêncio, balbuciei os clichês guardados nas gavetas mais acessíveis do cérebro: "expectativa de um grande jogo", "time que cresceu ao longo da competição", "motivação extra da rivalidade" etc. Só faltou o "se Deus quiser".
Comecei mal, mas depois piorei. Não dá para narrar as trapalhadas na íntegra. Fiquemos com um compacto dos piores momentos.
No meio do segundo tempo, alterações na Lusa. "Que você acha, Zé Geraldo?", pergunta Milton Leite. Não dava tempo de procurar nos arquivos da memória as fichas de Simão e Aílton, que eu não via jogar há séculos.
Nem sei o que falei, mas deve ter sido uma besteira sem tamanho, a julgar pelo olhar estarrecido do Milton.
Logo depois saiu o gol do Corinthians. Mais clichês: " marca do artilheiro", "jogada mortal de linha de fundo" etc.
Para piorar, virei um copo d'água em cima da mesa cheia de papéis. Se, em vez de focalizar o campo, a câmera apontasse para dentro da cabine, o espectador iria pensar que estava vendo "Agente 86".
Quando tentava consertar o estrago, ouvi que Milton Leite solicitava minha opinião sobre a nova alteração na Lusa (Marcelo Borges no lugar de Carlinhos).
"Alteração? Que alteração?", foi a primeira coisa que pensei, mas não pegava bem dizer isso no ar. Amaldiçoei Candinho em silêncio (Pra que tanta alteração? Tá querendo me derrubar?) e engatei uma sequência de disparates de fazer inveja a Groucho Marx. Em vez de dizer o óbvio: que a Lusa ia partir para o ataque.
Logo depois a Lusa empatou. Qualquer cidadão sensato diria que, a partir dali (40 do segundo tempo), os dois times ousariam pouco, com medo de tomar um gol no final. O que disse, entretanto, o comentarista trapalhão? "Agora tudo pode acontecer. Os últimos minutos serão eletrizantes."
No fim, me senti como o personagem de Albert Brooks no filme "Nos Bastidores da Notícia". Ele é um redator que, devido a um imprevisto, tem de substituir o apresentador de um telejornal. Gagueja e sua frio durante todo o programa.
No dia seguinte, alguém lhe pergunta: "E aí, como é que foi?" E ele: "Foi bom. Perdi três quilos."
Folha de São Paulo, 23 de abril de 98
José Geraldo Couto
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Um comentário :
Valeu, Bulga. Comecei a segundona dando risada.
Postar um comentário