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domingo, maio 09, 2010

Maringá, 63 anos

Ouça abaixo um trecho da entrevista de Joubert de Carvalho sobre a cidade de Maringá e a composição "A Cidade que Virou Canção". .Ele conta como a nova música foi encomendada pelo então prefeito Adriano Valente. (Programa Ensaio, TV Cultura)



Maringá nasceu de um aceno de adeus 
(Publicado em 10 de Maio de 2002 em O Diário do Norte do Paraná)
A canção que emprestou seu nome ao município, foi inspirada num fato ocorrido em Pombal, na Paraíba, a mais nova cidade-irmã de Maringá
Marcelo Bulgarelli
Equipe O DIÁRIO
Cidade de Pombal, Paraíba, década de 20. Uma família de retirantes arruma seus poucos pertences em um pau de arara. Um jovem casal se despede. Ela, bonita, deixaria a cidade junto com a miserável família para tentar uma vida melhor em São Paulo.Era a família de Maria. Da cabocla Maria do Ingá. Ele, um jovem mais triste ainda. Sem dinheiro, não tinha condições de embarcar no caminhão. Todas as economias daquela família eram mínimas para a longa viagem. Não haveria espaço para mais um corpo franzino. E muito menos para mais uma boca.
O pau de arara parte, deixando no ar o último toque de mãos entre Maria e o namorado. Ele corre atrás do caminhão, armazenando todo o fôlego possível até desistir, em meio a poeira. Não há registros sobre  o nome do caboclo que ficou. João Sem Ninguém? Talvez.
No bar próximo, um grupo de amigos assistia a cena. Comovidos, chegaram a recolher moedas perdidas nos bolsos, mas poucos réis não seriam suficientes para cobrir os gastos da viagem ou para conformar os corações daqueles jovens separados pela miséria.
Eles conheciam Maria. Ela morava numa região conhecida como Ingá, nas margens do rio Piranhas. Daí o seu nome. Moça prendada, desde os 12 anos já preparava pratos típicos. Com um sorriso encantador, era a alegria da centenária cidade paraibana até o dia do adeus parado no tempo.
JOUBERT DE CARVALHO
Rio de Janeiro, capital da República, 1930. Joubert Gontijo de Carvalho era um mineiro de Uberaba recém-formado em Medicina na capital federal e apaixonado por música e versos. O pai, Tobias de Carvalho, sempre o aconselhou a ficar afastado dos pianos e violões. Na aristocrática família Carvalho só eram permitidos médicos ou advogados.
Joubert passava por um momento difícil. Recém-formado em medicina, lhe assustava o fato de gostar mais do piano do que do bisturi. Porém, nunca foi um boêmio. Apesar de ter estudado medicina a pedido do pai, sempre se destacou como um aluno exemplar. Ao contrário de Noel Rosa, boêmio inveterado. Esse já havia tomado o rumo da boemia ao abandonar precocemente o curso de medicina.
UM EMPREGO
Mas Joubert não podia se dar a esse luxo. A sombra paterna parecia segurar a sua mão antes de ameaçar qualquer nota no violão. Necessitava de um emprego seguro. E foi em um anúncio de jornal que descobriu a existência de uma vaga para médico no Ministério de Viação e Obras Públicas.
Na época não existiam concursos públicos. Joubert recorreu, então, ao amigo, poeta e político Rui Carneiro, chefe de gabinete do ministro da viação, José Américo de Almeida.


- Joubert, vá você mesmo lá e peça, disse Rui.


- Mas eu não tenho jeito pra essas coisas.


- Por que você não faz uma canção falando dessa seca no Nordeste? Ele está fazendo açudes por lá, faça uma canção.


- Onde é que José Américo nasceu?


- Em Areias.


- Areias está meio ruim. E você, onde nasceu?


- Em Pombal.


- Pombal, Pombal, Pombal... Está ótimo... “Antigamente uma alegria sem igual dominava aquela gente da cidade de Pombal... mas veio a seca toda chuva foi-se embora, só restando então as águas dos meus óios quando chora...”
A canção surgiu ali, na sala de espera do gabinete. Joubert também queria saber de uma cidade do Nordeste em que a seca foi tremenda. Rui citou várias, inclusive Maria do Ingá, interior da Paraíba, distante 87 quilômetros de João Pessoa.
Independente da música, o médico garantiu a vaga no Ministério, conseguiu satisfazer a vontade do pai e ao mesmo tempo pôde se dedicar à música. Joubert chegou a ser nomeado para o cargo de médico do Instituto dos Marítimos, onde fez carreira.
A homenagem, porém, ficaria para o amigo Rui, ilustre filho da cidade de Pombal, também na Paraíba. Foi ele mesmo que teria contado para Joubert, durante uma conversa em um bar no centro do Rio, a triste história de uma cabocla chamada Maria do Ingá.
SERÁ LENDA?
Joubert ficou emocionado com o relato sobre a família de retirantes e do desespero do namorado de Maria, deixado em Pombal. Mas seria tudo aquilo verdade ou lenda? Rui, então, revelou. Ele era um dos rapazes que estava no bar, uma das testemunhas do adeus. Provavelmente, foi o próprio amigo de Joubert quem batizou a triste moça de Maria do Ingá, também inspirado na lenda de uma cabocla conhecida com este nome, vítima da terrível seca em 1877. Convencido, Joubert partiu para o escritório a fim de terminar a composição.

Varou a madrugada compondo a toada. O refrão estava pronto: “Maria do Ingá, Maria do Ingá, depois que tu partiste tudo aqui ficou tão triste que eu fiquei a imaginá”. Não, não estava bom. “Maringá, Ma-ringá, depois que tu partiste...”. Foi o último retoque. A obra-prima estava pronta.
PELAS ONDAS DO RÁDIO
“Prezados ouvintes, vamos ouvir agora a composição Maringá, de Joubert de Carvalho na voz de Gastão Formenti”, anunciava o locutor da rádio carioca em meados de 1932. A toada tomaria conta do Brasil e dividiria as paradas ao lado da marchinha O Teu Cabelo Não Nega (Irmãos Valença e Lamartine Babo) e do bolerão “Aquellos Ojos Verdes”.
Durante algum tempo, muitos atribuíam que a letra de Maringá fosse do poeta Olegário Mariano, também parceiro de Joubert em outro clássico, “De Papo pro Ar”. Mais tarde, o jornalista e compositor David Nasser descartou essa hipótese.
MARINGÁ
Noroeste do Paraná, década de 40. A Companhia Melhoramentos Norte do Paraná explorava a região e colocava à venda as glebas que lhe pertenciam, implantando núcleos urbanos. Famílias inteiras derrubavam as matas. Tempos difíceis. As poucas horas de lazer, porém, eram dedicadas aos bailes improvisados. Se escutava muita toada...
Em 1947, Elizabeth Thomas, esposa do presidente da Companhia Melhoramentos, sugeriu que a composição desse nome à cidade recém-cons-truída pela empresa. Foi um fato inusitado. Em todos os países do mundo, cidades emprestam seus nomes a canções. Raro, no entanto, uma canção dar origem a uma cidade. Sobre a mesa dos engenheiros da empresa, os rascunhos tinham um novo nome: Projeto Maringá.
Em 1959, Joubert visitou Maringá para inaugurar a antiga rua Bandeirantes, que passou a receber o nome dele. Dez anos depois, ele recebeu um convite do então prefeito de Maringá, Adriano José Valente, para ser o embaixador de Maringá no Estado da Gua-nabara. Aceitou na hora e ainda retribuiu com a música “A cidade que virou canção”.
O registro fonográfico dessa composição é raro. A TV Cultura de São Paulo mantêm em seus arquivos um programa da série Ensaio em que o músico apresenta esta canção junto ao piano.
CIDADE IRMÃ
Pombal, maio de 2002. O local da tragédia dos retirantes que batizou Maringá. Distante a 380 quilômetros de João Pessoa, hoje Pombal tem pouco mais de 29 mil habitantes e ainda preserva seus prédios coloniais junto aos rios Piranhas e Piancó. Fundada por Marques de Pombal no século XVIII, tem sua economia baseada na agropecuária. Atualmente, a maior novidade é a construção de um minishopping.
O povo pombalense homenageia Joubert de Carvalho e sua obra-prima dando o nome de Maringá para uma rádio FM, um clube campestre e a um restaurante. A toada, por sinal, é um hino lendário de Pombal.
Hoje, o município parai-bano é uma cidade irmã de Maringá graças a lei sancionada em novembro do ano passado pelo prefeito José Cláudio Pereira Neto. O projeto, de autoria dos vereadores Paulo Mantovani (PSDB) e Manoel Álvares Sobrinho (PDT), possibilita os convênios e intercâmbios culturais.
Assim como Joubert , Sobrinho também é médico e quase conterrâneo de Rui Carneiro. Ele nasceu em Serra Negra do Norte, município a 40 quilômetros de Pombal, perto das divisas entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte. O vereador foi um grande entusiasta do projeto das cidades irmãs.
É uma honesta homenagem ao local do adeus da cabocla retirante. Se foi lenda ou um fato testemunhado pelo poeta Rui Carneiro, não importa. Maringá nasceu de Maria. Cidade mulher.

Agradecimentos: Vereador Manoel Sobrinho, historiadores Reginaldo Benedito Dias e João Laércio Lopes Leal e professor Arthur Andrade. Bibliografia: A Canção no Tempo de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello; Maringá ontem, hoje e amanhã de Arthur Andrade; O Fenômeno Urbano numa zona pioneira: Maringá de France Luz, site da Prefeitura Municipal de Pombal , Enciclopédia Folha de Musica Popular Brasileira (Folha de São Paulo) ; História da Música Popular Brasileira/Joube

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