Entrevista concedida a Veja (26/04/1972), a Luís Gutemberg.
Veja - Sua arquitetura monumental e suar formas surpreendentes têm críticos radicais e admiradores irrestritos, mas quase todos reclamam uma definição de intenções. O que procura a sua arquitetura?
NIEMEYER - Nossa arquitetura tem como objetivo a beleza plástica, a surpresa arquitetural, o vão maior. Procura a forma livre, a curva sensual que o concreto armado sugere.
Veja - Mas todos usaram o concreto armado. Onde a diferença?
NIEMEYER - Recusamos as soluções mais robustas que não exprimem o concreto armado, que nele não
especulam, que não o utilizam em todas as suas possibilidades, engrossando colunas e vigas, sugerindo
sistemas superados. E por maiores razões, recusamos a arquitetura retilínea, fria, repetida, formalística por
excelência.
Veja - Seria por essas razões que seus projetos costumam representar desafios para os calculistas de concreto?
NIEMEYER - Com nossas formas mais livres, com nossos balanços mais arrojados, obrigamos o calculista a pesquisar, dando ao seu trabalho um sentido mais alto, de criação estrutural.
Veja - O que há de verdade sobre os seus últimos projetos, que muitos calculistas europeus vêm considerando inviáveis?
NIEMEYER - Na Argélia, um escritório de supervisão técnica considerou impossíveis os vãos de 50 metros e balanços de 25 metros fixados no bloco de classes da universidade de Constantine. Na Itália recusaram-se a realizar arcos maiores de 8 metros no edifício da Editora Mondadori. No entanto, um engenheiro brasileiro, Bruno Contarini, resolveu todos esses problemas e os balanços, vãos e arcos foram construídos de acordo com nossos projetos. De fato, habituados a uma arquitetura de pequenos vãos, os engenheiros europeus vacilam diante das nossas estruturas, que para os calculistas brasileiros não apresentam mais problemas, nem surpresas.
Veja - Sua obra de arquiteto tem provocado discussões, especialmente na. Europa, onde centraliza seu trabalho atualmente. Tem participado de muitas discussões?
NIEMEYER - Não gosto de discutir arquitetura. Prefiro, quando necessário, explicar meus projetos. Sei como é difícil elaborá-los. Muitos, por timidez ou deficiência, adotam determinada corrente, para depois defendê-la como se fosse a melhor e não a única que podem adotar. Lembro Le Corbusier a dizer-me, mostrando a marquise do Congresso de Chandigart: Pode ser barroca, mas poucos poderiam desenhá-la. Por tudo isso desprezo a crítica. O que conta é a obra projetada, construída e aceita como boa arquitetura. Nesse caso, permito-me citar a sede do Partido Comunista Francês, em Paris, um dos meus últimos e melhores projetos, c1assificado no último número da Architectural Review como provavelmente um dos melhores prédios de Paris. E isso, estou certo, se repetirá no próximo ano na Itália quando terminada a sede da Editora Mondadori. Não é apenas minha arquitetura que se afirma, mas a arquitetura brasileira, o que é fundamental.
Veja - Além desses, quais são seus outros trabalhos atuais?
NIEMEYER - Acabei recentemente a sede dos sindicatos de Paris. Estou projetando um teatro, em frente ao mar, no Havre. Há também uma urbanização em Ville Juif, e agora, pelo telefone, me convocam para projetar um grande prédio em Paris, uma torre. Não tenho problema de trabalho, o que me permite desprezar muita coisa. Meu último trabalho foi para uma ilha no sul dos Estados Unidos. É um projeto ambicioso. Fui convidado para esse trabalho por um milionário americano, que vai contar na sua equipe com homens de negócios, um ex-ministro de John Kennedy e um filho do ex-presidente Dwight Eisenhower.
Veja - O New York Times deu razoável destaque à sua recente visita à ONU. É verdade que ainda não tinha visitado o prédio depois de pronto?
NIEMEYER - Sim. Em fevereiro último fui a Nova York e levaram-me a conhecer a ONU. Tendo que dizer qualquer coisa aos jornalistas, declarei com naturalidade: Como um dos arquitetos deste prédio, sinto-me satisfeito em visitá-lo no momento em que a China entra para as Nações Unidas. São 800 milhões que não podem ser esquecidos. Senti que minhas palavras, divulgadas pela TV e publicadas nos jornais, criaram constrangimento. Dois meses depois, Nixon estava na China.
Veja - Até que ponto essa vida européia, essas viagens o afastam do Brasil? Gosta de morar em Paris?
NIEMEYER. - É claro que gosto de Paris. É um mundo civilizado, cheio de atrativos e interesse, no qual cada um pensa e diz o que quer. Mas sou muito preso ao meu país, ao Rio, principalmente, e sempre que estou fora quero voltar. Nas discussões inevitáveis, faço-me jacobino. Lembro as praias do Rio e do nordeste, a grandeza da Amazônia e até São Paulo, que amplio como uma das maiores cidades do mundo.
Veja - Como é que você trabalha?
NIEMEYER - Meu método de trabalho é bem diferente do usual entre meus colegas arquitetos. Fixada a idéia, começo a desenvolvê-la, redigindo, ao mesmo tempo, um texto explicativo. É a minha prova dos nove. Quando não encontro argumentos para justificá-la, a idéia está deficiente.
Veja - Vê-se que esses processos, de trabalho têm fundamentação teórica. Por que não os transmite regularmente na universidade? Depois de uma experiência interrompida da universidade de Brasília, não se interessou mais em lecionar?
NIEMEYER - Ficaria demasiadamente ocupado. Este ano pretendem levar-me para o Colégio de França, uma espécie de academia de ciências e letras que se constitui no mais importante colégio cultural do país. Mas minhas idéias sobre a ensino de arquitetura, formação de arquitetos, estão postas com êxito na Universidade de Constantine, na Argélia.
Veja - Atualmente, dois dos mais importantes projetos de criação de cidades do mundo - na Argélia e em Israel - são de sua autoria. Suas posições de urbanista estão em jogo. Como discute os problemas de urbanismo que levantou?
NIEMEYER - Quando vejo discussões sobre novas cidades, lembro-me sempre de uma reunião da qual participei, em Nova York, no ano de 1947. E vejo-me a ouvir os mesmos princípios, as mesmas palavras de ordem, hoje destituídos de sabor e da importância inicial. Dentro desse esquema tão conhecido, as discussões se repetem. Uns preferem a cidade vertical, reduzindo distâncias, disciplinando a circulação. Outros, propondo prédios mais baixos, que dizem na escala do homem. Outros, sugerindo com ar profético soluções impossíveis, esquecidos que o urbanismo e a arquitetura evoluirão sempre e somente em função do progresso técnico. Acho possível qualquer solução urbanista, se elaborada com sensibilidade, mas sinto que muitas vezes a solução vertical é inevitável. Acho, porém, que essas discussões sobre a preferência de soluções perdem-se na superfície do problema, como se urbanismo não tivesse um objetivo definido, que é servir à sociedade e ao homem, em particular. Ninguém entra no fundo do problema e a questão social, a justiça social, a predominância do coletivo sobre o particular, a desapropriação da terra, todos esses dados são relegados a plano inferior. As novas cidades, que tanto interesse despertam, continuam a nascer já envelhecidas, retrógradas e desatualizadas, com seus habitantes marginalizados, sem nelas nada usufruir. Posso explicar, em poucas palavras, os meus projetos para Negev, em Israel, e Alger, na Argélia. Na cidade de Negev meu desejo foi encurtar distâncias, permitir que o homem circulasse tranqüilamente, atingindo a pé todos os seus setores. Isso levou-me à cidade menor - 250 000 habitantes -, à circulação na periferia, a um zoneamento baseado nas circunferências. Levou-me também a fixar os blocos de habitação como quarenta pavimentos, a fim de mantê-los mais afastados, entre parques e jardins, providos de escolas, clubes de esporte, etc. E, depois, a centralizar o setor de trabalho, voltando, com suas pequenas ruas e praças, à velha cidademedieval. Previ a cidade multiplicável, separada por grandes áreas verdes. Não desejava a cidade que cresce indefinidamente. Queria fazê-la humana e acolhedora.
Veja - No caso de Alger, a cidade já existe. Seria substituída por outra?
NIEMEYER - Evitei aproveitar a cidade existente, que a meu ver deverá ser apenas reformulada nas suas
insuficiências urbanísticas. Então, propus a nova Alger, ligada à antiga capital por estrada de rodagem e
monotrilho. Nos outros estudos urbanísticos que tenho feito, prevalece o mesmo espírito. A preocupação de
preservar a natureza, nela intercalando as unidades estabelecidas pelo urbanismo.
Veja - Que impressão lhe deu essa sua visita a Brasília?
NIEMEYER - Lembrei os velhos tempos. A lama, a poeira, os desconfortos inevitáveis. Depois, as ruas se abrindo, a cidade a surgir num clima épico de audácia e determinação. Lembrei Juscelino Kubitschek a percorrer as obras, dia e noite, obstinado em terminar a cidade que tantos tentaram obstruir. Por isso mesmo, não nos preocupam os novos prédios que surgem, bons, ótimos ou medíocres. O importante em Brasília já foi construído por JK: a praça dos Três Poderes, o Palácio da Alvorada, os ministérios. Esses, por razões hierárquicas e arquiteturais, continuarão queiram ou não, a caracterizar sua arquitetura.
Projetado por Oscar Niemeyer, o MAC de Niterói é considerado um dos mais importantes prédios da arquitetura moderna. Com uma curiosa construção arredondada que se debruça sobre a baía de Guanabara, visto de longe, para muitos, parece até um disco voador. A construção se iniciou em 1992 e levou cinco anos para ser edificada. O museu tem um acervo permanente e recebe mostras temporárias.
Crédito: Paulo Jares
Um comentário :
Mais uma mente brilhante que se vai.
Mauricio
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