sábado, agosto 29, 2015
"Jornalismo do Deboche" - Stephen Kanitz
O texto de Stephen Kanitz já é um tanto conhecido, mas permanece atual e assim deverá ficar por um bom tempo. Virou moda fazer o "Jornalismo do Deboche", uma praga que a gente percebe desde os veteranos das redações até aos acadêmicos mais destacados, todos fazem esse tipo de crítica
Muitos leitores perguntam por que nunca escrevo artigos ridicularizando George W. Bush, desancando o governo PT ou ridicularizando as bobagens ditas por algum de nossos governantes.
Não faço este tipo de colunismo porque é ilimitada a quantidade de bobagens feitas por seres humanos. Estaríamos destruindo todo o papel do planeta se comentássemos cada besteira feita. Depois, o tempo do leitor é curto, um jornalismo construtivo deveria também divulgar possíveis soluções e não ficar somente na crítica dos erros dos outros.
Leitores são presas fáceis desta forma de crítica jornalística, porque ela insinua equivocadamente que somos superiores aos nossos semelhantes, governantes e amigos.
Noventa por cento das nossas conversas é para se comentar gafes e fracassos dos amigos, nunca suas conquistas e realizações, por isto nunca sou o primeiro a sair de uma festa de amigos.
O jornalista do deboche sabe que o sucesso do outro incomoda, e se aproveita disto. O jornalismo do deboche não somente mostra que somos supostamente mais inteligentes do que os que estão no poder, mas tem uma outra coisa "freudianamente" muito importante: mostra que o colunista é mais inteligente do que todos nós juntos.
Não pelas suas idéias originais, critério único para se medir inteligência, mas pela burrice dos outros que o jornalismo do deboche tem o prazer de desancar. Como o debochador sempre trata do passado, quando os erros já são óbvios e evidentes, ele tem sempre a vantagem da onisciência, algo que o governante não teve na hora da sua decisão.
Não faço referência àqueles que escrevem uma crítica de forma construtiva, precisamos ser informados das mazelas e erros do governo. Um artigo debochado de vez em quando nos faz rir e permite agüentar o fardo da incompetência alheia. Mas muitos fazem do deboche a sua especialidade, sua razão de ser.
O jornalismo deve criticar e ao mesmo tempo propor soluções para serem discutidas, inclusive correr o risco de ver a idéia debochada. Só que aí, o artigo teria de ser inovador, competente, criativo, sensato, conciliador, persuasivo e corajoso. A crítica barata é muito mais fácil do que a análise profunda. A análise requer pesquisa, números e estatísticas, o deboche só precisa de uma língua afiada.
Se você adora o jornalismo do deboche, porque ele é engraçado, lembre-se que você está rindo de si mesmo, e embora autocrítica e umas risadas sejam sadias, limitar-se a isto é dar um tiro no pé. O Brasil está diariamente dando tiros no pé, e achando graça.
Num congresso de estudantes colocaram-me para falar em penúltimo lugar, e o encerramento foi feito por um profissional do deboche. Ele simplesmente destruiu o meu discurso otimista anterior, dizendo que o Brasil jamais daria certo, de que estávamos condenados pelo gene do patrimonialismo português, que o fracasso estava no nosso sangue, e assim por diante. Para a minha grande surpresa, a platéia simplesmente adorou. Riam a valer, e no final aplaudiram de pé. Inacreditável para mim!
Se um grande intelectual prevê que o Brasil jamais dará certo, não precisamos nos esforçar. Pode-se justificar o nosso fracasso pessoal, nossa mediocridade individual, como sendo inevitável, é nosso destino. "Não preciso melhorar, a culpa não é minha, a culpa é do Brasil, a culpa é dos portugueses".
Muitos de nossos intelectuais jogam para a platéia, curvando-se à força do mercado, um discurso de que jamais daremos certo, quando a função do intelectual seria justamente mostrar as soluções, mostrar o caminho, mostrar o que nós pobres mortais não vemos.
Onde estão os poetas que antes nos inspiravam e motivavam, onde estão os filósofos que nos mostravam a essência do que está ocorrendo, onde estão os padres com seus sermões edificantes, onde estão os visionários que nos mostravam o caminho? Eles estão presentes como sempre estiveram, mas hoje estão sem platéia, porque o jovem brasileiro está encantado com o discurso do deboche, é sempre mais fácil culpar os outros.
O jornalismo do deboche é um fenômeno mundial, atingiu até o New York Times. Se acabou acreditando que você é mais competente que Lula, FHC ou Bush, consulte um especialista.
O mundo não é tão simples nem tão ridículo quando lhe fizeram imaginar. Graças a Deus!
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