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sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Gilson Caroni Filho: “Mensalão”, o grotesco midiático se anuncia

À medida que se aproxima o julgamentodo processo que a imprensa chama de “escândalo da mensalão”, velhos expedientessão reeditados sem qualquer cerimônia que busque manter a aparência de jornalismosério.

Gilson Caroni Filho, via CartaMaior

A manchete do jornal O Globo, em sua edição de 15 de fevereirode 2012 (“Marcos Valério é o primeiro condenado do Mensalão”), não deixa dúvidasquanto ao espetáculo que dominará páginas e telas depois do Carnaval: à medida quese aproxima o julgamento do processo que a imprensa chama de “escândalo da mensalão”,velhos expedientes são reeditados sem qualquer cerimônia que busque manter a aparênciade jornalismo sério.

A condenação do publicitário por crimesde sonegação fiscal e falsificação de documentos públicos seria, mesmo que não surjamprovas de conduta delituosa por parte dos réus, a senha para o STF homologar a narrativamidiática e não ficar maculado pela imagem de “pizza” que uma absolvição inevitavelmentetraria à mais alta corte do País. Essa é a intimidação diária contida em artiguetese editoriais.

Como destaca Pedro Estevam Serrano,em sua coluna para a revista CartaCapital:

“O queverificamos é a ocorrência constante de matérias jornalísticas em algunsveículos que procuram nitidamente criar um ambiente de opinião públicacontrária aos réus, apelando a matérias mais dotadas da verossimilhança dosromances que à verdade que deveria ser o mote dos relatos jornalísticos.”

Os riscos aos pilares básicos do EstadoDemocrático de Direito são nítidos na empreitada. Serrano alerta para o objetivoúltimo das corporações:

“E talcomportamento tem intenção política evidente, qual seja procurar criminalizar oPT e o governo Lula, pois ao distanciar o julgamento de sua concretude porrelatos abstratos e simbólicos o que se procura pôr no banco dos réus não sãoapenas as condutas pessoais em pauta mas sim todo um segmento político eideológico.”

A unificação editorial em favor damanutenção dos direitos do CNJ em votação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade(ADI) não revela apenas preocupação com o indispensável controle externo do poderjudiciário, mas o constrangimento necessário de juízes às vésperas de um julgamentoque envolve, a construção política mais cara à mídia corporativa. No lugar do contraditório,a imposição de uma agenda. Ocupando o espaço da correta publicidade dos fatos, arecorrente tentativa de manipulação da opinião pública. A trama, no entanto, deveser olhada pelo que traz de pedagógico, explicitando papéis e funções no campo jornalístico.

O pensamento único, para o ser, nãobasta ser hegemônico; tem de ser excludente. Não apenas de outros pensamentos, masdo próprio pensar. Parafraseando Aldous Huxley, “se o indivíduo pensa, a estruturade poder fica tensa”. Na verdade, na sociedade administrada não pode haver indivíduo.Apenas a massa disforme, cujo universo cognitivo e intelectivo é, de alto a baixo,subministrado pelos detentores do poder social. É nessa crença que se movem articulistas,editores e seus patrões.

Em um sistema de dominação é essa,e nenhuma outra, a função da “mídia”: induzir o espírito de manada, o não pensar,o abrir mão da razão e aderir entusiasticamente à insensatez programada pelos quepuxam os cordões. Os fracassos recentes não nos permitem desdenhar do capital simbólicoque as corporações ainda detêm para defender seus interesses e o das frações declasse a ela associadas.

Nesse processo, o principal indutoré o “Sistema Globo”, que o falecido Paulo Francis, antes de capitular, apropriadamentecrismou como “Metástase”, pois de fato suas toxinas se espalham por todo o tecidosocial. Seus carros-chefe, que frequentemente se realimentam reciprocamente, sãoo jornal da classe média conservadora e, principalmente, o Jornal Nacional, meticulosamente pautado “de [William] Bonner para Homer[Simpson]” que, de segunda a sábado, despeja ideologia mal travestida de notícia sobre dezenas de milhões de incautos

E o que “deu” no Jornal Nacional“pauta” desde as editorias dos jornais impresso – O Globo por cima e o Extrapor baixo – e das revistas “da casa” ou de uma “concorrência”, cujo único objetivoé ser ainda mais sensacionalista e leviana. Algumas vezes, o movimento segue o sentidoinverso: uma publicação semanal produz a ficção que só repercute graças à reproduçãoda corporação.

Os outros instrumentos de espetaculosidade complementam o processo, impondo suas versões de pseudo-realidade: o Fantástico,revista dominical do JN; as novelas “campeãs de audiência”, com seus “conflitos”descarnados e suas “causas sociais” oportunisticamente selecionadas como desconversa;e, culminando, o Big Brother Brasil, a celebração máxima da total vacuidade.

Processo análogo vem sendo usado,há mais de duas décadas, para esvaziar e despolitizar a política, reduzindo-a àsfutricas de bastidores, ao “em off” e aos “papos de cafezinho”; e, em época eleitoral,à corrida de cavalões das pesquisas de intenção de voto que ocupam as manchetes,o noticiário, as colunas – ah, as colunas! – e até mesmo a discussão supostamenteacadêmica. A não menos velha desconversa nacional: olha todo mundo pra cá, e pelaminha lente, para que ninguém olhe pra lá.

Falar-se em “opinião pública”, nessecenário, é um escárnio. “Opinião” pressupõe um espaço interno, em cada indivíduo,para reflexão, ponderação, crítica e elaboração, não controlado pelo poder social.“Pública” requer que exista uma esfera pública, de discurso racional entre iguais,aberto ao contraditório e não subordinado aos ditames do “mercado” ou subministradode fio a pavio pelo braço “midiático” do mesmo poder. Nem uma nem outra condiçãopode existir em ambiente que tenta subjugar “corações e mentes”, induzindo-o sistemáticae deliberadamente à loucura social.

Avançamos bastante, mas não nos iludamos: o que vem por aí é uma luta renhida. De um lado, o espetáculo autoritário. E, de outro, a cidadania e o Estado de Direito como permanente construção.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades IntegradasHélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaboradordo Jornal do Brasil.

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