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quarta-feira, maio 02, 2012

Augusto Boal



Augusto Pinto Boal (Rio de Janeiro, 16 de março de 1931 — Rio de Janeiro, 2 de maio de 2009) foi diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. Fundador do Teatro do Oprimido, que alia o teatro à ação social, suas técnicas e práticas difundiram-se pelo mundo, notadamente nas três últimas décadas do século XX, sendo largamente empregadas não só por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política mas também nas áreas de educação, saúde mental e no sistema prisional.
Nas palavras de Boal:
O Teatro do Oprimido é o teatro no sentido mais arcaico do termo. Todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos 'espect-atores'.
O dramaturgo é conhecido não só por sua participação no Teatro de Arena da cidade de São Paulo (1956 a 1970), mas sobretudo por suas teses do Teatro do oprimido, inspiradas nas propostas do educador Paulo Freire.(Wikipedia)
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Entrevista concedida a Veja (17/11/1976), a Paulo Sotero, no ano em que exilou-se em Lisboa.
Veja - Como foi seu trabalho na América Latina desde sua saída do Brasil, em 1971, até agora, com a mudança 
para Portugal? 
BOAL - Minha preocupação com a América Latina já vinha de longe. A partir de 1968 vi que, para mim, não havia 
mais condições de trabalhar no Brasil. Então comecei a viajar por vários países vizinhos e percebi que o Brasil 
era um país culturalmente isolado. Em 1969, 1970 e 1971 tentei integrar teatralmente nosso país à América 
Latina, levando peças brasileiras para o exterior. Por exemplo, percorri o México de alto a baixo com Zumbi e 
com Simon Bolívar, uma peça que ensaiei no Brasil mas só encenei fora. Em 1971 fui preso, fiquei três meses no 
presídio Tiradentes sem culpa formada. Descobriu-se então que eu era inocente e, depois de uma grande 
campanha internacional pela minha soltura, me deixaram sair. Imaginei então que poderia fazer um trabalho mais 
útil fora do Brasil e fui trabalhar na Argentina. No Brasil, eu já tinha feito o Teatro Jornal, que eram onze técnicas 
de transformar notícias de imprensa em cenas dramáticas e permitir que todo mundo fizesse teatro. Na 
Argentina, junto com o grupo Machete, comecei a desenvolver o Teatro Invisível, algo muito atraente. A gente 
escolhia uma cena e a estudava, como quem vai montá-la num teatro, com pano subindo, tudo certinho. Só que 
fazíamos a cena num lugar que não era o teatro e para pessoas que não eram espectadores. Por exemplo: no 
vagão de um trem. Os passageiros, não sabendo que eram espectadores, interferiam na ação e se transformavam 
em atores. 
Veja - E qual o objetivo disso? 
BOAL - Fazer o teatro explodir dentro de um ritual diferente do ritual teatral. Quando você faz o teatro dentro do 
teatro, se o espectador está lá apenas como espectador, ele é um ser passivo contra o qual se faz o espetáculo. 
O espetáculo se faz a fim de impor a ele uma visão de mundo que é acabada e na qual ele não pode interferir. Às 
vezes ocorre que essa visão é correta, mas, de qualquer maneira, trata-se de uma visão imposta, da qual o 
espectador não participa. Minha tentativa era e é a de libertar o espectador de sua condição de passividade, para 
que ele possa usar o teatro e através dele conseguir outras liberdades. Um exemplo: na Argentina, fazíamos 
teatro em restaurante. Lá existe uma lei que proíbe os argentinos de morrerem de fome. Se uma pessoa está 
com fome e sem dinheiro, ela tem, teoricamente, o direito de entrar num restaurante e de pedir comida - o que 
quiser, menos vinho e sobremesa - e no final apresentar sua carteira de identidade e dizer: Olha, eu sou 
argentino, não tenho dinheiro e estou proibido de morrer de fome. É claro que na realidade as coisas não se 
passam dessa maneira, mas, baseados na lei, preparávamos uma cena e íamos a um restaurante. O 
protagonista entrava, pedia um bife a cavalo, comentava sobre a qualidade da carne argentina com as pessoas da 
mesa ao lado, enfim, procurava estabelecer relações. No final, agradecia muito e na hora de pagar assinava a 
nota, mostrava a carteira de identidade e a devolvia para o garçom. Este, que não sabia que era espectador, 
desempenhava o seu papel e exigia o pagamento. Então começava um diálogo. 
Veja - Havia outros participantes? 
BOAL - Havia mais atores, distribuídos pelas outras mesas. Um deles, dizendo-se advogado, representava esse 
papel e defendia o cidadão que não queria pagar. Citava a tal lei e prevenia o garçom que, se chamasse a polícia, 
poderia até ser preso, pois o outro estava dentro da lei. Mas aí entrava um outro ator na cena e dizia qualquer 
coisa assim: Mas como é que pode haver uma lei que diga isso? Eu, por exemplo, sou farmacêutico e acho que, 
dentro do espírito da lei, uma pessoa também não deve morrer por falta de medicamento. Então, ela pode entrar 
na minha farmácia e levar o que quiser sem pagar. E isso não é justo. E a discussão aumentava. Resumindo, 
através dessa técnica de Teatro Invisível, discutia-se o tema da peça: se a comida e o remédio existem, por que 
há pessoas que morrem de fome ou por falta de medicamentos? Se existem os meios para dar felicidade às 
pessoas, por que elas não são felizes? 
Veja - Mas no Teatro Invisível o espectador, no caso, o garçom, não tem consciência de que deixou de ser 
espectador... 
BOAL - É verdade. Ele participa mas não sabe. E o importante é que ele se liberte da condição de espectador 
tendo consciência disso, sabendo que está intervindo e assumindo a ação dramática, sem equívocos nem falta 
de informação. Consegui chegar a isso no Peru, onde trabalhei em condições excelentes, com o apoio do 
governo, com um grupo de 120 alfabetizadores de todo o país. Conto essa experiência na última parte do meu 
livro Teatro do Oprimido, que a Civilização Brasileira lançou no Brasil. É um trabalho desenvolvido por etapas. A 
primeira é a dos exercícios físicos, e mostra como o corpo está alienado pelo trabalho que cada um faz. Por 
exemplo, fazíamos uma corrida em câmara lenta em que o vencedor era o último a chegar. Então, cada pessoa ia 
descobrindo, durante o exercício, vários músculos que nunca utilizava e outros que empregava excessivamente. 
Depois vem a etapa dos jogos, cujo objetivo é tornar o corpo expressivo. Podem ser jogos de criança, em que 
cada participante tira um papelzinho onde está escrito o nome de um animal, e depois tem 10 minutos para 
expressar, através apenas de seu corpo, o animal que lhe coube. Enquanto você utiliza nomes de animais não 
entra a ideologia, mas quando você passa a fazer jogos com nomes de profissões - por exemplo, um operário, um 
policial, um capataz, um gerente de fábrica -, o jogo se torna ideológico. A Civilização está para publicar um novo 
livro meu em que conto essas experiências todas. Chama-se 200 Exercícios e Jogos para o Ator e Não-Ator com 
Vontade de Dizer Coisas através do Teatro. A terceira etapa, com vários graus, é a do teatro como linguagem. No 
primeiro grau, que se chama dramaturgia simultânea, os atores representam uma cena até determinado ponto, 
param e perguntam à platéia como devem continuar. No segundo grau, que é falar através de estátuas, dá-se um 
tema ao espectador e ele tenta representá-lo fisicamente esculpindo um conjunto de estátuas com o corpo das 
outras pessoas. Bem feito, isso tem a imagem do real. Depois, pede-se às pessoas que montem, através de 
estátuas vivas, a imagem ideal, que pode ser todo mundo feliz, com comida, se amando, etc. O terceiro grau é o 
teatro debate. Você monta uma cena com um tema político qualquer mas com uma solução propositadamente 
falsa. Quando termina, você pergunta se as pessoas estão de acordo e obviamente elas dizem que não. Então se 
recomeça tudo, mas a pessoa que estiver em desacordo deverá entrar em cena, substituir o ator que está dando 
a solução falsa e experimentar a sua solução. Os demais atores continuam tentando impor a solução velha e aí o 
espectador que assumiu conscientemente a posição de ator tem que lutar contra gente que não está aceitando a 
solução dele. 
Veja - Depois de todas essas experiências, como você vê, hoje, o teatro popular na América Latina? 
BOAL - Devido à repressão existente na maioria dos países, é um trabalho cada dia mais difícil. Mas em alguns 
países há uma quantidade considerável de grupos de teatro popular. Por exemplo, no México, existem pelo 
menos sessenta grupos de vários pontos do país que fazem parte de uma organização chamada Centro Libre de 
Investigación Teatral e Artística. Na Colômbia e na Venezuela há também alguns movimentos importantes. Mas, 
de um modo geral, todos esses grupos fazem o teatro para o povo. Em Cuba, existe uma experiência muito 
interessante feita por um grupo chamado Escambray. Seus integrantes vão todos os anos para o interior e ficam 
seis meses vivendo e trabalhando com os camponeses. A partir dessa experiência, eles montam uma ou duas 
peças sobre temas da região e percorrem o país. Eu acho que isso é um passo adiante. Mas ainda não basta. 
Eles trabalham com os camponeses durante um tempo. Mas não são camponeses. Quer dizer, continuaram a 
ser os artistas que representam para espectadores passivos. Eu, por exemplo, gosto de fazer peças a favor do 
proletário e dos oprimidos em geral. Mas as minhas peças nunca poderão ser as de um proletário. Minha última 
peça, Liza, que Chico Buarque está musicando, é a favor da libertação feminina. Mas de maneira nenhuma 
substitui a peça que uma mulher vai ter de escrever sobre o tema. 
Veja - E o que você pensa das outras formas de fazer teatro? 
BOAL - A gente vai ficando meio maduro e vendo melhor as coisas. Antigamente eu era muito sectário. Achava 
que, se num determinado momento tal forma de teatro estava dando bom resultado, então não se deveria fazer 
nenhuma outra, pois seria errada. Agora não penso mais assim. É claro que, se estou envolvido num trabalho, 
quero me concentrar prioritariamente nele. Mas isso não invalida o trabalho que outras pessoas estão fazendo e 
que tem também a sua eficácia. Acho que é tão nocivo dizer uma mentira num teatro dito convencional como 
num teatro dito popular. A verdade é sempre útil, quer seja dita numa tarriada do Peru ou num teatro do centro de 
São Paulo. Agora, as pessoas que trabalham para um público burguês sofrem muito mais uma espécie de 
sedução da burguesia. Muitos artistas que se isolam e ficam somente na chamada vida artística terminam se 
alienando. Sei disso por experiência própria e acho que esse problema não é só do artista, mas também do 
médico, do engenheiro, do estudante, do jornalista, de todo mundo. O contato mais íntimo com o povo é 
fundamental para nos mostrar certas coisas da vida que não vemos. 
Veja - Você tem acompanhado o movimento teatral no Brasil? Qual sua opinião sobre o que hoje se faz? 
BOAL - As peças publicadas em livro me chegam facilmente. Considero, por exemplo, Gota d'Agua, de Chico 
Buarque e Paulo Pontes, uma peça excelente e acho extraordinário que esteja sendo levada no Rio. O teatro no 
Brasil, apesar das condições difíceis em que é feito, está conseguindo chegar ao palco. E isso é positivo. Não 
acontece no Brasil o que aconteceu em Portugal. Aqui, no tempo da ditadura salazarista, diante da 
impossibilidade de montar as peças, os autores se habituaram a escrever textos para publicar em livro, peças 
para serem lidas e não vistas. O resultado é que há textos excelentes, mas simplesmente impossíveis de 
montar. No Brasil, os dramaturgos estão escrevendo para o palco, e devem continuar assim. Mas também é 
verdade que a situação tem levado alguns autores brasileiros a escreverem peças de chave, que, para ser bem 
compreendidas, exigem uma ampla informação sobre certos fatos recentes, que somente o público brasileiro 
conhece. Eu cito o caso de Um Grito Parado no Ar, de Gianfrancesco Guarnieri. É uma peça muito boa e que no 
Brasil deve ter tido um significado extraordinário. Cecília, minha mulher, e eu nos entusiasmamos, traduzimos 
para o espanhol e tentamos convencer alguns empresários argentinos a encenarem. Mas todos se recusaram 
dizendo que não entediam a peça. E isso acontece com um bom número de textos, impossíveis de ser 
entendidos fora do Brasil. Embora o teatro brasileiro possa ter se enriquecido em outros aspectos, perdeu nos 
últimos anos o conteúdo político aberto e explícito que tinha. E isso obviamente não por culpa dos dramaturgos, 
mas dos senhores da Censura, que castraram todo um filão riquíssimo do nosso teatro e que não tinha igual na 
América Latina. 
Veja - E o que você acha de autores, como Bráulio Pedroso, Dias Gomes e Lauro Munis, escreverem novelas 
para a televisão, com grande sucesso de audiência? 
BOAL - Em princípio, nós não devemos recusar nenhum meio de informação. Se me dessem o Scala de Milão 
para trabalhar eu aceitaria sem o menor constrangimento - o problema é que eles não me dão o Scala de Milão 
para fazer o que eu quero. Assim, não rejeito a televisão só por ser televisão. O problema é que, para a televisão 
funcionar, ela necessita de um financiador. Se você depende de um financiador que vai impor temas, acho que 
você deve se recusar. Mas, se você puder dizer o que quiser ou pelo menos aproximadamente aquilo que quiser, 
então acho perfeito fazer novela ou seja lá o que for na televisão. Mas quem sou eu para daqui de longe e depois 
de tanto tempo julgar o que está sendo feito agora, que eu não vejo? Eu sei que as pessoas que você mencionou 
são pessoas honradas ou pelo menos eram. E não tenho nenhuma razão para supor que deixaram de ser. 
Veja - Qual sua opinião sobre o teatro português hoje e quais seus planos para Portugal? 
BOAL - Aqui não existe praticamente nada em teatro popular. Foi muito tempo de ditadura. Há gente com muito 
talento, autores e atores, há até condições favoráveis para o trabalho, pois o governo tem dado boas subvenções 
à atividade teatral. Mas não há produção. Somente em Lisboa, por exemplo, há quinze grupos inteiramente 
subvencionados. Mas, se você quiser ir ao teatro, encontra apenas três ou quatro peças em cartaz. Eu aceitei um 
convite da secretaria de Estado da Cultura para vir trabalhar aqui e pretendo realizar o trabalho em três níveis: o 
primeiro será um seminário de dramaturgia, para autores que já produziam e para os novos. Depois virá o 
laboratório de interpretação, visando desenvolver novas técnicas com os atores e dar um caráter mais permanente 
à sua preparação. Paralelamente será lançada a idéia de se fazer uma Feira Portuguesa de Opinião, nos 
mesmos moldes da que organizei em São Paulo em 1968 e da Feira Latino-Americana de Opinião, realizada 
depois em uma igreja em Nova York. 
Veja - Como ficou seu plano de organizar uma trupe latino-americana para percorrer as Américas? 
BOAL - Essa idéia não chegou a ser executada agora mas poderá ser retomada em parte num novo projeto a ser 
realizado juntamente com Jacques Lang, diretor do Festival de Nancy. Eu e o argentino Carlos Trafic pensamos 
em organizar em Nancy uma Fête Latino-Américaine, que percorreria depois várias cidades da Europa. 
Pretendemos apresentar dois ou três grupos bem representativos de teatro popular da América Latina. E, como 
há na Europa centenas de atores, autores, compositores e cantores latino-americanos completamente parados, 
pensamos também em organizar com eles um centro latino-americano para realizar tudo o que não se pode fazer 
na América Latina. Cada manifestação seria sempre acompanhada de um debate sobre a realidade econômica e 
política do país ou países a que ela se refere. Focalizaríamos as três faces da cultura latino-americana que nos 
interessam: a cultura da resistência, dos que ficaram; a cultura da diáspora (porque existe uma verdadeira 
diáspora latino-americana, hoje); e, por último, a cultura recuperada, que os europeus absorveram da América 
Latina, transformando para seu consumo. É o caso, por exemplo, de alguns encenadores argentinos, como Víctor 
García e Jorge Lavelli, que hoje são na verdade excelentes diretores de teatro francês. 
Veja - Você pensa em voltar para o Brasil? 
BOAL - Claro que penso. E não existe nenhuma razão para que um dia eu não volte. Toda minha atividade 
sempre foi bastante aberta. Bastante clara. Nunca cometi nenhum ato que necessitasse da clandestinidade. 
Sempre fiz tudo à luz do dia. É claro que minhas opiniões são frontalmente opostas às opiniões do governo 
brasileiro neste momento. Por isso, sinto que atualmente meu trabalho pode ser mais útil fora do Brasil. Mas 
acho que posso continuar realizando um trabalho através de meus livros e peças. Gostaria muito que fossem 
publicados com mais freqüência, e também que minhas peças fossem encenadas. Duas delas, aliás, passam 
facilmente pela Censura: Liza, que fiz com Chico Buarque, e Tempestade, baseada na peça de Shakespeare

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