“A igreja precisa acabar, é o refúgio da burroguesia, de bobos e brutos e todos os baratos charlatões.”
“Uma prece. Certo, uma prece: por motivos sentimentais. Deus Todo-Poderoso, lamento ser agora um ateu, mas o Senhor leu Nietzsche? Ah, que livro! Deus todo poderoso, vou jogar limpo nessa questão. Vou lhe fazer uma proposta. Faça de mim um grande escritor e eu voltarei à igreja. E Lhe peço, caro Deus, mais um favor: faça minha mãe feliz. Não me importo com o Velho, ele tem seu vinho e sua saúde, mas minha mãe se preocupa tanto. Amém.”
"Meu conselho para todos os jovens escritores é bastante simples. Eu lhes recomendaria que nunca evitassem uma nova experiência. Eu os instaria a viver a vida em estado bruto, a atracar-se com ela bravamente, a golpeá-lá com os punhos nus."
“Quando voltei ao meu quarto, joguei-me na cama e chorei um choro sentido. Deixei que as lágrimas corressem de cada parte de mim, e quando não podia mais chorar, me senti bem de novo. Sentia-me verdadeiro e limpo.”
“Ela me viu quando eu entrava. Ficou contente ao me ver; eu soube pelo jeito como seus olhos se arregalaram. Seu rosto se iluminou e senti aquele aperto na garganta. Imediatamente fiquei tão feliz, seguro de mim mesmo, limpo e consciente da minha juventude.”
John Fante, no livro Pergunte ao pó.
A beringela assada levou-me de volta à minha infância, quando custavam apenas um níquel cada e davam para um festim: maravilhosos globos roxos e suculentos prontos para encher o nosso estômago; tios ricos das Arábias ansiosos por nos dar de comer. Tão lindo que me apetecia chorar.
As fatias de vitela também me trouxeram as lágrimas aos olhos enquanto as empurrava com o magnífico vinho de Musso, nascido das encostas vizinhas. E finalmente, os gnocchi cozinhados em manteiga e leite acabaram comigo. Os meus olhos encheram-se de lágrimas de alegria. Limpei-os com o guardanapo, sentindo-me como se tivesse voltado ao útero da minha mãe, cheio de doçura e paz e com a boca para sempre cheia de vida. A Mama viu os meus olhos encharcados. Também não havia maneira de os esconder.
- Alguma coisa no ar - justifiquei - lixívia, talvez? Arde-me os olhos.
- É lixívia. Lavei o chão com lixívia.
- É isso. Lixívia.
- O teu pai detesta lixívia. Não me deixa usar na máquina de lavar.
- A sério?
- Sabes o que é que ele gosta?
- Não.
- Sais de banho!
John Fante, A confraria do vinho. Tradução de Luís Ruívo.
Dias de míngua, céus azuis sem nuvens, um mar infinito de dias azuis e de sol constante. Dias de fartura — fartura de preocupações, fartura de laranjas. Comia-as na cama, comia-as ao almoço, engolia-as ao jantar. Laranjas, cinco cêntimos a dúzia. A luz do sol no céu, o sumo do sol na minha barriga. No centro da cidade, no mercado dos japoneses, o sorridente japonês de cara afilada via-me chegar e pegava logo num saco de papel. Generoso, dava-me quinze, às vezes vinte laranjas por cinco cêntimos.
"Gosta banana?"Claro que sim. E ele dava-me duas bananas. Uma agradável variação, sumo de laranja com bananas. "Gosta maçã?" Claro que sim. E ele dava-me algumas maçãs. Uma receita nova: laranjas com maçãs. "Gosta de pêssego?" Pois com certeza, e lá ia eu para o quarto de saco castanho na mão. Uma interessante novidade, pêssegos com laranjas. Esmagava-as com os dentes, o suco a rolar e a gemer no fundo do meu estômago. Era tão triste o meu estômago. Chorava muito e pequenas nuvens negras de gás beliscavam-me o coração.
Pergunta ao pó, de John Fante, tradução de Rui Pires Cabrasl, Ahab, outubro 2009
"Os olhos dele saltaram de espanto. Soltei-o, ele se virou e entrou no ônibus. O veículo partiu, vomitava cheiro de óleo enquanto desaparecia na nevasca. Enfiei as mãos nos bolsos e me pus em marcha pela Pearl Street, caminhando pesadamente em meio à neve suja daquela tempestade despropositada. Mas havia um consolo na neve, apesar de tudo. Ela escondia vocês dos outros, as suas sardas, orelhas de abano e altura deplorável, e você passava por outros fantasmas na desolação, com as cabeças curvadas, olhos escondidos, a culpa e a inutilidade profundamente protegidas ali dentro."
- trecho das páginas 68 e 69 do livro "1933 foi um ano ruim", de John Fante (publicado em 2008 pela L&PM Pocket, , mas original e postumamente em 1985).