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Onda retrô é o mais novo filão do mercado
Marcelo Bulgarelli
Publicado em O DIÁRIO do Norte do Paraná - Maringá - 22-08-2004
O matemático e cientista social Altair Aparecido Galvão acertou em cheio no artigo publicado em O DIÁRIO na edição de 30 de julho, sobre a Síndrome dos Kidults, a tentativa de adultos em retornarem ao passado sadio da infância perdida e reencontrada.
Kidults ou não, ou talvez apenas saudosistas, o fato é que os marmanjos entre 30 e 45 anos fazem parte das duas primeiras gerações criadas em plena indústria cultural, via cinema, história em quadrinhos. A mesma indústria que encontrou na televisão o canal para vender guloseimas, vestuário, brinquedos e todo tipo de quinquilharias.
Agora, o efeito xuxu beleza: a mesma industria cultural descobriu essa onda retrô que vai desde revistas, produtos alimentícios, sites especializados... É uma brasa, mora? (Acho que esse bordão é da década de 60). E dispare a primeira foto aquele que nunca teve uma Kodak Instamatica com aquele flash em formato de cubo...
Lembre-se: quem pede Grapette repete. A criança que não virou um Sugismundo (lembra?) e está na faixa dos 30 a 45 anos sabe do que se trata. São as lembranças de uma infância em meio a programação de tevê, quinquilharias, alimentos calóricos, lendas urbanas (lembra da loira do banheiro?), hits de gosto duvidoso, cantores e bandas que pareciam descartáveis, jingles comerciais.
A Editora Abril aposta no sucesso da recém-lançada Flashback (nas bancas), revista que vem acompanhada de um CD com 30 jingles inesquecíveis. São clássicos como o da ducha Corona: "Apanho um sabonete, pego uma canção e vou cantando sorridente; duchas Corona um banho de alegria num mundo de água quente". Lançado em 72, o jingle ainda teria uma versão impublicável cantada nos pátios das escolas.
A ERA DISCO
"A pior saudade é a do não vivido", filosofa o historiador maringaense Reginaldo Dias, 42, saudosista dos antigos cinemas Horizonte e Ouro Preto. Esse último marcou a década de 70 e ficava perto da praça Rocha Pombo. Mas muita gente acompanhou Reginaldo imitando Jonh Travolta ao som dos Bee Gees na pista da Senzala, discoteca ícone do final dos 70 em Maringá.
Situada a rua Neo Alves Martins, entre as avenidas Herval e Piratininga, a Senzala (dirigida por Calijuri) representou o desbunde do final dos anos de chumbo. Santa Esmeralda, Patrick Hernandez (Born to be alive!) KC and the Sunshine Band (Shake, Shake, Shake!) e outras pepitas empedradas rolavam nas caixas enquanto o mundo girava no globo de espelhos.
E quem não tem saudade que seque a primeira lágrima. Ou dê uma boa risada. Coloque esses sucessos numa festa e você vai perceber a pista invadida por quarentões. Não dançam como antigamente, é verdade. Mas esquecendo a vergonha do ridículo, é só colocar um peruca black power, roupas estampadas, medalhas no peito... (Os quarentões que me perdoe, mas a moda anos 70 foi expressamente de mau gosto).
Mas tudo é festa. O empresário da noite, Osler Colombari, completou seus 30 anos e seu bar ao som do melhor som dos 70. Ao som do Abba, os amigos e parentes fizeram a festa no MPB Bar, local de forte inspiração setentista. ?Cresci ouvindo o melhor da MPB, mas também conheci Pink Floyd, Bee Gees?, revela.
Daísa Poltronieri, produtora cultural, lembra da juventude bem vivida em 1978, ápice da moda 'disco'. Foi a rainha das discotecas, consagrada até no Rio de Janeiro. Poltronieri frequentava o concorrente direto do Senzala, a Sheiks, do Bira, situada na esquina da rua Santos Dumont com avenida Herval.
Na tevê, Sonia Braga brilhava em Dancin Days. Nos Estados Unidos, estreava Saturday Night fever ? Os Embalos de Sábado a Noite. A trilha sonora gastou as agulhas das vitrolas em todo o mundo. E numa promoção de O DIÁRIO e TV Cultura, foi realizado o grande concurso de dança da cidade.
?Eu fazia par com o Pedro Paulo Davantel", entrega Poltronieri. Hoje, o antigo parceiro de dança é fisioterapeuta. Os dois dançavam ao som das Frenéticas, grupo criado por Nelson Mota e formado por ex-garçonetes da boate Frenetic Dancin Days, do Morro da Urca, no Rio de Janeiro (Abra as suas asas, solte as suas feras!).
A procura pelo concurso foi muito grande e a seleção teve de ser transferida para a Casa da Amizade, do Rotary Club, na avenida Cerro Azul. Poltronieri e Davantel levaram o primeiro prêmio entregue pelo prefeito João Paulino. Além do troféu, ganharam uma viagem de uma semana no Rio de Janeiro. "Dançamos na Papagayo´s e fomos muito aplaudidos", revela a rainha da discoteca.
Nas pistas, rolava Barry White, Billy Paul. Até então, os rapazes não tinham vergonha em dançar ?I Will Survive" na voz de Gloria Gaynor. Muito menos sabiam que o hit "Macho Man" era cantado pelo grupo gay Village People, formado por rapazes sarados e vestidos com roupas de diferentes etnias e profissões.
NA TELINHA
Na tevê, ícones inesquecíveis como os seriados sessentistas Jeannie é um Gênio e A Feiticeira cujo personagem favorito era a Tabatha. Fez tanto sucesso que ainda hoje encontramos mulheres quarentonas com o nome da pequena feiticeira.
Ligar o aparelho de tevê (Colorado RQ, Telefunken...) também era um momento mágico. As válvulas demoravam a esquentar. Quando era desligado, ficava um ponto branco no meio da tela. Só para situarmos no tempo, até o início da década de 70 a maioria das tevês era em preto e branco. Pra disfarçar, teve gente que chegou a usar uma transparência com barras coloridas.
E embarcamos no Túnel do Tempo rumo à Terra de Gigantes : Banana Splits (o quarteto infantil psicodélico e a adorável música do tra lá lá), Agente 86, Alf o ETeimoso, Vila Sésamo, Sitio do Pica-pau Amarelo, Capitão Aza, Topo Gigio, família Barbapapa, Mio e Mao, Globinho, Tv Tupi, Clube dos Artistas, Flavio Cavalcanti...
O maringaense Carlos Augusto Ferreira é um quarentão com gosto por seriados do tempo da tevê preto e branco. Morava num sítio e a sua grande felicidade era assistir Túnel do Tempo, Viagem ao Fundo do Mar, Jornada nas Estrelas. Recentemente, adquiriu diversas cópias de episódios de Daniel Boone (Daniel was a man, a big man!). ?Não vendo, não gravo. Não adianta insistir?, adverte ele, antes de outro quarentão solicitar uma cópia.
Entre suas preciosidades (Awika!), episódios de National Kid, seriado japonês da década de 60. Ou então, detalhes como o certificado da censura usado antes do início de casa filme, novela ou programa de tevê. Hoje, isso pode soar como algo conservador. Mas era um charme... Sem esquecer do antiecológico desenho Speed Racer em que o herói para ganhar a corrida dizima uma floresta inteira com o próprio carro.
Um seriado, porém, passou longe dos paranaenses, mas marcou época no eixo Rio-São Paulo. Trata-se de ?Vigilante Rodoviário?, as aventuras do policial Carlos e do cachorro Lobo. O radialista Dirceu Gomes de Mattos morava no interior paulista quando assistia as histórias: ?O ator que fazia o policial Carlos gostou tanto do personagem que entrou para a Policia Rodoviária quando a série terminou?, comenta Mattos, emocionado.
NA TELONA
E nos cinemas Tubarão, King Kong , Caçadores da Arca Perdida, Exorcista, Guerra nas Estrelas, Poltergeist, sem esquecer dos filmes de férias da turma dos Trapalhões. No baleiro do Cine Plaza se pedia uma caixa de Mentex, chocolate Lollo, drops Dulcora, balas Paulistinha ou Juquinha, Lanches Mirabel, bala Bonequinho, guarda-chuvas de chocolate...
E o que hoje é politicamente incorreto ou criminoso, passava despercebido na época. Quem nunca saboreou cigarrinhos de chocolate da Pan? A embalagem trazia dois meninos fingindo que estavam fumando (!).Ninguém questionava frases como "colorido artificialmente" e ingeria sem culpa drops em pó (Kiko), suquinho na laranjinha de plástico ou o calórico Mandiopã, aquele salgadinho mergulhado no óleo. (Na lancheira, café com leite frio e sanduíche molhado: uma inhaca!).
NA VITROLA
Anos 80: meninas, tremei (ou Tremendo)! Aí vem os Menudos! E eles se apresentam em Londrina, em pleno Estádio do Café! A diretora administrativa da Rádio CULTURA AM, Patrícia Vieira, revela: "Eu era fã dos Menudos. Saíram uns três ônibus de Maringá só para o show".
Na mesma década, o LP da Blitz com a indefectível "Você não soube me amar". O disco tinha umas doze faixas, mas duas delas apareciam literalmente riscadas. Era obra da censura federal ainda tentando zelar pelos ?bons costumes? naquele efervescente verão de 1982. Menina Veneno, Eu Sou Free Demais... "Disco é cultura", dizia a contracapa.
Cada um de nós possui a trilha sonora de suas vidas. Mas não precisa ser tão nostálgico. Se quiser, experimente um CD do mineiro Emmerson Nogueira. São gravações acústicas da memória musical dos últimos 40 anos. Tem tudo lá. Dos anos 60 aos 80, músicas internacionais em arranjos não datados.
Se Nogueira é moderno ou "clean" demais, o saudosista pode investir em "Hits Again" coletânea da Som Livre com cantores nacionais cantando em inglês. Músicas meio breguinhas e irressistíveis com os desconhecidos Mark Davis (Fábio Júnior!), Pholhas (sucesso com My Mistake) e Christian (Don´t Say Goodbye) que depois descambaria para sertanejo ao lado do irmão Ralf.
Todos são de uma época em que a música americana dominava as rádios. Cantar em inglês, então, era a melhor forma de ganhar o pão. Além disso, esses cantores faziam ?covers? de sucessos internacionais numa época em que as músicas originais demoravam até seis meses para atravessar o Atlântico. Em tempo: Reginaldo Dias adora essas velharias musicais e ainda coleciona músicas bregas de Odair José e Cia.
NO JORNALEIRO
Nas bancas, a revista Pop (adolescentes), Status (revista masculina) ou Cruzeiro (estilo Manchete) e a Playboy com a Xuxa pelada. Hoje a raríssima edição foi vendida por R$ 2 mil na internet, mas em Maringá um sebo está vendendo o ensaio com a famosa beldade por módicos R$ 300.
E perceba a volta da revista Recreio (relançada há cinco anos), dos discos coloridos com historias infantis (Coleção Disquinho, agora na versão CD), Coca Cola em vasilhame de vidro (também de volta ao mercado) .São alguns produtos que tentam ainda capitalizar a infância dos pais para os filhos de hoje. Até a sandália Melissa dá sinais de retorno...
NO ESTÁDIO
No esporte, o Flamengo de 1979, o primeiro campeonato do Corintians após duas décadas de jejum. (O sonho era acertar na loteca!), o calçado kichute (ou tênis Bamba ou Conga), a derrota pra Itália em 1982, João do Pulo, os uniformes Adidas com listras nas laterais. E o Grêmio campeão paranaense em 77! Sem falar no Londrina Esporte Clube que ganhava todas e recebeu o apelido de Tubarão devido ao sucesso do filme do Steven Spilberg!
E na arquibancada, sorvete de Kibon, Yopa ou da Gelatto (Dá-me um corneto!). Calças boca de sino, sapatos ?cavalo de aço? , camisas com gola gigante lavadas com sabão Rinso e cheiro de Pinho Campos do Jordão. Drops Kids de hortelã ou balas Soft (quem nunca engoliu uma inteira?), sodinha... No dedo, anel que vinha junto com o chiclete Ping Pong.
BRINQUEDOS
Entre os brinquedos, as fofoletes, a boneca Amiguinha, Suzy, Beijoca, bonecas de papel com roupinhas para vesti-las, Telejogo, Atari, a Ilha Secreta (dos Thumderbirds, hoje uma raridade), Cubo Mágico, bola ?dente de leite?, carrinhos de ferro, Genius, Atari, Telejogo, Pega Pega Troll, Velotrol, Tonka, Spirograf, canetas Sylvapen, Playmobil, piscinas Toni, as fábricas Glasslite, Coluna, Mimo e Atma. Jogos como Detetive, Combate e o clássico War.
E os animais de estimação: a moda dos hamsters e a breve passagem dos Kikos Marinhos ? o maior engodo da história. A criança jogava um pozinho na água e esperava os ?monstrinhos? crescerem. Na verdade, eram peixinhos ordinários que não duravam muito tempo.
Pois é. Você começa a perceber que está ficando velho quando tem saudades até de embalagem de chocolate. Sinais de velhice: não se conformar que o chocolate Lollo agora chama-se Milkbar; ou não comer manteiga Aviação que não seja de latinha. Pior: ter saudades do Biotônico Fontoura ou Emulsão de Scott. As mães insistiam nessas ?vitaminas? e as crianças fugiam pelo telhado. Mas ainda é melhor do que ter as terríveis aulas de moral e cívica...
Bom, já é hora de dormir, o mundo gira, a Lusitânia roda e o rocombole Pulmman bole-bole. A Atma é ótima. (Há um cheiro de Alfazema no ar ou será de Leite de Rosas?). Não perca o próximo capítulo...
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