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sexta-feira, abril 13, 2012

Orlando Orfei


Entre grandes e pequenos, o circo não morre

Por Marcelo Bulgarelli - publicado originalmente em  O DIÁRIO do Norte do Paraná , em 2002

Orfei e as aguas dançantes

Orlando Orfei. Idade: 81 anos e quatro meses. Um dos domadores mais famosos do mundo. Atacado 63 vezes por leões, tigres, leopardos e até por hienas. Quatro internações. Uma parte do dedo amputada. Ex-mágico. Ex-malabarista. Ex-ciclista acrobático. Ex-palhaço. Setenta e sete anos de picadeiro. “Você esta falando com o artista antigo do país”, dispara a lenda viva do circo brasileiro, assim que iniciamos a entrevista na varanda do seu trailer em meio a caminhões, lama, lona e muito, muito circo.

Amigo de infância de Federico Fellini – roubavam uvas juntos na cidade de Rimini, retratada na obra-prima “Amarcord” – Orfei se mostra humilde quando compara sua tradição com as dos circos que ainda estão engatinhando, como o “Circo Alegria”, atualmente em Tuneiras do Oeste. “O circo nasce assim, pequeno. De grande, está o espetáculo”, diz o italiano ao contar o início da saga dos Orfeis.

O Circo Orlando Orfei é como uma grande aldeia, habitada por 100 pessoas de 14 países diferentes. São 97 carretas, caminhões e trailers. Os artistas são contratados por temporada, um eterno misto de chegadas e partidas, sorrisos, lágrimas, sangue, suor e serragem.


A história começa em 1822, em Bolonha, na Itália, quando um padre católico, Paolo Orfei, tirou a batina para se tornar um grande músico em um conservatório na cidade de Ferrara. No local encontrou uma jovem da nobre família Massari. Mas o matrimonio foi negado e os jovens iniciaram um amor proibido.

O casal passou a viver num acampamento cigano onde tiveram o primeiro filho. Para garantir uma fonte de renda, os jovens decidiram montar um circo. Nasce, então, em 1825, o primeiro Circo Orfei. “Sou da quinta geração circense”, conta Orlando.

O PALHAÇO
A carreira de Orlando Orfei começou aos 5 anos de idade. Era um palhacinho junto com os irmãos mais velhos. O irmão o colocava dentro de uma calça grande, fazendo uma barriga como se estivesse grávido. “Ele punha a mão dentro da barriga e me tirava para fora. Eu era muito parecido com ele, vestido como ele, maquiado com ele. Eu era uma miniatura”.

Das palhaçadas, partiu para o malabarismo, a mais difícil das artes circenses. Um bom malabarista deve ter, no mínimo, sete ou oito anos de estudo. “Não acaba nunca. É um ensaio diário”. Logo depois, Orlando Orfei passaria para ciclista acrobático e mágico. Neste momento da entrevista , o patriarca não poupa crítica ao Mister M. “Esse filho de uma senhora! Resolveu arruinar uma categoria para ganhar dinheiro explicando os truques criados por gênios do circo”.

Mas nem tudo foi alegria. Durante a 2ª Guerra, os alemães haviam roubado os Orfeis. Sem nada, a família chegou a fazer número em praça publica em troca de alguns trocados.

Tempos depois, em uma temporada em Nápoles, o circo perdeu 12 leões e cinco tigres. Eles haviam consumido carne estragada. Para recuperar a perda, foram buscar outros animais no Congo. Os novos felinos não podiam ser jovens demais ou muito adultos. Quando “crianças”, ainda são muito “moleques”. E se forem mais velhos, tornam-se perigosos.

LEÕES
Do Congo, o circo comprou oito leões oriundos de um zoológico. A idade média dos felinos era de 2 anos. Mas o domador alemão fugiu, com medo de trabalhar com os leões adultos. Foi quando Orlando Orfei decidiu enfrentar os animais. A família não queria, mas nada adiantou.

Logo descobriu que o leão macho é o animal mais perigoso do circo, principalmente quando há leoa em cio. O pior ataque, porém, é o do leopardo, pois ele salta sobre a presa. Essa experiência foi sendo adquirida por Orlando Orfei que sempre retornou a jaula após os acidentes.

No hospital, ficava pensando em qual erro teria cometido. Os ataques, a grande maioria, ocorreram em apresentações (“A culpa sempre foi minha, nunca dos animais”). Foi também o único domador de hienas da historia do circo. As cicatrizes no corpo são as lembranças desse perigoso picadeiro.

Em 1968, o Circo Orlando Orfei veio para o Rio de Janeiro para um festival e uma turnê pela América do Sul. Mas o empresário encarregado das apresentações do circo deu calote, impossibilitando a companhia de retornar à Itália. Quando o circo conseguiu se recompor financeiramente, já estava praticamente radicado no Brasil. O patriarca havia gostado da “camaradagem” brasileira.


NOVO CIRCO
Orlando Orfei não poupa criticas ao chamado Novo Circo, como o Cirque du Soleil, com muita dança e malabarismo . Para Orfei, o tradicional circo é formado também por animais. Garante que todos são muito bem tratados. “Só quem trabalha no circo sabe dar carinho aos animais. Eles são meus companheiros de trabalho. Por que não criticam os que colocam aquelas coleiras (coleira afogador) nos cães? E a maldade com os cavalos (os rodeios)? Só querem é perseguir o circo. O circo nasce na noite dos tempos, na antiguidade, é o espetáculo mais antigo da humanidade. O circo: acrobatas, palhaços e animais”, resume.

As seis leoas agora são domadas por Irma Kezzi. É a única mulher na América Latina a trabalhar com estes animais. Ela é casada com um alemão, domador de ursos polares. “O urso é muito perigoso. Eu conheço o comportamento do leão pelo rosto, pelo rabo, pelas orelhas. No urso não se conhece nada. A gente nunca sabe”, diz Orfei. Hoje a companhia tem 70 animais, entre cães, gatos, pantera, leoas e elefante.

A FONTE DE FELLINI
No espetáculo, o grande destaque, porém, é a fonte dançante, a “fonte de Orlando Orfei”, como a imprensa européia classifica. Fellini a adorava. “Ele foi mais do que meu amigo. Foi amigo do circo. Em Rimini roubávamos uvas juntos. Era uma grande homem. Certa vez ele disse no jornal: ‘o meu sonho era fazer um filme com Orlando Orfei’”. Sobre a fonte dançante, o gênio do cinema italiano confidenciou: “Este número materializou a música”.
Outro encontro inesquecível foi com o Papa João XXIII. “O circo estava no Vaticano e o papa, extasiado, disse...” . Orlando Orfei tenta se lembrar da frase, mas não consegue. Diante da dificuldade, arremata: “São três os sinais da velhice. O primeiro sinal é que a gente vai perdendo a memória. O segundo sinal... Qual era mesmo?” (gargalhadas gerais). Em tempo: O Papa João XXIII disse que o circo é um apostolado de paz.

(“Sinos! Parai, sinos! Um palhaço morreu!! E vós, não chorai! Seja o sorriso o choro para a morte do palhaço! Ouviste estes cantos de querubim? O paraíso está em festa! E o mundo perdeu um amigo!” Orlando Orfei)



NOTA - Em 2008, Orlando Orfei fez sua última apresentação. Atualmente, com 92 anos de idade e longe dos picadeiros, Orlando Orfei mora no bairro da Prata, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.

Um comentário :

Anônimo disse...

Quisiera encontrar a miguel angel brizuela, como dueño del circo orlando orfei