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sábado, janeiro 19, 2013

Edgar Allan Poe







Edgar Allan Poe
born 19 January 1809, died 7 October 1849

Conhecido por seus contos de horror, foi um dos primeiros a tentar construir uma carreira apenas com seu ofício de escritor. Edgar Allan Poe era extremamente interessado em psicologia e usava o que aprendia sobre o assunto como substrato para suas obras.

Acontece que ele tinha um inimigo chamado Rufus Griswold, de quem o Poe gostava de falar mal, seja por escrito ou verbalmente. Então, após a morte de Poe, Griswold decidiu escrever um obituário venenoso sobre seu rival, contando a respeito de como as pessoas simplesmente deixavam passar batida a sua proeminente loucura.

Depois disso, as pessoas passaram a conjecturar que Edgar Allan Poe tinha distúrbio bipolar. O próprio Poe já havia escrito uma carta contando que já experimentava pensamentos suicidas. Um fato curioso é que toda uma saga sobre uma suposta viagem de balão já havia sido publicada como notícia e, no final, descobriu-se que era uma farsa.



O CORVO
tradução de Rubens Francisco Lucchetti
ilustrações de Nico Rosso

Certa vez, à hora lúgubre da meia-noite, eu meditava, fraco, fatigado, quase adormecido, sobre muitos volumes interessantes e valiosos. De repente, ouvi ligeiro ruído, de uma doutrina agora morta, como de alguém batendo, de leve, à porta do meu quarto. "É alguma visita", murmurei eu, "e nada mais".

Estávamos em dezembro, bem me lembro. As achas meio queimadas desenhavam no solo o reflexo da sua agonia.
Eu desejava ardentemente a manhã! Eu não pedia aos livros o esquecimento das minhas mágoas… Pensava sempre nela, na minha Leonora perdida, na mulher rara e deslumbrante que os anjos chamam ainda Leonora e que os homens não chamarão nunca mais!

O vago sussurro dos reposteiros ondulantes enchiam-me de um terror fantástico e melancólico. Para acalmar a agitação que me assustava, levantei-me repetindo: "É, alguém que bate à porta, alguma visita tardia, que solicita a entrada do meu quarto; sim é isso, e nada mais". Então senti o espírito um pouco fortalecido, e sem hesitar falei assim:

– Senhor ou senhora, tende a bondade de perdoar-me. Estava meio adormecido e batesteis tão devagarinho que apenas tenho a consciência de vos ter ouvido.
Assim dizendo, escancarei a porta, mas só vi trevas e nada mais!

E a perscrutá-las profundamente, fiquei muito tempo cheio de espanto, de receio e de dúvida, tendo sonhos que mortal algum jamais ousou sonhar; mas nada perturbou o silêncio e a imobilidade das trevas, senão um nome proferido por mim: "Leonora!" e o eco, murmurando, repetia a palavra "Leonora!". Apenas isto e nada mais!

Tornando a entrar no quarto, com a alma em fogo, ouvi um ruído um tanto mais forte que o primeiro. "Com certeza, o que ouço agora é a gelosia da janela: vou ver o que ali há e apurar que mistério é este. Provavelmente, é o vento, e nada mais!"
Abri então a janela, e um corvo majestoso, digno dos antigos tempos, entrou pelo quarto adentro, com um bater de asas tumultuoso. Sem me fazer uma simples cortesia, adiantou-se com a imponência de um "lord" ou de uma "lady" e empoleirou-se num busto de Palas, colocado justamente por cima da porta do meu quarto.
A gravidade do seu aspecto e a severidade da sua fisionomia fizeram sorrir a minha triste imaginação:

– Embora tua cabeça, - disse-lhe eu, - não tenha popa nem cimeira, não és por certo um pássaro ordinário. Dize-me, pois qual é o teu título de nobreza nas regiões plutônicas da noite?
O corvo disse:
– Nunca mais!

Fiquei maravilhado ao ouvir aquela ave desgraciosa volátil compreender assim a palavra, posto que a sua resposta não tivesse grande senso, nem respondesse de modo algum à minha pergunta, porque é preciso confessar que nunca foi dado a um homem vivo, ver, por cima da porta do seu quarto, um pássaro, um bicho, sôbre um busto esculpido, com semelhante nome: "Nunca mais!".

Mas o corvo, solitariamente empoleirado no busto plácido, não proferiu aquela palavra única, como se nela toda a sua alma se espargisse. Então murmurei em voz baixa:
– Todos os amigos me têm deixado: amanhã também este me fugirá, assim como todos os outros me fugiram, assim como voaram as minhas esperanças!
E o pássaro tornou a dizer:
– Nunca mais!
Ao ouvir aquela resposta tão a propósito, estremeci.
– Provavelmente, - disse eu comigo mesmo, - não sabe senão esta palavra. Isto ele aprendeu com algum mestre infortunado, a quem a ímpia desgraça perseguiu sem tréguas, e cujos cantares acabaram por não ter senão aquêle melancólico estribilho, espécie de "De profundis" de todas as suas esperanças - nunca mais!

Mas o corvo induzindo ainda a minha alma triste a sorrir, puxei a cadeira para defronte dele, do busto e da porta, e comecei a ligar idéia com idéia, procurando adivinhar o que aquela ave agoureira de outros tempos, o que aquele triste, desengraçado, sinistro, magro e agoureiro pássaro de outrora, queria dizer com o seu "Nunca mais!".
Assim me detive um tempo, sonhando, meditando, porém sem mais dirigir a palavra ao pássaro, cujo olhar ardente me abrasava até o íntimo do coração. Eu procurava adivinhar o estribilho do corvo e muitas coisas mais, com a cabeça encostada ao espaldar da cadeira; esse espaldar macio de veludo violeta, onde a cabeça dela se recostava outrora!… onde não se recostará nunca mais!

Então pareceu-me que o ar se tornava mais espesso, perfumado por um turíbulo invisível, balouçado por serafins, cujos passos deslizaram pelo tapete do quarto.
– Desgraçado! - exclamei eu. - Deus, pelos seus anjos, manda-te tréguas e nepentes contra as saudades de Leonora! Bebe, oh! bebe este bom depentes e esquece Leonora, perdida para sempre!
E o corvo tornou a dizer:
– Nunca mais!

– Profeta! ser de desgraça pássaro ou demônio, contudo profeta! quer sejas mensageiro do Tentador, ou simples náufrago, lançado pela tempestade a esta terra deserta e enfeitiçada, a este lar de miséria e de horror, dize-me sinceramente - suplico-te! - é verdade que existe um bálsamo da Judéia? oh! dize-me, dize-me por piedade!
O corvo respondeu:
– Nunca mais!

– Profeta! ser de desgraça! pássaro ou demônio, contudo profeta! Pelo céu que nos cobre, pelo Deus que ambos adoramos, dize-me se esta alma, esmagada pela dor, poderá um dia, no paraíso longínquo, abraçar uma donzela santa, preciosa e deslumbrante, a quem os anjos chamam Leonora?
O corvo disse:
– Nunca mais!

– Seja mas tuas palavras o sinal da nossa separação, pássaro ou demônio! - exclamei eu, pondo-me em pé. - Volta à tempestade e às costas da noite plutônica! Não deixes aqui nem uma só das tuas penas negras, em memória da mentira que acabas de proferir. Não violes por mais tempo a minha solidão. Tira-te de minha porta, arranca o teu bico do meu coração e precipita o teu aspecto para bem longe dêste quarto!
O corvo disse:
– Nunca mais!

E, imutável, continua sempre empoleirado no pálido busto de Palas, por cima da porta do meu quarto. Os meus olhos, com um brilho demoníaco, parecem pensativos; a luz da minha lâmpada projeta a sua sombra sobre o solo, e além do círculo desta sombra, a minha alma não poderá elevar-se nunca mais!


Nico Rosso (Turim, Itália 1910-1981 São Paulo/SP, Brasil) foi um dos maiores artistas de quadrinhos  
do Brasil, especializando-se no gênero horror.
:
Edgar Allan PoeThe Raven Illustrations by Gustave Dore

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