Dirigido e protagonizado por José Mojica Marins, *À Meia-Noite Levarei Sua Alma* é um marco do cinema brasileiro e o ponto de partida para uma das figuras mais icônicas do horror nacional: Zé do Caixão. Este é o primeiro filme a apresentar o personagem do coveiro sádico e implacável, que se tornou símbolo de transgressão e exploração do horror psicológico no Brasil.
O filme segue Zé do Caixão, um coveiro cruel obcecado com a ideia de gerar um filho que perpetue seu "sangue superior". A história gira em torno de seu desprezo pelas tradições religiosas e morais do vilarejo onde vive e sua crueldade com qualquer pessoa que desafie sua vontade. Desde a violência explícita até as temáticas de blasfêmia, Mojica desafia convenções e o público com cenas que chocam e perturbam, criando uma atmosfera densa de medo e repulsa.
Apesar de recursos técnicos limitados, o filme utiliza o preto e branco de forma eficaz, o que confere uma aura sombria e opressiva. Mojica recorre a sombras pesadas e ângulos de câmera expressivos para gerar um horror visualmente impactante e atmosférico, enquanto as locações e cenários simples mantêm um tom realista que aproxima o espectador das cenas mais intensas e angustiantes.
Zé do Caixão é uma das criações mais singulares do horror, interpretado com vigor e intensidade pelo próprio Mojica Marins. O personagem é fascinante em sua filosofia e brutalidade, desprovido de qualquer traço de remorso ou empatia, e personifica o mal de maneira quase hipnotizante. Mojica projeta em Zé um tipo de anti-herói que quebra as normas ao mesmo tempo em que incorpora questões culturais brasileiras, como a religiosidade popular e o medo da morte
O filme foi inovador para o cinema brasileiro, tanto pela ousadia dos temas quanto pela abordagem da figura do vilão. Em um país onde o horror não era um gênero popular, Mojica introduziu não só um novo estilo, mas também uma crítica à hipocrisia religiosa e às convenções sociais. O conflito entre Zé do Caixão e as crenças católicas do povo ao seu redor representa um confronto cultural que ressoa com questões de autoridade, poder e liberdade pessoal.
A obra vai além do simples terror físico. Em vez de depender de sustos fáceis, o filme explora o horror psicológico e a degradação moral, um estilo que se alinha com o horror existencial presente em autores como Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft. Isso posiciona o filme como um estudo sobre o lado mais sombrio da condição humana, onde Zé do Caixão serve como uma alegoria para o homem sem freios, guiado apenas por sua própria vontade.
*À Meia-Noite Levarei Sua Alma* foi ousado para sua época e continua a ser relevante. Ele abriu o caminho para outros filmes de Mojica e consolidou Zé do Caixão como um ícone do cinema brasileiro e mundial. Embora o filme sofra com limitações de produção que refletem a falta de orçamento, esses elementos acabam contribuindo para sua autenticidade e charme.
´´E um clássico cult que marca um ponto de virada no cinema brasileiro. Com Zé do Caixão, Mojica cria um vilão inesquecível e perturbador, e o filme permanece uma obra-prima do horror nacional, transcendendo o tempo e oferecendo uma experiência assustadora e profundamente instigante.