Samba de primeira por Assis Valente - Um clássico
Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando de aproveitar
Beijei na boca de quem não devia
Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou
Chamei um gajo com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele mais de quinhentão
Agora eu soube que o gajo anda
Dizendo coisa que não se passou
Vai ter barulho e vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou
Por Cláudia Boëchat via Rolling Stone
Um bem-humorado alerta feito há cerca de um século e que se adequa perfeitamente à atualidade, diante dos avisos sobre o suposto fim do mundo previsto pelos maias e a proximidade do carnaval. “E o Mundo Não se Acabou” foi composta pelo mestre Assis Valente, que nasceu em 1911 e morreu em 1958, e é cantada até hoje por aí afora.
Pode ser que uns e outros não o conheçam assim pelo nome. Mas quem nunca ouviu “Camisa Listrada”? Quem não conhece a gravação de 1972 dos Novos Baianos cantando “chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor...”? “Brasil Pandeiro” é o nome dessa música – e ambas são composições de Assis Valente.
Conterrâneo de Caetano Veloso, baiano de Santo Amaro, Assis foi para o Rio de Janeiro esculpir dentaduras. Era protético. E batucando no balcão onde trabalhava compôs muitos sambas. Também fazia desenhos, charges, e vendia para revistas como a Fon Fon. Finalmente, seu talento musical foi descoberto por Heitor dos Prazeres. Carmen Miranda (com quem ele aparece na foto) foi sua musa inspiradora e principal intérprete. Alguns dizem que era paixão, embora haja quem diga que Assis era gay. Quem acredita no amor entre os dois, no entanto, afirma que a ida da Pequena Notável para os Estados Unidos foi o começo da profunda tristeza de Assis.
Como todo artista genial, ele era um ser atormentado. E acabou cometendo suicídio. Motivo? Acredita-se que tenham sido as dívidas. Dizem que gastava tudo o que ganhava com as dentaduras comprando belos – e caros – ternos de linho Braspérola. E se manteve sempre assim, elegante, gastando o que podia e o que não podia. Outros falam que desistiu de viver por causa da distância de Carmen Miranda. Difícil saber. Consta que tentou se matar duas vezes antes morrer por ingestão de veneno – uma vez cortando os pulsos, outra pulando do Corcovado. Destino contraditório ao se observar a alegria de muitas de suas canções, cerca de 150. Fez de tudo: choro, samba e até marchinhas juninas e natalinas.
Em novembro do ano passado foi lançado Assis Valente – Não Fez Bobagem – 100 anos de Alegria, CD duplo em comemoração ao centenário de morte desse papa da MPB, com gravações originais dele e regravações feitas por grandes nomes como Maria Bethânia, Elza Soares, Marília Pêra, Martinho da Vila e até Wanderléa, entre outros medalhões. Uma obra fundamental para qualquer admirador de MPB e da cultura nacional.
Assis era um poeta do cotidiano. Dono de raro humor e fina ironia. E como um gênio nunca perde a atualidade, selecionei uma música e um vídeo interessantes. A música junta carnaval e fim do mundo e as intérpretes – surpresa! – Paula Toller e Sandy. Já viram essas duas no samba? E no estilo Carmen Miranda? A apresentação foi no Grammy Latino de 2008. A canção foi composta por Assis Valente na década de 30, quando disseram que o mundo se acabaria por causa de um eclipse total. Boa música para se cantar nesse carnaval.
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