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quinta-feira, novembro 16, 2017

A SBPC e a "Carta de Maringá"

Carta dirigida à nação brasileira completa 19 anos. De lá pra cá,  pouca coisa mudou e a tendencia é piorar. 

Título: A SBPC e a "Carta de Maringá"
Data: 16/Nov/98
Autor: Sérgio Henrique Ferreira
Editoria: Opinião
Publicado em Folha de São Paulo


A defesa de ciência e tecnologia não pode ficar restrita à comunidade acadêmico-científica

Documento dirigido à nação brasileira, ao presidente e aos deputados estaduais, federais e senadores, a "Carta de Maringá" analisa os cortes no Orçamento deste ano na área de ciência e tecnologia e aponta riscos decorrentes do modelo econômico adotado pelo governo. O manifesto foi divulgado durante a 6ª Reunião Especial da SBPC, realizada nessa cidade paranaense. Seu tema principal foi o perfil e o destino das cidades de médio porte.
A carta reflete um momento de grande incerteza e a insatisfação que acometeu toda a comunidade acadêmica e científica. Opondo-se aos cortes lineares no Orçamento anunciados pelo ajuste fiscal, trata-se de um manifesto em defesa da soberania nacional.
Os cientistas brasileiros alertam para o fato de que nenhuma nação será independente nem atingirá patamares mínimos de justiça social se abdicar dos investimentos em conhecimento e inovação tecnológica próprios. Esse foi o caminho de todas as nações desenvolvidas, hoje repetido por aqueles poucos países do Terceiro Mundo que estão conseguindo, paulatinamente, fugir da miséria e da dependência.
Ressalte-se que a carta não reflete uma atitude corporativista de defesa de interesses acadêmicos, mas emite um alerta em defesa de um patrimônio nacional, construído durante 50 anos (21 deles em plena ditadura militar): o sistema nacional de pós-graduação, responsável pela formação de novos cientistas, cujas pesquisas colocam hoje o Brasil entre os 20 maiores produtores de ciência no mundo, com a mais importante produção da América Latina.
Acaba de chegar ao Congresso a peça orçamentária para o próximo ano. Em consonância com o apelo que a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências fizeram diretamente ao presidente, o financiamento para as bolsas de estudo e de pesquisa está mantido nos patamares propostos. Isso permite ao CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) cumprir suas políticas de formação de recursos humanos em ciência e tecnologia. É importante que os senhores deputados federais e senadores respeitem essa proposta, integralmente endossada pela comunidade científica.
Os cortes no MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), centrados no sistema de fomento, vão afetar gravemente as pesquisas e o desenvolvimento tecnológico. Assim, cabe aos parlamentares agora inverter essa perda. Os piores reflexos afetarão principalmente universidades e institutos de pesquisa dos Estados que não têm fundações de amparo à pesquisa ativas e regularmente financiadas pelos governos. É fundamental que a comunidade científica, o senhor ministro e os secretários de Estado da Ciência e Tecnologia se comprometam a desenvolver uma política clara pela salvação do setor.
Na "Carta de Maringá", declaramos que a recente portaria do CNPQ refletindo os contingenciamentos orçamentários deste ano sinalizava claramente a falência do financiamento público para ciência e tecnologia, indicando a completa ausência de prioridade para o setor e se contrapondo ao que seria desejável para um país em desenvolvimento. Mesmo com as liberações de recursos anunciadas agora, após a vigorosa reação da comunidade científica (inclusive com repercussões internacionais), a situação ainda é bastante difícil.
Maringa - foto de Amarildo Ramalho.

O Brasil, para sobreviver economicamente, tem de enfrentar com suas próprias armas o mercado globalizado que se estabeleceu na aurora do século 21. Nos últimos 50 anos, a comunidade científica brasileira dedicou-se à construção de um parque científico, o que nos permitiu sair da condição de simples usuários de inovações alheias para a de geradores delas, como nos setores petroquímico e agrícola. A defesa de ciência e tecnologia não pode ficar restrita à comunidade acadêmico-científica. Devem participar dela os distintos segmentos da sociedade brasileira.
É com profunda desconfiança que a comunidade científica toma conhecimento da proposta de fusão do MCT com a área de ensino superior, hoje sob responsabilidade do Ministério da Educação. Essa proposta, alardeada pelo ministro Paulo Renato Souza como idéia inovadora, já faliu na França. Há mais de um ano, essa fusão foi realizada no sistema educacional francês, trazendo sérios transtornos para o sistema de ciência e tecnologia; hoje, o ministro Claude Allègre está sendo duramente criticado pela comunidade científica ("Le Monde", 30/9/1998).
Se a proposta de fusão atende aos atuais interesses do ministro, que se livra da complexa administração das universidades federais e de suas necessárias reestruturação e autonomia, ela é inadequada à área de ciência e tecnologia. Achamos que adotar essa medida agora é sinal de precipitação. Solicitamos ao presidente uma moratória para a sua implementação, até que suas eventuais vantagens e destinações orçamentárias estejam devidamente esclarecidas para a sociedade.
Na carta, dissemos estar conscientes de que não basta a adequação momentânea do orçamento do setor. Certamente, faz-se necessário mudar a proposta econômica atual; outras devem ser consideradas, invertendo a ênfase na captação de recursos internacionais. Essas proposições devem estar baseadas na poupança interna e diretamente vinculadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, em prol de uma indústria inovadora e de projetos econômicos estratégicos para o avanço social.
Assim, convocamos todos os segmentos a discutir alternativas para o desenvolvimento social e econômico do país, para que não se cristalize uma situação desprovida de esperanças.
Sérgio Henrique Ferreira, 62, médico e farmacologista, é professor e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto e presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

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